Acórdão nº 3934/19.5T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17-12-2020

Data de Julgamento17 Dezembro 2020
Número Acordão3934/19.5T8BRG-A.G1
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

QUESTÃO PRÉVIA - aludiram os 2ª e 3ª RR à necessidade de a autora ser convidada a aperfeiçoar as conclusões:

Ao contrário do proclamado pelos RR nas suas contra-alegações/ampliação de recurso, não vemos necessidade no aperfeiçoamento das conclusões da autora (639º, 2, a), 3, CPC), por pretensa falta de indicação da norma violada, dado que as conclusões são claras no sentido de estar em causa a excepção da ilegitimidade passiva destes RR, nos termos dos artº 278º al d), 576º al e), 578º do CPC ex vi artigo 1º, nº2 al a) do CPT.
Pelo que não se faz uso de convite a aperfeiçoamento.
***
I. RELATÓRIO

AUTORA: J. G.,
RÉS – 1º- SHOPPING ..., ESTACIONAMENTOS, SA; 2º- X, SA; e 3º - M. R..

A autora intentou acção de processo comum pedindo que os três RR. sejam solidariamente condenados a pagar-lhe uma compensação pelos danos morais sofridos em montante não inferior a 15.000,00€ e que os 2º e 3º Réus sejam condenados a criarem as condições para que o trabalhador M. F. seja deslocado para outro local de trabalho.
Alega que a 1ª ré é sua empregadora para quem trabalha desde 1-02-2009 na qualidade de escriturária, que a 2ª ré é a entidade patronal do trabalhador que a assediou, que o 3º réu é o presidente do conselho de administração (PCA, doravante), quer da 1ª ré sua empregadora, quer da 2ª ré. As duas empresas, 1ª e 2ª rés, ocupavam as mesmas instalações e os trabalhadores de uma e outra laboravam conjuntamente no mesmo espaço físico. O 3º réu é ainda sócio de ambas as rés.
Em 10-09-2018, foi vítima de assédio sexual por parte de um trabalhador da 2ª ré, M. F. (que relata-se no artigo 11º da PI “…..agarrou-a por detrás, com força, encostou-se a ela, virou-a de frente para si, voltando a agarrá-la, com força, tentando beijá-la sem o seu consentimento, e dizendo “e se eu te desse um beijinho?”).
Queixou-se à sua empregadora, a 1ª ré, na pessoa do PCA, o ora 3º réu, simultaneamente PCA da 2º R, o qual desvalorizou a situação e não tomou qualquer medida. Até que a autora, em 14-05-19, após dirigir um email a toda a administração (o ora 3º Réu, D. N. e a F. N.) soube que o assunto não fora levado ao conhecimento dos demais sócios e membros do conselho de administração da 1ª R., lapso de tempo em que a trabalhadora teve de laborar no mesmo espaço físico que o outro trabalhador, vendo-o todos os dias e temendo pelo que ele pudesse vir a fazer (até art. 35 p.i). Só a partir da comunicação formal da A., a 1ª ré deu tratamento, embora meramente formal, à sua denúncia. Sendo então ouvida pela advogada da 1ª R, que se limitou a aconselhar a notificação da empregadora do suposto trabalhador assediante, a ora 2ª ré, não obstante esta ter já perfeito conhecimento do ocorrido porque os PCA são comuns.
Acresce que o 3º réu acusou a autora de violar o dever de urbanidade, escudou-se em que teria de ser a administração da 2ª Ré a instaurar o procedimento de inquérito. Ademais, optou o 3º RR por ameaçar a A. criando-lhe um ambiente intimidativo e de pressão, nas suas palavras ”manifestamente o Senhor M. R. ficou desagradado com a A., perante a total inércia, ter posto a questão por escrito e, a partir daí, passou a tratá-la com acinte, pressionando-a, falando-lhe de forma mais brusca ou com total desprezo, ao mesmo tempo e sem que a iniciativa partisse da A., outros colegas tomaram conhecimento do sucedido e passaram a tratá-la de forma diferente, com muito mais distanciamento e frieza.” Relata, ainda, que o 3º R, como forma de pressão, exigiu-lhe mais tarefas do que as previstas no seu conteúdo funcional, mormente um parecer sobre seguros.
Quanto à 2ª ré alega (art.s 71º e ss da p.i.) que foi chamada pelo advogado dessa empresa a fim de ser inquirir sobre o ocorrido no dia do assédio, acabando por nunca ser ouvida perante a pretensão de ser assistida pela sua advogada. Tratando-a, aquele, desadequadamente, elevando-lhe a voz, perguntando-lhe “se tinha que fazer um desenho” e “Você deve estar habituada a falar com outro tipo de gente que não eu”, com voz alterada e com comportamento desadequado, informando-a que se “ tratavam-se de processos diferentes”, tudo com o objectivo de a pressionar. Acabando por lhe ser comunicado pela 2ª R, em 27-06-2019, o arquivamento da sua participação. Ou seja, também a 2ª R, nada fez e não tomou medidas, sujeitando-a estar em contacto permanente com o agressor.
Em suma, num primeiro momento, o 3º R. nada fez, ficando sujeita a estar em contacto permanente com o seu agressor, criando-lhe um ambiente de trabalho intimidativo e hostil, quando, para o evitar, bastaria ter-se deslocado o citado trabalhador para outras instalações. Posteriormente, o 3º R, face à denuncia que apresentou, passou a trata-la com aspereza, elevando a voz, solicitando tarefas que nunca tinha desempenhado, fazendo correr nos corredores a circunstância de a A. ter apresentado uma denúncia, passando alguns colegas a tratá-la de forma diferente. A 1ª R empregadora nada fez para evitar o seu contacto com o funcionário. A 2ª R nada fez para afastar o seu trabalhador agressor, apenas nomeou um mandatário que não ouviu a autora, adoptou para com ela comportamento desadequado e arquivou os autos.
Do exposto, resultaram sérios prejuízos à trabalhadora, a qual ficou amedrontada, receosa e com crises de choro, vivendo estes meses sob profundo stress, que afectou a sua vida profissional, mas também a pessoal, com dificuldades em adormecer, repousar e evitando conviver socialmente.
A 1ª ré deduziu contestação, impugnando os factos. Alegando em suma que o autor do alegado assédio não era seu trabalhador, tendo-se limitado a comunicar a denúncia da autora à 3ª ré para que esta tomasse as providências que entendesse. A autora deveria ter apresentado queixa crime se o entendesse ou demandar o alegado autor do assédio com base na responsabilidade civil extracontratual.
O 2º e 3º RR deduziram contestação conjunta negando a prática de actos de assédio. Alegando que não são entidades empregadoras da autora, nunca podendo colher qualquer teoria de responsabilidade objectiva por actos de um seu trabalhador perante uma não trabalhadora, a ora autora (os RR chamam a esta defesa de “factos impeditivos”). A autora nunca apresentou queixa, nem demandou o pretenso autor dos factos. AS RR cumpriram o que lhe competia, instaurando processo disciplinar ao seu trabalhador (M. F.), tendo-se concluído pelo arquivamento por falta de matéria. Na parte que ora interessa reportar, arguiram a excepção de incompetência absoluta do tribunal; a ilegitimidade da 2º R e do 3º R, este último porque sempre agiu na sua qualidade de PCA na própria versão da autora; a ineptidão da petição inicial, por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir. No final pedem, ainda, que se declare que “inexiste fundamento jurídico suscetível de fundamentar a alegada e peticionada responsabilidade solidária da Ré Contestante e do 3º Réu, devendo improceder o pedido de condenação solidária destes” e “declarar-se ilegítimo o exercício do direito – a considerar-se existente- invocado pela Autora do direito” por exceder a boa fé.
Os 2º e 3º R.R. deduziram, ainda, reconvenção, pela qual pedem a condenação da Autora, a pagar a cada um a indemnização de 10.000,00 € por danos não patrimoniais, fundamentando tal pedido no facto de a autora ter propalado factos inverídicos que ofendem gravemente a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos à RR. suscetíveis de integrarem ilícito penal, bem como a de formular juízos ofensivos da sua honra e consideração, citando passagens da petição inicial donde decorrem as imputações causadoras de danos.
A autora respondeu às excepções, propugnando pela improcedência. Em especial quanto à ilegitimidade da 2ª ré, acrescenta que em 1º linha a autora trabalhava indistintamente tanto para a 1º Ré, como para a 2º Ré, bem como os outros trabalhadores destas e que existia à data uma confusão entre a 1º e 2º Ré, ou seja, uma desconsideração da personalidade jurídica.
Os 2º e 3º RR (secundados pela 1ª R) vieram arguir a nulidade da resposta na parte em extravasa a resposta à excepção, por ter sido alegado matéria nova não constante da petição inicial, mormente na parte em que se refere pela primeira vez que a autora trabalhava indistintamente para os 1º e 2º RR.

