Acórdão nº 3860/10.3TJCBR-B.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 24-09-2020

Data de Julgamento24 Setembro 2020
Case OutcomeCONCEDIDA A REVISTA E REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Classe processualREVISTA
Número Acordão3860/10.3TJCBR-B.C1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO



1. AA instaurou processo de inventário para separação de meações, nos termos do art.º 825° do Código de Processo Civil, em vigor à data da propositura da demanda.


2. Entretanto, foi proferida sentença homologatória da partilha.


3. Inconformada com o decidido, a demandante, AA, interpôs apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo enunciou: “Termos em que se julga o recurso improcedente e, consequentemente, se confirmam as decisões.”


4. É contra este acórdão, proferido no Tribunal da Relação de Coimbra que a demandante, AA se insurge, formulando as seguintes conclusões:

“A) O presente recurso é admissível, por a decisão nele proferida estar em contradição com a maioria dos acórdãos já proferidos no domínio da vigência do artº. 1348°., n°. 6 do Cod. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei n°. 180/96, de 25/9 e sobre a mesma questão fundamental de direito, pelo que, nos termos do art°. 672°., n°.1, al. c) do Cod. Proc. Civil, deve ser admitido o presente recurso de revista.

B) O acórdão proferido nos presentes autos, está em contradição com um acórdão da Relação de Évora de 3/12/2015, proferido no 1603/08.0TBSTR-B.E1 (relator: Des. Rui Machado e Moura), publicitado em http://www.dgsi.pt/jtre. reforçado pelo Ac. do STJ de 15/4/2004 (relator: Cons. Salvador da Costa), proferido no processo 04B1169, publicitado em http://www.dgsi.pt/jstj que já transitou em julgado pois foi proferido há mais de 3 anos.

C) Ambos os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação, ou seja, no domínio da vigência do artº. 1348°, n°. 6 do Cod. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei n°. 180/96, de 25/9 e incidiram os dois sobre a mesma questão fundamental de direito, qual seja, a da admissibilidade da reclamação contra a relação de bens para além do prazo inicialmente concedido aos interessados para tal reclamação, seja qual for a razão para tal reclamação.

D) Portanto, nos termos do art°. 672°., n°.1, al. c) do Cod. Proc. Civil, é admissível o presente recurso de revista a título excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça.

E) Nos termos do n°. 2 do artº. 1396°. do Cod. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°. 303/2007, de 24 de Agosto, aplicável aos presentes autos, determina-se que “2 - Salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 691.º as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha”.

F) Nos termos do art°. 1348°., n°. 6 do Cod. Proc. Civil, aplicável aos presentes autos, “6. - As reclamações contra a relação de bens podem ainda ser apresentadas posteriormente, mas o reclamante será condenado em multa, excepto se demonstrar que a não pode oferecer não pode oferecer no momento próprio, por facto que não lhe é imputável.”

G) Havendo um prazo geral para a reclamação da relação de bens, prazo fixado no n°. 1 desse artº. 1348°. do Cod. Proc. Civil, pode ainda qualquer interessado, desde 1994, reclamar da relação de bens posteriormente, naturalmente desde que ainda não tenha sido realizada a partilha, como é o presente caso, pelo que, mesmo 6 anos depois - o que não é verdade, pois a apresentação da relação de bens, ainda não ocorreu há 6 anos - ou até mais de 10 ou 20 anos depois, pode sempre ser apresentada a presente reclamação.

H) Aliás, sobre o limite temporal dessa reclamação tardia, veja-se JOÃO ANTÓNIO LOPES CARDOSO e AUGUSTO LOPES CARDOSO, PARTILHAS JUDICIAIS, volume I, 5ª. edição, pág. 562, onde estes autores referem que “Razoável é, pois, que, na senda do que já era entendido (na vigência do Código de 1939) a reclamação tardia há-de ter um limite processual, e esse só pode ser o do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, ainda que isso se possa traduzir em refeitura do cálculo da partilha.”

I) Na jurisprudência que se seguiu à introdução daquele n°. 6, foram apontados como limites, quer o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha - Ae. do STJ de 16.10.2003, www.dgsi, proe. 04B1169 e Ac. da RP de 27.01.2005, www.dgsi, no proc. 0437302 - ,quer a prolação da referida sentença homologatória - Ac. da RP de 14.04.2005, www.dgsi.no proc. 0531824 -, quer a realização da conferência de interessados, em certas circunstâncias, como de só poderem ser “admitidas as que respeita a bens ainda não relacionados e valor destes” - Ac. da RC de 07.07.2004, www.dgsi, no proc. 2095/04-.

J) Nos presentes autos, ainda não foi atingido nenhum daqueles limites, pelo que é manifestamente ilegal, por violar de forma flagrante o disposto no artº. 1348°., n°. 6 do Cod. Proc. Civil, na versão aplicável, o despacho que a não admitiu e o acórdão que confirmou tal decisão.

