Acórdão nº 390/16.3TELSB-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 13-04-2023

Data de Julgamento13 Abril 2023
Case OutcomeNEGADO PROVIMENTO
Classe processualRECURSO DE REVISÃO
Número Acordão390/16.3TELSB-A.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça



Proc. n.º 390/16.3TELSB-A.S1

Recurso extraordinário de revisão

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Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I- Relatório

1. No âmbito do processo comum coletivo n.º 390/16.3TELSB, que correu no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, do ... Juízo Central Criminal ..., foi o arguido AA condenado, por acórdão de 9 de julho de 2018, transitado em julgado em 24 de setembro de 2018, pela prática de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.º, n.º 5, por referência à alínea b) do n.º 1 do mesmo preceito legal, e pelo art.69º-B, n.º 2, todos do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na respetiva execução pelo período de um ano, acompanhada do regime de prova - que assentará num plano individual de readaptação social, executado sob a vigilância e com o apoio da DGRSP no seu período de execução, que deverá visar em particular a prevenção da reincidência, devendo contemplar o acompanhamento técnico necessário ao arguido, designadamente através da frequência de programa de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens -, da regra de conduta de sujeição do arguido a tratamento/acompanhamento psicológico, e se necessário psiquiátrico, durante o período de execução da suspensão da pena de prisão, determinando-se ainda que a DGRSP apoie e fiscalize o arguido no cumprimento da presente regra de conduta e, na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 7 anos.

2. Invocando como fundamento de revisão, o previsto na alínea e), n.º 1, do art.449.º do Código de Processo Penal, veio o condenado AA, em 25 de novembro de 2022, interpor recurso extraordinário de revisão do aludido acórdão condenatório, concluindo o seu requerimento do modo seguinte (transcrição):

1.º O princípio res judicata pro veritate habetur não pode obstar a um novo julgamento, quando posteriores elementos de apreciação põem seriamente em causa a justiça do anterior.

2.º O Supremo Tribunal de Justiça, na sequência da recente publicação do Acórdão do Tribunal Constitucional, que declara a inconstitucionalidade de alguns segmentos normativos da “lei dos metadados”, tem considerado que a declaração de inconstitucionalidade não afecta os processos já julgados em definitivo, sempre que aquele tribunal não o refira forma expressa, no seu acórdão que declara a inconstitucionalidade, o que não sucedeu.

3.º Não está em causa o fundamento da alínea f) do n.º 1 do art.º449º do Código de Processo Penal, mas o sim o fundamento do art.º449° n.º 1 e) do Código de Processo Penal, decorrente da aplicação do art.º126º n.º 3 do Código de Processo Penal, por ingerência nas telecomunicações.

4.º Para aplicação do fundamento da referida alínea e), as provas devem ter efectivamente servido de fundamento, mesmo que em conjugação com outras, à condenação, sendo também necessário que a descoberta da invalidade seja posterior ao trânsito da decisão condenatória, o que veio a suceder com a publicação do Acórdão do Tribunal Constitucional que, para além da declaração de inconstitucionalidade, considerou tratar- se de prova proibida.

5.º O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, para além de considerar tratar-se de prova proibida, julgou inconstitucional o regime jurídico da conservação dos dados (quanto ao seu âmbito e duração), constante da Lei n.º 32/2008, e também a norma que disciplina a transmissão dos dados às autoridades competentes para a investigação, detecção e repressão de crimes graves.

6.º A questão principal a dirimir, no caso concreto, prende-se com a influência que os “metadados” tiveram no desenrolar de todo o processado, pois que, logo no primeiro contacto do Recorrente com os autos, a comunicação dos factos de que estava indiciado, bem como das provas que os sustentavam, continham os tais “metadados” e tiveram influencia directa na sua opção e estratégia de defesa, nomeadamente da sua confissão integral e sem reservas.

7° Uma confissão integral e sem reservas, nos termos e para os efeitos do art.° 344° n.° 1 do Código de Processo Penal, não poderá estar contaminada pela comunicação de provas proibidas, que possam conduzir a tal confissão, que deixa de ser livre, o que sucedeu no caso concreto, conforme veremos pelo teor das comunicações efectuadas, por tal decorrer do art.° 126° n,° 3 do Código de Processo Penal.

8.º Tais elementos, provenientes da Operadora NOS, constam do interrogatório perante autoridade judiciária, realizado em 17 de Outubro de 2017, da acusação pública e do acórdão condenatório.

9.º Serve tal raciocínio para fazer demonstrar que a comunicação dos factos, continha prova proibida e essa prova, embora não fosse única, foi determinante para que o Recorrente, naquele momento, optasse pela confissão integral e sem reservas, postura que adoptou nos ulteriores termos processuais.