No despacho saneador o tribunal a quo decidiu:

(i) Não admitir a reconvenção dos 2º e 3º RR;
(ii) Declarar improcedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal arguida pelos 2º e 3º RR.
(iii) Declarar improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir.
(iv) Declarar procedendo a excepção dilatória de ilegitimidade passiva dos 2º e 3º RR, “X, S.A.” e M. R., absolvendo-os da instância.
O recurso da autora respeita àquele segmento do despacho saneador respeitante à ilegitimidade dos 2º e 3º RR.

FUNDAMENTOS DO RECURSO DA AUTORA- CONCLUSÕES:

1 – A recorrente tem interesse e legitimidade, encontrando-se o recurso interposto no prazo legal para o efeito;
2 – Vem o presente recurso interposto do douto despacho saneador sentença (parcial ), que decidiu absolver o 2º e 3º Reu, da instancia , por entender que deveria proceder a excepção da ilegitimidade passiva destes, nos termos dos artº 278º al d) , 576º al e), 578º do CPC ex vi artigo 1º, nº2 al a) do CPT.
3º- Ora, o douto tribunal a quo, perante os factos alegados quer na petição inicial, na resposta às exepções da A., quer nas Contestações da 2º e 3º Ré, não levou em conta ao determinar a absolvição da instancia por ilegitimidade passiva destas, a Desconsideração da Personalidade Juridica alegada pela Autora, pois que a realidade dos factos alegados consubstancia uma evidente situação de pluralidade de empregadores com referência às duas sociedades envolvidas in casu 1º e 2º Ré , nos actos de partilharem as mesmas instalações, a mesma sede social, os mesmos sócios, o mesmo...

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