Acórdão nº 393/13.0TNLSB-B.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 16-01-2014

Data de Julgamento16 Janeiro 2014
Número Acordão393/13.0TNLSB-B.L1-6
Ano2014
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

***

I – Relatório

AY… A/S”, sociedade de direito norueguês, com sede em M…, 19 C, 4020 S…, Noruega,

intentou os presentes autos de procedimento cautelar não especificado, nos termos do disposto no art.º 381.º do Código de Processo Civil então em vigor (o decorrente da Reforma de 2007, doravante CPCiv.), contra

1.ª - “N…, S. A.”, com sede no B.., e

2.ª - “S…, LDA.”, com sede no Edifício V…,

pedindo que, na procedência do procedimento intentado, fosse apreendida à ordem do processo a embarcação identificada nos autos – embarcação de recreio desportiva de marca “S…”, modelo “M… 70”, denominada “T…”, do ano de 2008, registada na Capitania do Porto de C… sob o n.º de registo ….

Alegou que:

- a 1.ª Requerida, que era proprietária daquela embarcação de recreio, transferiu a propriedade respectiva para a esfera jurídica da 2.ª Requerida;

- em 03-02-2013, a Requerente e a 2.ª Requerida celebraram um contrato de compra e venda daquela embarcação, com todo o equipamento que a compunha, nos termos do qual a 2.ª Requerida vendeu e a Requerente adquiriu a embarcação pelo preço de € 1.015.000,00, a pagar da seguinte forma: € 100 000,00 na data da assinatura do contrato; € 400.000,00 até ao dia 08-02-2013; € 515.000,00 remanescentes até final de Fevereiro de 2013, após confirmação por parte da 2.ª Requerida à Requerente de que a embarcação estava pronta para entrega;

- a Requerente efectuou o acordado pagamento das várias prestações do preço e, com base nos documentos remetidos pela 2.ª Requerida, registou provisoriamente, em 06-03-2013, a embarcação em seu nome junto das autoridades britânicas competentes;

- porém, o novo gerente da 2.ª Requerida telefonicamente transmitiu que pretendia cancelar o contrato relativo à embarcação e devolver os montantes pagos a respeito da mesma, pois a anterior proprietária daquela – 1.ª Requerida – pretendia-a de volta, sugerindo que os representantes da Requerente se reunissem com PG…, representante da 1.ª Requerida, o que estes fizeram;

- então, PG… comunicou aos representantes da Requerente que tinha cancelado o contrato através do qual havia sido transmitida a embarcação para a esfera jurídica da 2.ª Requerida e que queria recuperá-la em virtude de não terem sido cumpridas as obrigações assumidas perante a 1.ª Requerida;

- responderam os representantes da Requerente que a embarcação lhes pertencia e que já tinham pago € 1.015.000,00 por ela, mas não conseguiram demover PG… da referida intenção, vindo a constatar que tal embarcação estava apreendida pelas autoridades marítimas e a tomar conhecimento que havia sido arrestada no âmbito de um procedimento intentado pela 1.ª Requerida contra a 2.ª Requerida, que correu termos no Tribunal Marítimo de Lisboa sob o n.º …/13.3TNLSB;

- a Requerente foi depois informada pela 2.ª Requerida que esta havia posto termo ao negócio de compra e venda que tinha permitido à 2.ª Requerida adquirir a embarcação – posteriormente vendida à Requerente – e devolvido a documentação desta à 1.ª Requerida;

- em 15-03-2013, a 1.ª Requerida registou a propriedade da embarcação novamente em seu nome e cancelou o registo do procedimento cautelar de arresto, estando ela em condições de fazer o que entender com a embarcação, adquirida e paga pela Requerente;

- só com a intervenção do tribunal e a apreensão da embarcação é que a Requerente poderá ver os seus direitos salvaguardados, sendo que a apreensão não causa às Requeridas quaisquer prejuízos e, mesmo que os provocasse, eles seriam inferiores aos sofridos pela Requerente.

Citadas as Requeridas, apenas a 1.ª (“N…”) deduziu oposição, tendo contraposto que:

- em Setembro de 2012, a sociedade “P…, Lda.”, através de PG…, iniciou processo negocial com a 2.ª Requerida, representada pelo seu sócio-gerente à data, J…, para aquisição de uma embarcação nova de recreio, modelo Y… 28 m, a ser construída em Inglaterra, pelo estaleiro naval S…, Ltd;

- a aquisição seria feita parcialmente com recurso a crédito bancário e pela entrega, para retoma, de uma outra embarcação, da marca S… – a aqui em causa –, com todo o equipamento nela incluído, avaliada esta em € 1.000.000,00 (um milhão de euros), propriedade da 1.ª Requerida, e em seu nome registada junto da Capitania do Porto de C…;

- em 28 de Janeiro de 2013, a 2.ª Requerida, por intermédio de J…, enviou para a 1.ª Requerida por email a minuta do contrato promessa de compra e venda, entre a “P…”, como promitente adquirente, e a 2.ª Requerida, como promitente alienante, da referida embarcação, juntando também contrato referente à retoma da embarcação aqui em causa;

- no dia da assinatura do contrato promessa de compra e venda, a “P…” transferiu para a conta bancária indicada pela 2.ª Requerida a quantia de € 500.000,00, para início de pagamento do preço da embarcação de recreio modelo Y… 28 m;

