Acórdão nº 389/17.2PBELV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28-03-2023

Data de Julgamento28 Março 2023
Número Acordão389/17.2PBELV.E1
Ano2023
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal da Relação de Évora:

A - Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Local Criminal ... - correu termos o processo comum singular supra numerado no qual é arguido:

AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia ..., em ..., nascido a .../.../1968, solteiro, residente no Bairro ..., em ...,

imputando-lhe a prática dos factos constantes da acusação e que consubstanciam a prática como autor material, e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelos artigos 15.º al. a), 137.º, n.º 1, e art. 69.º n. º1 al. a) do Código Penal, em conjugação com os artigos 46.º, 47.º n.1 al. d) e 145.º n.º 1 al. f), todos do Decreto-Lei n.º 114/94, de 03 de Maio (Código da Estrada).

A demandante Unidade Local de saúde do Norte Alentejano, E.P.E. deduziu pedido de reembolso de despesas hospitalares contra a Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., no montante de 215,82€, pela assistência médica que prestou à ofendida na sequência dos factos descritos na acusação.

Por despacho de 21-09-2021, foi verificada a inutilidade superveniente da lide, tendo a instância cível sido declarada extinta.


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Foi proferida sentença em 15-07-2022 que decidiu julgar a acusação procedente, por provada e, em consequência:

a) Condenou o arguido DD pela prática, em 14-08-2017, como autor material, de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de um ano e dois meses de prisão, suspensa na sua a execução por dois anos, na condição do arguido frequentar programa ou acção de formação que venha a ser indicada pela DGRSP no âmbito da prevenção da sinistralidade rodoviária, de modo a permitir uma maior interiorização e reflexão relativamente a actos desta natureza (artigo 50.º e 52.º do Código Penal).
b) Condenou o arguido DD na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 (dez) meses, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.
c) Custas criminais pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC's, (artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, e artigo 8.º, n.º 9, com referência à tabela III, do Regulamento das Custas Processuais).
Mais ficou o arguido notificado para, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, entregar a sua carta de condução na Secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, nos termos do artigo 500.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sob pena de, não o fazendo, a mesma vir a ser apreendida e incorrer na prática de um crime de desobediência.

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Inconformado recorre o arguido com as seguintes conclusões:

1. No que à matéria de facto diz respeito, o recorrente entende que a decisão recorrida enferma do vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal;
2. Em concreto, na parte relativa à facticidade vertida nos pontos 10 a 13 - alegada violação de deveres de cuidado na realização da pretensa manobra de marcha-atrás por banda do recorrente;
3. Inexistem testemunhas presenciais;
4. O arguido foi julgado na sua ausência, ainda que por motivo atendível;
5. Ninguém efectuou uma descrição do embate;
6. Na ausência de qualquer depoimento de quem tenha presenciado a dinâmica do acidente, não será possível ao Tribunal, com recurso à prova indirecta e às regras da experiência, concluir pela prova das circunstâncias em que o embate ocorre,
7. E, por maioria de razão, pela prova de que o arguido violou deveres de cuidado na realização da manobra;
8. Não será, ainda, de atender às declarações prestadas pelo Agente da PSP EE, na parte em que relata declarações prestadas pelo arguido após o acidente, informalmente, antes de assumir tal qualidade processual;
9. O OPC sabia que tinha existido um acidente de viação, do qual resultara um ferido muito grave – que viria a falecer – e que o arguido seria o provável condutor, por isso, o autor dos factos;
10.A estrutura acusatória do processo penal, o direito ao silêncio, a presunção de inocência e o princípio da não obrigatoriedade de contribuir para a auto-incriminação levam-nos a concluir que o depoimento do Agente da PSP não poderá ser valorado nesta parte;
11.A demais prova é manifestamente insuficiente – porque ninguém presenciou o embate, insiste-se – para concluir que o arguido realizou uma manobra de marcha-atrás, violando deveres de cuidado e regras estradais,
12.Ficando por apurar o grau de contribuição que a idade da vítima e as características da via assumem na produção do embate;
13.Daqui decorre, a nosso ver, necessariamente, que se julgue não provada a matéria vertida nos pontos 10 a 13;
14.Se ninguém presenciou o embate, o erro na apreciação da prova é, a nosso ver, manifesto, verificando-se o vício previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal;
15.Daqui decorre, na procedência dos argumentos aduzidos, a necessária absolvição do arguido do crime de que veio condenado;
16.Semconceder, dir-se-ia sempre que merece censura a pena escolhida e a determinação do quantum da pena acessória, por manifestamente excessivas;
17.O arguido, sem prejuízo de reconhecer que as necessidades de prevenção geral são elevadas e que, afinal, está em causa a perda de uma vida humana, o certo é que o dano foi integralmente reparado, na medida do possível, através da seguradora;
18.De notar, ainda, que o arguido regista apenas dois antecedentes criminaisde reduzida gravidade, e já com alguma antiguidade, e que, após os factos, em 2017, não voltou a delinquir;
19.Razões pelas quais se afigura mais adequada a fixação de uma pena de multa, a fixar próximo, ou no limite máximo da moldura penal,
20.Justificando-se a redução da pena acessória dos 10 (dez) meses para os 5 (cinco) meses de inibição de conduzir.
Nestes termos, deverá, em face dos humildes argumentos invocados, ser revogada a decisão revidenda, e substituída por outra em conformidade com as Motivações que seguiram.

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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta ao recurso interposto, concluindo:

1. Nos presentes autos, por sentença, datada de 15 de Julho de 2022, o arguido DD foi condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137.º nº 1 do Código Penal, na pena de um ano e dois meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos sujeita a regime de prova e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 meses, nos termos do artigo 69.º nº 1 alínea a) do Código Penal. O arguido, não se conformando com a douta decisão judicial, dela veio interpor recurso.
2. O recorrente alegou a existência, na sentença recorrida, do vício de erro notório de apreciação da prova, nos termos da alínea c), do n.º 2, do artigo 410.º do Código de Processo Penal, mas não tem razão, analisada a prova testemunhal produzida em julgamento, em conjugação com a prova pericial e documental junta aos autos, consideramos que a sentença recorrida não podia deixar de condenar o arguido nos precisos termos em que o fez.
3. O recorrente também alegou ser de impugnar a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida por “o tribunal a quo ter baseado a sua convicção exclusivamente com recurso à prova indirecta e às regras da experiência comum, uma vez que não existem testemunhas que tenham presenciado e descrito o atropelamento”, mas também não tem razão, porque a testemunha FF declarou à PSP ter visto o arguido a efectuar uma manobra de marcha atrás e por distração atropelou a ofendida. Também a testemunha GG descreveu de forma espontânea e circunstanciada que viu a ofendida com aface debaixo de um dos pneus do veículo automóvel que estava a ser conduzido pelo arguido e que viu as pessoas a tentar empurrar a viatura para frente, por forma a retirar a ofendida debaixo do carro, sendo tal relato consentâneo com a demais prova testemunhal produzida e com a prova documental e pericial junta aos autos, a qual constitui prova directa relativamente à forma como ocorreram os factos, a qual é clara e não deixa qualquer margem para dúvidas, pelo que, nenhum reparo há a fazer à sentença recorrida quando à matéria de facto dada como provada.
4. Mais alegou o arguido que“não podia o Tribunal a quo ter valorado o depoimento da testemunha policial EE na parte em que relata declarações prestadas pelo arguido após o acidente, informalmente, antes de assumir tal qualidade processual”, mas consideramos, uma vez mais, que não assiste razão ao recorrente. A testemunha policial estava no exercício das suas funções a tomar conta da ocorrência, como lhe era devido, lavrando o auto de notícia e a participação de acidente, recolhendo os depoimentos das testemunhas para apurar o que se tinha passado. No momento em que a testemunha policial recolheu as declarações do arguido, este era uma testemunha, tal como as demais pessoas presentes, não existindo nesse momento a obrigação de o constituir como arguido. Não é pelo facto de uma testemunha ter vindo posteriormente a ser constituída arguida, que invalida todos os actos em que interveio anteriormente, pelo que, nenhum reparo há a fazer ao tribunal a quo quando valorou o depoimento da testemunha policial, na sua totalidade.
5. Finalmente, alegou o recorrente que “o dano foi integralmente reparado, na medida do possível, através da seguradora e que tem apenas dois antecedentes criminais de reduzida gravidade e já com alguma antiguidade e que após os factos, em 2017 não voltou a delinquir, pelo que, se afigura mais adequada a fixação de uma pena de multa, a fixar próximo, ou no limite máximo da moldura penal, justificando-se a redução da pena acessória dos 10 (dez) meses para os 5 (cinco) meses de inibição de conduzir.” Não tem razão o recorrente quando refere que o dano morte foi integralmente...

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