Acórdão nº 39/16.4TRGMR.S2 de Supremo Tribunal de Justiça, 30-10-2019
Data de Julgamento | 30 Outubro 2019 |
Case Outcome | PROVIDO |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 39/16.4TRGMR.S2 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. Nos presentes autos (Proc. 39/16.4TRGMR) do Tribunal da Relação de ..., por acórdão de 17/9/2018 (fls. 1488-1549, do 5.º vol.), foi o arguido AA, ..., ..., ...... condenado nos seguintes termos (transcrição):
«Pelo exposto e em conformidade decide este Tribunal Coletivo, julgar procedente a pronuncia por provada e parcialmente procedente o pedido cível formulado pela demandante BB, por parcialmente provado e, em consequência:
a) Condenar o arguido AA como autor material de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, nº. 1, al. b), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
b) Suspender a execução a pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses;
c) Condenar o arguido/demandados AA a pagar à demandante BB a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vincendos a partir da presente e até integral pagamento;
d) Mais condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça devida em 4 (quatro) UC´s (cf. arts. 374.º n.º 4, 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, bem como dos arts. 3.º e 8.º n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais);
e) Custas cíveis pelo demandado e pela demandante, na proporção do respetivo decaimento (cf. artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C., aplicável ex vi do artº. 523º do C.P.P.).»
Recurso do arguido
2. Inconformado com a decisão, interpôs recurso o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça (fls. 1568-1697, do 5.º vol.) nos seguintes moldes (conclusões):
«CONCLUSÕES:
I) Tendo sido rejeitada, por inadmissibilidade legal, a instrução no âmbito do Processo nº 563/14.3TABRG, com fundamento em falta/insuficiência de inquérito, pela prática do crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º do C.P., com base nas mesmas mensagens que fundamentam o douto despacho de pronúncia e o aresto recorrendo, aquela decisão de rejeição está coberta pela força do caso julgado (rebus sic stantibus), não podendo ser discutido nestes autos o relevo criminal daquelas mesmas mensagens, para efeitos de tipicização das mesmos no (mesmo) crime de violência doméstica;
II) Tendo essas mensagens sido trazidas pela Assistente ao conhecimento do Digno titular daquela outra ação penal, no âmbito da queixa deduzida naqueloutros autos, e de tal ordem que a elas este até aludiu na acusação pública proferida (no Processo nº 563/14.3TABRG, deste Venerando Tribunal), sendo o crime de violência doméstica um crime de natureza pública e não tendo o M.P, ao que parece, atribuído relevo criminal às mesmas, para efeitos da sua tipicização no crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º do C.P., como bem se decidiu na douta decisão de rejeição da instrução ali requerida, a eventual nulidade por insuficiência de inquérito, nos termos do art.120º, nº2, al. d) e 120º, nº3, al. c), do CPP, deveria ter sido oportunamente suscitada perante o respectivo titular (ou suscitada a respectiva intervenção hierárquica), por forma a despoletar um despacho de acusação/arquivamento (que pudesse ser sindicado em sede de instrução), o que não sucedeu;
III) É certo que, o despacho de rejeição da instrução crime não tem a natureza de decisão definitiva, pois o processo pode ser reaberto a todo o tempo (isto é, até ao decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal); contudo, tal só pode suceder se, entretanto, surgirem novos elementos de prova, nos termos do art. 279.º do CPP;
IV) No caso dos presentes autos nº 39/16.4TRGMR, a queixa que deu origem aos presentes autos não resultou, de todo, da alegação da existência de novos meios de prova, nos termos do art. 279º do CPP ; ao invés, trata-se de um inquérito autónomo que teve por base os mesmos factos e os mesmos meios de prova que já foram noticiados no Inquérito nº 563/14.3TABRG, aos quais não foi atribuído relevo criminal, tendo sido rejeitada a instrução, por inadmissibilidade legal, decisão coberta pela força do caso julgado rebus sic stantibus;
V) Nessa medida, a sujeição do arguido a julgamento com base nesses mesmos factos, redunda na violação do princípio constitucional “ne bis in idem”, devendo, por isso, o arguido ser absolvido da instância criminal;
VI) A não se entender assim, padece de inconstitucionalidade o segmento decisório que concluiu pela improcedência da exceção de caso julgado e pela inexistência de violação do princípio ne bis in idem, porque aplicado na vertente normativa segundo a qual não há lugar à violação do art. 29º/5 da CRP e art. 4º/1 do Protocolo nº7, da CEDH quando, depois do M.P., no âmbito de um crime de natureza pública, não atribuir relevo criminal a factos que tenham sido levados ao seu conhecimento (apesar de ter deduzido acusação onde referiu esses factos), não tenha sido arguida a insuficiência de inquérito perante o respectivo titular, tenha sido rejeitada a instrução, por inadmissibilidade legal e venha a ser instaurado um processo autónomo com base nesses mesmos factos, no âmbito do qual o arguido foi julgado e condenado;