- no dia 30 de Janeiro de 2013, a 1.ª Requerida, empresa do grupo “P…” e proprietária da embarcação aqui em causa (a “T…”), emitiu a declaração para registo de propriedade de tal embarcação, com todo o equipamento nela incluído, a favor da 2.ª Requerida, o que fez através da celebração de contrato de compra e venda pelo preço de € 1.000.000,00, do qual deu respectiva quitação, por conta do pagamento da embarcação nova de recreio modelo Y… 28 m a adquirir pela “P…”;

- no dia 27 de Fevereiro de 2013, a dita “P...”, através de PG..., solicitou à 2.ª Requerida, na pessoa de J..., se podia adiar cerca de uma semana o pagamento do montante de € 800.000,00, ao que lhe foi comunicado que não havia qualquer inconveniente nesse adiamento;

- aconteceu que J..., tendo cessado as funções de gerente da 2.ª Requerida, continuou a agir como se gerente fosse, ludibriando quer a “P...”, quer a aqui 1.ª Requerida, quer, ainda, a “S... Y...s Espanha, S.L.”, tendo para esse efeito enviado contrato promessa de compra e venda falso, no qual alterou, entre outros aspectos, os valores de pagamento;

- a “S... Y...s Espanha, S.L.”, em resposta à “P...”, veio informá-la que não recebeu quaisquer pagamentos das quantias já transferidas por aquela (com excepção da quantia de £ 100.000 libras esterlinas), não obstante as várias interpelações junto da 2.ª Requerida, que tinha dado informação enganosa a esse respeito;

- por isso, a 1.ª Requerida intentou, em conjunto com a “P...”, um procedimento cautelar contra a 2.ª Requerida, para arresto da embarcação dos presentes autos, tendo ainda sido intentado procedimento cautelar de arresto da conta bancária daquela, processo este em que, por iniciativa da 2.ª Requerida, entre as três foi efectuada transacção, que previa a restituição da embarcação “T...” em decorrência do incumprimento do contrato promessa, desconhecendo a 1.ª Requerida, que agiu de boa fé, que a 2.ª Requerida houvesse outorgado qualquer contrato com a aqui Requerente;

- a eventual nulidade do contrato celebrado entre as Requeridas, fundada no art.º 892.º do CCiv., não pode ser oposta à 1.ª Requerida pelas 2.ª Requerida e Requerente, sendo que esta não logrou levar a mudança de propriedade a registo junto das entidades competentes, no caso a Capitania do Porto de C…;

- ao ter procedido ao registo da aquisição junto da autoridade competente, a 1.ª Requerida tornou-se a efectiva proprietária da T..., atento o disposto no art. 5.º, n.º 1, do Código do Registo Predial, pelo que a Requerente não dispõe do direito de que se arroga contra as Requeridas;

- não existe periculum in mora, pois a 1.ª Requerida, na qualidade de proprietária da embarcação, faz dela um uso normal, como o faria qualquer proprietário, e não pretende desfazer-se da mesma;

- nem se pode concluir que o prejuízo resultante da providência não é superior ao dano que com ela se pretende evitar, pois qualquer prejuízo à Requerente terá sido provocado pela 2.ª Requerida, e não pela 1.ª Requerida, tudo a impor a improcedência deste procedimento.

Procedeu-se à audiência de produção de provas, vindo a proferir-se decisão, pela qual, depois de apreciadas as questões suscitadas, foi julgada procedente, por provada, a providência cautelar, com a consequente determinação de apreensão da embarcação de recreio em causa até ao termo da respectiva acção principal.

Desta decisão final veio a 1.ª Requerida interpor o presente recurso, apresentando as seguintes

Conclusões

«1) Conforme consta da factualidade provada da sentença recorrida, em 31 de Janeiro de 2013 a S... e a P... celebraram contrato-promessa de compra e venda, pelo qual esta obrigava-se a comprar e aquela obrigava-se a vender uma embarcação nova de recreio modelo Y... 28m com todo o equipamento nela incluído (alíneas oo), kk) e pp) da fundamentação facto);

2) Ficou provado que, nos termos do ponto 1 da cláusula segunda do referido contrato, na data da assinatura do contrato, a P... pagaria o montante de € 500.000,00 (quinhentos mil euros) e entregaria ainda uma outra embarcação, denominada T..., propriedade da ora recorrente, como parte do pagamento da embarcação nova a adquirir (alínea rr) da fundamentação de facto);

3) No dia 30 de Janeiro de 2013, um dia antes da assinatura do contrato-promessa de compra e venda, a recorrente emitiu declaração para registo de propriedade de tal embarcação, o que fez através de celebração de contrato de compra e venda, pelo preço de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), (alíena uu) da fundamentação de facto);

4) Mais ficou provado que a S... incumpriu o contrato-promessa celebrado com a P...;

5) De facto, os pagamentos das quantias já transferidas pela recorrente à S..., com excepção da quantia de 100.000 libras esterlinas, nunca chegaram a ser transferidos para a S... Espanha, S.L, tendo sido o contrato-promessa, celebrado entre a recorrente e a S..., grosseiramente falsificado na sua cláusula segunda (alíneas aa), jjj), kkk) da fundamentação de facto);

6) Do mesmo modo, a embarcação de recreio T...,...

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