K) Acresce que, sem qualquer prova, o despacho recorrido até acrescenta que a ora recorrente vem “negar um facto pessoal; vive num prédio inscrito em seu nome e que pertence à comunhão conjugal, de modo a obstaculizar o direito à cobrança coerciva que os Exequentes pretendem exercer”, o que também não é verdade, pois a inscrição matricial, como é do conhecimento público, não dá, nem tira direitos e não está demonstrada a propriedade da ora recorrente e seu ex-marido sobre o prédio em causa e o facto de viver nesse prédio, não lhe confere mais quaisquer direitos que os que já tinha, pois não está demonstrado, o título com base no qual ali permanece.

L) O indeferimento tem um outro fundamento, ainda mais ilegal que o primeiro, qual seja, o de que existe caso julgado formal constituído pelo despacho que indeferiu a suspensão da instância executiva com o fundamento referido de que a acção declarativa proposta pelo pai da ora requerente não tem a virtualidade de suspender essa acção executiva.

M) O despacho de indeferimento da suspensão da instância foi proferido sobre um pedido concreto - a suspensão da instância - e a presente reclamação contra a relação de bens tem um pedido diverso, pelo que basta a diversidade de pedidos para impedir que se constitua qualquer caso julgado.

N) Porém, mais que isso essa decisão nunca podia constituir-se em caso julgado formal, pois, como resulta do artº. 1396°, n°. 2 do Cod. Proc. Civil, salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 691.º as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha e a decisão que indeferiu a suspensão da instância não consta do elenco daquelas que admitem recurso imediato e referidas no n°. 2 do artº. 691°. do Cod. Proc. Civil vigente ao tempo, pois apenas deve ser imediatamente recorrida a “decisão que ordena a suspensão da instância” (al. f) e não aquela que indefira esse pedido de suspensão.

O) Àquela decisão de indeferimento da suspensão da instância aplica-se o regime regra consagrado pelo artº. l396°., n°. 2 referido para as decisões interlocutórias, ou seja, devem ser impugnadas no recurso da sentença final.

P) É que, a partir da entrada em vigor da reforma dos recursos - 1 de Janeiro de 2008 - introduzida pelo Decreto-Lei n°. 303/2007, de 24 de Agosto praticamente deixou de haver casos julgados formais, pois toda impugnação, mesmo das decisões interlocutórias, tem de ser feita com a decisão final e já assim era e continua a ser nos processos de inventário.

Q) Face ao exposto, mostra-se também violado por erro de interpretação e aplicação o disposto no 580°., n°. 1 e 581°., nºs. 1 e 3, ambos do actual Código de Processo Civil, pelo que tem de ser revogada a decisão recorrida, manifestamente carecida de fundamento legal.

R) O despacho recorrido considerou que a conduta da ora recorrente, ao exercer um direito que o artº. 1348° nº. 6 do Cod. Proc. Civil, aplicável aos presentes autos, lhe concede de forma expressa, era grave e censurável, no plano da ilicitude, mas já se demonstrou que a conduta da ora recorrente não é ilícita, tendo ela demonstrado que só agora reclamava face á acção que lhe foi movida a ela e a outros pelo seu pai, que nem é interessado no inventário e o acórdão que confirmou tal decisão também acolheu esta decisão, negando um direito ao interessado, com o argumento de que “combater a degradação dos padrões de atuação processual e impor uma litigância leal e de boa fé, com convencimento, por banda do litigante, de que a razão lhe assiste”, sendo evidente da argumentação da recorrente já nem sequer era uma dívida de fornecimentos ou qualquer outra actividade, mas uma nova dívida, com outra causa.

S) O tribunal pode aceitar ou não essa justificação, mas tal não releva para efeitos de condenação como litigante de má fé, pois a ora recorrente - repete-se ... - apenas exerceu um direito que o artº. 1348° nº. 6 do Cod. Proc. Civil, aplicável aos presentes autos lhe reconhece expressamente e se o tribunal entender que a justificação não colhe, aplica a multa legalmente permitida - e que já se prevê grande, face ao contexto ... - agora não tem qualquer base legal para condenar a ora recorrente como litigante de má fé.

T) Mostrando-se violado de forma flagrante, mesmo pelo acórdão recorrido, o que é determinado pelo art°. 542°. do actual Cod. Proc. Civil, deve ser revogada também a decisão manifestamente ilegal e injusta de condenação da ora recorrente como litigante de má fé, que consta do acórdão ora recorrido.

U) Mostrando-se violadas por erro de interpretação e aplicação as normas legais que se deixam indicadas, deve ser revogado na totalidade o despacho ora recorrido (Ref. 74367966) e, consequentemente, admitida a reclamação contra a relação de bens apresentada pela ora recorrente.

V) No que respeita à ilegalidade do despacho de 3/11/2017, que considerou dívida comum a dívida reclamada pela credora Judimonteiro, Ldª, (Ref. 75820784) e o acórdão que confirmou tal decisão,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT