Acórdão nº 390/20.9T9CSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 17-11-2021

Data de Julgamento17 Novembro 2021
Case OutcomeNEGADO PROVIMENTO
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão390/20.9T9CSC.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I. No Proc. comum 390/20.9T9CSC do Juízo central criminal de ..., J.., o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi julgado e condenado, pela prática de um crime de incêndio, p. e p. no art° 272°, n° 1 al. a) CP, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

Inconformado, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de ... onde, por despacho da Exmª Juíza Desembargadora relatora, foi ordenada a remessa dos autos a este Supremo Tribunal, porquanto se mostra apenas questionada a medida da pena aplicada.

Da motivação que então apresentou, extrai o recorrente as seguintes conclusões (transcritas):

«1. Foi o arguido condenado pela prática, em autoria material, de um crime de incêndio, p.e p. pelo n.º 1 al. a) do artigo 272º Código Penal, numa pena de seis (6) anos de prisão, efetiva.

2. Entende o arguido que a pena concreta, em que foi condenado, peca por excessiva, em sentido lato. O tribunal deverá dar preferência às penas não privativas da liberdade, sempre que elas se mostrem suficientes para promover a recuperação social do delinquente e satisfaçam as exigências de reprovação e prevenção do crime.

3. O nosso sistema penal tem subjacente um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade. O principal escopo das penas aplicadas é evitar que os arguidos voltem a cometer crimes e que se tornem cidadãos responsáveis, socialmente úteis e cumpridores da lei.

4. Não há na douta sentença justificação plausível para tal condenação. As penas privativas da liberdade são aplicadas, sempre, em último rácio e em última instância, quando se entenda que as penas não privativas da liberdade não afastarão o arguido de cometer novos crimes.

5. O tribunal não é livre de aplicar ou não uma pena de multa em vez de uma pena de prisão, pois não detém uma faculdade discricionária, antes tem o poder/dever ou um poder vinculado e não o fazendo comete a nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do artigo 379º do CPC.

6. Como ficou provado em sede de julgamento, o arguido já está a cumprir pena de prisão, pelo que ficar inserido, durante mais seis (6) anos em ambiente prisional, em nada, irá ajudar à sua ressocialização.

7. Na douta sentença do Tribunal a quo não são especificados factos e circunstâncias concretas que levem à aplicação desta pesada (6) anos, numa moldura penal entre três (3) e dez (10) anos de pena de prisão.

8. Aliás, tudo aponta para que tenha sido a vida prisional que levou o arguido a tomar esta atitude de desespero.

9. A sua intensão era por termo à sua vida e não colocar em perigo terceiros.

10. Tal como já se alegou não há nos autos matéria de facto provada suficiente para fazer um juízo de valor inteiramente fundamentado que permita uma opção fundamentada para a aplicação desta pesada pena de seis (6) anos de prisão ao recorrente».


Respondeu o Magistrado do MºPº pugnando pela improcedência do recurso e extraindo da sua resposta as seguintes conclusões (igualmente transcritas):

«1) - O acórdão recorrido não padece da nulidade a que alude o art. 379º, nº 1, alíneas a) e c) do C.P.P..

2) – Com efeito, o acórdão recorrido foi elaborado com respeito por todos os requisitos impostos no art. 374º , nº 2 do C.P.P., tendo , em especial , expressado os motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão e as provas que serviram de base para formar a convicção do Tribunal, os quais permitem seguir, de forma segura e inequívoca, o exame do processo lógico ou racional que esteve na base da decisão do tribunal.

3) – Assim, lendo-se a decisão recorrida, é fácil constatar que ela cumpre minimamente os supra citados desideratos legais, sendo claramente perceptível, ao contrário do alegado, o motivo pelo qual os Mmos. Juízes optaram pela aplicação ao arguido de uma pena de 6 anos de prisão: nos termos do art. 71º do C.Penal, foram ponderadas as circunstâncias concretas e as suas consequências, o elevadíssimo desvalor da actuação do arguido (e o dolo directo e muito intenso), as condições pessoais do arguido, o comportamento anterior e posterior as factos (existência de diversas condenações anteriores), e as elevadas exigências de prevenção geral – cfr. fls. 25 a 30 do acórdão condenatório.

4) - A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto na alínea a) do nº 2 do art. 410º do C.P.P., existe quando os factos apurados são insuficientes para se decidir sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime verificável e dos demais requisitos necessários à decisão de direito.

5) - O acórdão recorrido não sofre do apontado vício, porquanto da conjugação e ponderação de todos os elementos probatórios disponíveis e dados como provados, era inevitável que se decidisse pela condenação do arguido recorrente pela prática do crime que lhe era imputado, sendo essa mesma factualidade igualmente suficiente para que o Tribunal “a quo” pudesse aplicar ao recorrente, como aplicou, uma pena de 6 anos de prisão.