10° Esta confissão integral e sem reservas não pode ter qualquer valor probatório, porquanto não foi livre, eivada que estava deste vício - conservação e transmissão ilegal de dados - que a decisão do Tribunal Constitucional veio trazer ao domínio público.

11.º Dessa forma, impõe-se concluir que é inconstitucional a interpretação normativa do art.° 344° n.° 1 do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a mesma é livre, se precedida da comunicação de meios de prova proibidos, que a influenciam, por violação do princípio dos direitos defesa do arguido, ínsitos ao art.° 32° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.

12.° A ingerência nas comunicações, a que alude o art.°126° n.° 3 do Código de Processo Penal, constitui prova proibida e, como tal não pode ser valorada.

1Caberá, assim, ao tribunal de recurso expurgar da decisão condenatória, este meio de prova, procedendo-se a uma reapreciação dos restantes elementos existentes, para se concluir pela manutenção da condenação ou, ao invés, pela absolvição do arguido.

13.º- Pelo que se verifica a existência de meios proibidos de prova, a que alude o art.126° n.° 3 do Código do Processo penal, bem como foi violado o art.° 344° n.° 1 do Código de Processo Penal.

Termos em que, deverá ser dado provimento ao recurso interposto, ordenando-se, em consequência, a revisão de decisão condenatória proferida, seguindo-se os ulteriores termos plasmados nos artigos 452.º e seguintes do Código de Processo Penal.

3. O Ministério Público, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal - Juiz ..., respondeu ao recurso extraordinário de revisão, concluindo do modo seguinte (transcrição):

1 - Por acórdão de 9 de julho de 2018, proferido no processo n.º 390/16.3TELSBA, Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., foi o arguido AA condenado pela prática de 1 (um) crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.º, n.º 5, por referência à alínea b) do n.º 1 do mesmo preceito legal, e pelo art. 69º-B, n.º 2, todos do Código Penal na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na respetiva execução pelo período de 1 (um) ano.

2 – O condenado vem agora recorrer extraordinariamente de revisão, com fundamento na al. e) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, mas, no entendimento do Ministério Público não lhe assiste razão;

3 – Como consta do acórdão condenatório a base da convicção do Tribunal Colectivo assentou em muitos outros elementos de prova, que não os indicados e questionados pelo recorrente, suficientes para, por si, sustentarem essa mesma convicção.

4 – Sendo patente que a prova essencial e determinante foi a obtida através de testemunhal e sobretudo das apreensões resultantes da busca efetuada à residência do condenado, ora recorrente, concretamente os inúmeros ficheiros de vídeo e imagem contendo pornografia infantil.

5 – Não tem razão o recorrente quando pretende considerar o acesso à identificação e morada do utilizador do IP mencionado supra abrangido pela declaração de inconstitucionalidade invocada e meio proibido de prova pois trata-se de acesso a dados que não respeitam a comunicações efetuadas, tratadas e armazenadas ao abrigo da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho.

6 - No nosso entendimento, o fornecimento pela operadora NOS da identificação do utilizador do IP que realizou o referido upload com indicação da morada associada não é, de todo, um meio proibido de obtenção de prova e também é este o entendimento desse Venerando Tribunal no recente Acórdão de 6/09/2022 que negou provimento ao recurso de revisão apresentado no âmbito do processo 4243/17.0T9PRT-K-S1.

Termos em que deve ser negada a pretendida revisão, como é de JUSTIÇA.

4. O Exmo Juiz de Direito pronunciou-se sobre o mérito do pedido formulado pelo condenado, prestando a seguinte informação (transcrição):

AA interpôs o presente recurso de revisão com fundamento no art. 449º, n.º 1, al. e) do Código de Processo Penal - descoberta de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 e 3 do art. 126º do C. P. Penal.

O M. Público respondeu no sentido de ser negado provimento ao recurso de revisão interposto, por não terem sido utilizados métodos proibidos de prova para condenar o recorrente. Afirma ainda que a confissão daquele nada tem que ver com o acórdão n.º 268/2022 do TC.

Vejamos.

AA foi acusado nos presentes autos da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de:

- 1 (um) crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.º, n.º 1, al. c), agravado nos termos do disposto no artigo 177.º, n.º 7, ambos do Código Penal;

- 1 (um) crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.º, n.º 5, com referência ao n.º 1, alínea b), e ao artigo 177.º, n.º 7, ambos do Código Penal.

Realizou-se o julgamento, tendo o recorrente feito em audiência uma confissão abrangente dos factos. Mas não fez uma confissão...

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