VII) Compulsada a motivação exarada pelo Tribunal recorrido (supostamente) a propósito do ponto décimo da matéria de facto provada, nada, rigorosamente nada, se retira quanto aos fundamentos para que o Venerando Tribunal a quo concluísse o que concluiu quanto aos motivos que levaram o Arguido a prestar um depoimento pretensamente falso, como foi considerado na sentença condenatória, já transitada em julgado (proferida nos autos 563/14.3TABRG);
VIII) Nessa parte (ponto 10º dos factos provados), existe falta de fundamentação, determinante da nulidade do acórdão;
IX) Sustentou o arguido na sua contestação (artigos 195º a 204º) que as mensagens que criminalmente se lhe censuram, como instrumento de um putativo crime de violência doméstica, tinham um contexto e interligavam-se com outras, estas originadas na Assistente, de igual ou superior carga depreciativa, clamando pela valoração global do conjunto dessas comunicações (para poder ser esclarecido e coerente o ...o, de censura ou de não censura, a formular no âmbito do imputado crime);
X) Ainda em sede de contestação, o arguido, que sustentou que atento o lapso de tempo decorrido – mais de quatro anos até à queixa crime –, não tivera o cuidado de preservar nem telemóveis nem cartões de acesso ao serviço telefónico móvel terrestre, requereu, sob a alínea E), que a assistente fosse notificada para proceder ao depósito, na secção do Venerando Tribunal da Relação de ..., dos aparelhos de telemóvel, melhor identificados nos “certificados de constatação de facto” de folhas 87 a 90 e 161 a 177 dos autos (que a assistente, por isso, preservara), municiados dos cartões de acesso ao serviço telefónico, com os números ali também referidos, tudo para os fins melhor identificados nos pontos 200º e 201º desse articulado (seja, para demonstrar o facto vertido na conclusão IX);
XI) Por despacho lavrado sob termo de conclusão datado de 21/05/2018, o Tribunal decidiu nos seguintes termos: “Quanto à requerida notificação da Assistente para proceder ao depósito na seção deste Tribunal de ..., dos aparelhos de telemóvel com os cartões de acesso ao serviço telefónico, por idêntica ordem de razões às aduzidas pelo arguido /Requerente, no ponto 197º da contestação, para não ter conservado os SMS que alegadamente lhe terão sido enviados pela Assistente, não é de admitir, nem sendo de exigir, que a Assistente os tenha conservado/mantido, pelo que se indefere o requerido”;
XII) Implicitamente, o Tribunal Recorrido sustentou que o meio de prova seria de obtenção impossível ou muito duvidosa, a pretexto de que não seria de admitir (nem de exigir) que a Assistente conservasse os aparelhos e os cartões de acesso ao serviço telefónico móvel terrestre, em virtude, precisamente, das razões invocadas pelo Arguido no art.º 197º da sua Contestação (e que justificavam a não detenção dessas sms`s pelo próprio);
XIII) Tal conclusão, porém, não tem qualquer respaldo ao nível de quaisquer factos que se possam considerar, desde já, provados ou assentes nesta matéria, sequer a nível indiciário, designadamente por recurso à prova por presunções (naturais ou ad homini – vide art.º 351º do CC), antes pelo contrário, já que a assistente denotou possuir e conservar esses objetos ao ponto de fazer certificar essa detenção notarialmente, conforme decorre dos “certificados de constatação de facto” de folhas 87 a 90 e 161 a 177 dos autos, não sendo equacionável que, servindo estes objetos de “corpo de delito”, se tivesse entretanto “desfeito” dos mesmos;
XIV) Não visando obter prova legalmente inadmissível, nem pretendendo socorrer-se de meio de prova que lhe esteja vedado, que seja inadequado ou que vise finalidades dilatórias, este meio de prova não se apresenta, muito menos notoriamente, como de impossível, sequer de muito duvidosa, obtenção, razões pelas quais, por ser inequivocamente relevante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, o tribunal deveria, em homenagem a uma lógica da mais ampla e possível indagação da matéria de facto relevante para uma decisão justa e conscienciosa, ter admitido a produção desse meio de prova perante si suscitado (e, na sua falta, diligenciar, até oficiosamente, pela sua produção), em ordem a indagar de forma exaustiva sobre a realidade do facto que se apressou, precipitadamente, em dar como não provado, cerceando, despreocupadamente, a correspondente iniciativa do Arguido;
XV) Ao assim (não) proceder, incorreu o Tribunal Recorrido no vício (endógeno) da insuficiência para a decisão da matéria de facto, quanto à alínea o) da factualidade não provada;
XVI) No decurso da audiência de julgamento, o arguido requereu a junção aos autos de um documento que...
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