6) - Na verdade, o que releva nesta sede é que os Mmos. Juízes “a quo“ deram como assente os factos descritos nos pontos 1) a 36) da matéria de facto dada como assente.

7) - Ora, provada que se encontrava esta e a demais factualidade dada como assente, outra solução não restava aos Mmos. Juizes que não fosse a condenação do ora recorrente pela prática do referido crime de incêndio e pela aplicação ao mesmo de uma pena de 6 anos de prisão.

8) - Cumpre mencionar, por último, que a determinação da medida concreta da pena aplicada ao recorrente também não nos merece qualquer reparo.

9) - Assim, e tendo em conta que a escolha da pena a aplicar ao arguido é alcançada pelo julgador com recurso a critérios jurídicos fornecidos pelo legislador, não se tratando, pois, de um poder discricionário,

10) - E que, se o tipo criminal em causa admite a condenação com uma pena privativa ou com uma pena não privativa da liberdade, o art. 70º do mesmo código impõe que se opte por esta última, se tal se mostrar adequado e suficiente às finalidades da punição expressas no art. 40º.

11) - E bem assim que, para a determinação da pena concreta aplicável ao arguido, pesam as orientações fornecidas pelo art. 71º do C.Penal, nomeadamente as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele,

12) - Atendendo ao quadro fáctico apurado nos presentes autos, consideramos acertada a decisão dos Mmos. Juízes “a quo” no que concerne à aplicação de pena privativa da liberdade (única legalmente possível), assim como a medida concreta desta encontrada – situada em ponto não muito distante do limite médio do abstractamente previsto para o crime.

13) - É assim evidente que não existe qualquer violação do disposto nos preceitos legais invocados pelo recorrente.

Somos, pois, de parecer que o douto acórdão condenatório deverá ser mantido, negando-se provimento ao recurso interposto pelo arguido AA».


II. Neste Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, suscitando reservas quanto à competência deste Supremo Tribunal para o conhecimento do recurso, posto que entende que “a estratégia do arguido parece ter sido, justamente, a de impugnar a matéria de facto, invocando certos vícios; ainda que, evidentemente, canalizando a sua argumentação para a questão – última – do quantum da pena”; para a hipótese de conhecimento do mesmo, emite parecer no sentido do seu não provimento:

«(…)

Tal como bem frisa o Exmo. Colega, o acórdão recorrido explicitou perfeitamente o processo lógico que conduziu à condenação e respectivo quantum.

Recordem-se, nomeadamente, os seguintes excertos de tal aresto:

“Por outro lado, não podemos descurar as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, na medida em que o arguido, tendo já vastos antecedentes criminais, teve ainda a predisposição, que concretizou, de, ainda assim, recluso em cumprimento de pena, atear um fogo num local onde facilmente se conclui que pode haver uma rápida propagação, que pode atingir pessoas, bens, estruturas, o que implica necessariamente a conclusão de que deve a Sociedade, em nome dela o Tribunal, ter em atenta conta as necessidades de prevenção especial quanto a este arguido.”

“Tendo em atenção a moldura penal abstracta resultante por se tratar de crime consumado, há a ponderar entre as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, contam a favor e contra os arguidos (art° 71 ºCP), sendo que as considerações valem genericamente para todos com as particularidades que ficam assinaladas, concretizando:

- quanto à execução dos factos: o elevadíssimo grau de ilicitude dos mesmos que transparece da facilidade com que o arguido se determinou a uma acção tão grave -, resultando daqui a culpa acentuada também;

- quanto ao dolo: o dolo directo e muito intenso;

- quanto às condições pessoais: o arguido reúne condições para poder manter uma conduta lícita, nada resultando provado que derrogue esta presunção;

- quanto à personalidade: no presente caso, o arguido sabe exactamente distinguir o bem do mal, tem capacidade para entender a gravidade da sua actuação e não desenvolveu um processo genuíno de auto-responsabilização, não assumindo os factos, não demonstrando qualquer interesse quanto ao resultado deste processo, não tentando sequer explicar a sua motivação, revelando com isso não ter arrependimento, muito embora revele uma personalidade não completamente alheia aos valores sociais básicos como se extrai do seu relatório social, o que deixa adivinhar-lhe um grau de recuperabilidade difícil;

- comportamento anterior e posterior: o facto de ter várias condenações anteriores.”

Acresce que o arguido, em audiência, usou do seu direito de não prestar declarações. Ora, se tal é inteiramente legítimo e o não pode prejudicar, a verdade é...

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