Acórdão nº 393/12.7TCGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09-11-2017
Data de Julgamento | 09 Novembro 2017 |
Número Acordão | 393/12.7TCGMR.G1 |
Ano | 2017 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
M. P., viúva, A. C., I. C., M. C., R. B., deduziram ação declarativa contra B. C. e mulher A. M., J. P., M. M., Advogado, L. T., Notária, A. F., Revisor Oficial de Contas …, “FAC, SROC”, ora denominada “PF & SA, SROC”, e “Farmácia A., Lda.”, alegando, em síntese, que corre termos processo de inventário por morte de J. C., do qual são herdeiros (tal como o 1º Réu) e que foi remetida para os meios comuns a questão relativa ao pedido de declaração de nulidade da amortização de uma quota do falecido na sociedade Ré.
Mais alegaram que essa sociedade foi constituída por escritura pública em que a Autora outorgou na qualidade de procuradora do J. C., sendo que este, quando outorgou tal procuração na presença do Réu Advogado, estava acamado há vários anos e não tinha consciência, nem compreensão do que se passava à sua volta, tal como não tinha a 1ª Autora que outorgou tal escritura sem que lhe fosse explicado o seu conteúdo, tendo tal sociedade sido constituída com a entrada em espécie de um estabelecimento de farmácia pelo J. C., sendo que o Réu ROC e respectiva sociedade elaboraram o relatório de verificação previsto no artigo 28º do C. das Sociedades Comerciais sem terem em conta o real valor desse estabelecimento, estando os 1º, 2º, 3º, 5º e 6º Réus concertados na prática de um plano para se apropriarem da Farmácia A. sem pagarem qualquer quantia ao J. C. e à 1ª Autora.
Pretendem que seja declarado que:
- o J. C. não mandatou a Autora M. P., nem nunca lhe deu instruções para constituir qualquer sociedade com o Réu B. C., nem lhe conferiu poderes para transferir a “FARMÁCIA A.”, para qualquer sociedade, a constituir;
- as assinaturas constantes dos documentos intitulados “PROCURAÇÃO” e “TERMO DE AUTENTICAÇÃO”, juntos com a escritura de constituição da sociedade “FARMÁCIA A, L.DA”, e neles atribuídas ao declarante J. C., não foram feitas pelo seu próprio punho, nem na presença do 3.º Réu, Dr. M. M.;
- à data dos documentos referidos na alínea anterior, o alegado declarante, J. C. tinha 88 anos de idade; estava acamado há vários anos; e era portador de doença que o impossibilitava de assinar quaisquer documentos e ou de entender e querer o conteúdo das respectivas declarações escritas;
- à data dos documentos referidos, a Autora M. P. contava já 81 anos de idade, não sabia ler nem escrever nem nunca teve qualquer participação ou conhecimento dos negócios familiares, e ao assinar a escritura de constituição de sociedade não tinha consciência de fazer qualquer declaração negocial de transmissão da propriedade da “FARMÁCIA A” ou outra, nem capacidade de entender e de querer o conteúdo dos referidos documentos;
- os primeiros Réus, B. C. e mulher Maria, e os segundo e terceiro Réus, J. P. e DR. M. M. tinham perfeito conhecimento dos factos e consequências mencionados;
- a Autora M. P. não conhece, nem contactou a Sociedade “FAC, SROC” nem o Dr. A. F., ora quinto e sexto Réus, nem lhes solicitou a elaboração do Relatório de Verificação junto com a escritura de constituição da sociedade “FARMÁCIA A, LDA”, e que é falsa a declaração que dele consta, de que a sua elaboração lhes foi solicitada pela Autora M. P., como procuradora de J. C.;
- os quinto e sexto Réus, DR. A. F., e FAC, SROC., elaboraram o referido relatório de verificação, nos termos do disposto no artigo 28º do Código das Sociedades Comerciais, a pedido e de combinação e de acordo com as informações prestadas pelos primeiros, segundo e terceiro Réus, e avaliaram a “FARMÁCIA A”, tomando em consideração apenas o valor do património físico do estabelecimento, constante do balanço realizado em 30-09-2007, do montante de € 123.534,12 (cento e vinte e três mil e quinhentos e trinta e quatro euros e doze cêntimos), bem sabendo e não podendo ignorar que o alvará da “FARMÁCIA A”, por si só, valia e vale cerca de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros);
- os quinto e sexto Réus elaboraram o Relatório de Verificação, nos termos e com o conhecimento dos valores referidos na alínea anterior, de combinação com os primeiros, segundo e terceiro Réus, para satisfação dos interesses pessoais e benefício ilegítimo dos primeiros Réus, B. C. e mulher, e com o propósito de prejudicarem os proprietários da “FARMÁCIA A”;
- os aludidos documentos sob os títulos “PROCURAÇÃO” e “TERMO DE AUTENTICAÇÃO” não são idóneos para conferir os necessários poderes para a indicada mandatária constituir a sociedade em nome do suposto mandante, e para realizar a quota do mesmo pela entrega do estabelecimento comercial denominado “FARMÁCIA A”; e o simples reconhecimento presencial da assinatura do mandante, em ambos os documentos, não lhes confere a natureza de documentos particulares autenticados, nos termos do art.º 116.º do Código do Notariado;
-são falsas as assinaturas dos documentos intitulados “PROCURAÇÃO” e “TERMO DE AUTENTICAÇÃO”, neles atribuídas ao J. C., e inválidos tais documentos e as declarações que deles constam;
- ainda que o J. C. tivesse assinado o documento intitulado “PROCURAÇÃO”, as declarações dele constantes não produzem qualquer efeito, porque o J. C. devido à sua doença e avançada idade – 88 anos – não tinha consciência de que estava a fazer uma declaração negocial, nem tinha capacidade de querer e entender tais declarações;
- a autora M. P. não tinha poderes para representar o J. C. para constituir qualquer sociedade, nem para realizar a respectiva quota com a transmissão do estabelecimento de farmácia denominado “FARMÁCIA A”, sendo ineficazes as declarações negociais feitas em seu nome;
- a escritura de constituição da sociedade é nula, por falsidade, nos termos do artigo 372.º n.º 2 do Código Civil, porque nela se atesta que a Autora M. P. declarou, por si e na qualidade de procuradora do seu marido, constituir uma sociedade por quotas a reger-se pelo contrato constante dos artigos nela descritos, quando não tinha conhecimentos nem capacidade de querer e de entender as declarações que nela lhe são imputadas;
- são nulas as cláusulas sexta e sétima da escritura de constituição da sociedade “FARMÁCIA A, L.DA”, ora sétima Ré, por serem contrárias à ordem pública e ofensivas dos bens costumes, e por prejudicarem a legítima dos herdeiros legitimários, e ainda por violação do disposto no art. 8.º nºs 2 e 3 do Código das Sociedades Comerciais; - a declaração de transmissão do estabelecimento denominado “FARMÁCIA A” para a sociedade denominada “FARMÁCIA A, LDA”, ora sétima Ré, não produz qualquer efeito porque os seus titulares, a ora Autora M. P. e o seu marido J. C., nunca o quiseram transmitir para uma sociedade a constituir com o Ré B. C.; e porque a Autora M. P., ao assinar a escritura de constituição de sociedade, não tinha consciência de fazer uma declaração negocial de transmissão do estabelecimento;
- a deliberação de amortização da quota do sócio J. C., tomada na assembleia-geral do dia 21 de Janeiro de 2011, lavrada pelo instrumento de acta junto como documento n.º 14 é nula por violação das normas constantes dos artigos 56.º nº 1 alíneas a) e d), 223.º nº 6, 224.º, 232.º 233.º, 235.º e 236.º todos do Código das Sociedades Comerciais;
- deve ser ordenado o cancelamento de todos os registos efectuados na C. R. Comercial relativos à sociedade Farmácia A., Lda., nomeadamente, o da constituição da mesma e designação de órgãos sociais e o da amortização de quota;
- a restituição do estabelecimento de farmácia à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J. C.;
- o pagamento de uma indemnização a liquidar em execução de sentença pelos danos causados e que continuam a causar.
Contestou a ré L. impugnando a factualidade alegada pelos autores e alegando que a 1ª autora se apresentou munida da procuração em causa evidenciava boa capacidade de discernimento e compreensão e entendeu perfeitamente o significado dos actos praticados, pelo que pugnou pela improcedência da causa.
Contestaram os réus ROC e SROC, excepcionando a ilegitimidade do primeiro para a causa e a prescrição do direito de indemnização invocado pelos Autores, mais tendo impugnado a factualidade alegada e afirmando que o relatório de verificação em causa foi elaborado de acordo com as directrizes que estabelecem os critérios e procedimentos de verificação das entradas em espécie, sendo certo que o alvará não estava contabilizado no balanço que serviu de base à elaboração desse relatório. Mais requereram a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Companhia de Seguros A, S.A., e da AIC seguros, Lda., por estar para estas transferida a respectiva responsabilidade civil, mais requerendo, a final, a condenação dos Autores como litigantes de má-fé.
Também os 1º, 2º, 3º, 4º e 7º Réus apresentaram contestação onde excepcionaram a prescrição e impugnaram a factualidade alegada pelos Autores, mais alegando que o J. C. manteve-se capaz e lúcido até 2009 e que só um dos herdeiros não manifestou disponibilidade para acordar no valor da amortização da quota da sociedade, sendo certo que a 1ª Autora, na qualidade de cabeça de casal, recebeu a primeira prestação do pagamento do respectivo valor da amortização da quota, ou seja, € 85.878,28, tendo recusado o recebimento da segunda, de igual montante, do que concluíram pela improcedência da acção e pela condenação dos Autores como litigantes de má fé.
Os Autores replicaram a fls.275 e seguintes rejeitando a ilegitimidade invocada e referindo que a responsabilidade é contratual e por isso não está prescrita e que, ainda que assim não fosse, o prazo aplicável é o do artigo 498º/3 do C. Civil, dado que se está perante uma burla qualificada. Mais pugnaram pela improcedência do pedido de condenação por litigância de má fé.
Foi deferida a intervenção principal provocada das seguradoras.
A Companhia de Seguros A, S.A., aderiu à exceção de ilegitimidade do réu ROC e alegou...
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