Acórdão n.º 386/2021

Data de publicação12 Julho 2021
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 386/2021

Sumário: Decide, com respeito às contas da Coligação Democrática Unitária (CDU), formada pelo Partido Comunista Português (PCP) e pelo Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV), relativas à campanha para as eleições para a Assembleia da República realizadas a 4 de outubro de 2015, julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela mandatária financeira da campanha, da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) de 28 de junho de 2018 e julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos das decisões sancionatórias de 22 de julho de 2020.

Processo n.º 787/20

Aos dois dias do mês de junho de dois mil e vinte e um, achando-se presentes o Conselheiro Presidente João Caupers e os Conselheiros José António Teles Pereira (intervindo por videoconferência), Joana Fernandes Costa, Maria José Rangel de Mesquita, Maria da Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Fernando Vaz Ventura, Pedro Machete, Mariana Rodrigues Canotilho, Maria de Fátima Mata-Mouros, José João Abrantes e Lino Rodrigues Ribeiro (intervindo por videoconferência), foram trazidos à conferência os presentes autos.

Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exm.º Conselheiro Presidente ditado o seguinte:

I - Relatório

1 - Por decisão de 28 de junho de 2018, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, «ECFP») julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pela Coligação Democrática Unitária (CDU), formada pelo Partido Comunista Português (PCP) e pelo Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV) relativas à campanha para as eleições para a Assembleia da República realizadas a 4 de outubro de 2015 [artigos 27.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho (Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, «LFP») e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da ECFP, doravante, «LEC»)].

Foram as seguintes as irregularidades discriminadas:

a) Deficiências no suporte documental de despesas com ajudas de custo, em violação dos artigos 15.º, n.º 1, e 19.º, n.º 2, da LFP;

b) Impossibilidade de concluir sobre a razoabilidade da valorização de algumas despesas, em violação do artigo 15.º, n.º 1, da LFP;

c) Falta de apresentação de declarações com a descrição dos bens cedidos à Coligação pelo Partido coligado, em violação do artigo 16.º da LFP;

d) Impossibilidade de aferição do cumprimento do regime legal relativo a despesas suportadas por boletins de deslocação em veículo próprio e despesas com combustíveis referidas como respeitantes a bens cedidos à Coligação por militantes, simpatizantes e apoiantes, em violação do artigo 16.º da LFP.

2 - A Mandatária Financeira da campanha, Maria Manuela Simão Pinto Ângelo Santos, interpôs recurso desta decisão, nos termos dos artigos 23.º da LEC e 9.º, alínea e), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, doravante, «LTC») - cuja análise preliminar a ECFP relegou para momento posterior invocando a jurisprudência constitucional no sentido de determinar a subida de tais recursos a final, por ocasião da impugnação da decisão sancionatória) -, invocando a ineficácia da decisão recorrida, porque intempestiva, e refutando a verificação das irregularidades apontadas, com os seguintes fundamentos:

a) As despesas com ajudas de custo estão relacionadas com as mesmas pessoas a quem foram pagos os salários que a ECFP considerou como despesas elegíveis e suficientemente documentadas, logo, razoáveis, pelo que não devem ser tratadas de forma diferente, não se compreendendo a duplicidade de critérios, nem a exigência de elementos documentais adicionais (como «boletins de itinerário» - equivalentes aos «mapas de horas» que a ECFP dispensou no caso dos salários);

b) A Listagem n.º 38/2013, publicada no Diário da República n.º 125/2013, série II, de 2 de julho, para além de não ser vinculativa, é incompleta e não tem em consideração fatores que influenciam os preços e, bem assim, por um lado, seria contrário às regras de boa gestão dos recursos, nos casos em que o fornecedor apresentou valores inferiores aos indicados nessa lista, a CDU pagar um preço superior e, por outro, no único caso em que o fornecedor propôs um valor superior aos ali previstos, a Coligação não tinha como influenciar o preço, sendo que as consultas prévias de mercado que realizou não tiveram registo escrito;

c) Basta a mera observação dos bens cedidos à Coligação pelo PCP para se concluir que não se trata de contribuições em espécie, mas de cedência de bens para utilização temporária, sendo que a ECFP confirma que se está perante a utilização de bens afetos ao património do Partido - o que, nos termos do artigo 16.º, n.º 5, da LFP, na redação vigente à data, não é considerado nem como receita, nem como despesa de campanha -, fundamentando a irregularidade somente na falta de declarações do Partido sobre tais utilizações, que reputa como necessárias para conhecer quais delas o PCP enquadrou no referido artigo 16.º, n.º 5, de modo a distingui-las das contribuições em espécie e, nessa medida, aferir da adequação das receitas registadas nas contas da campanha; a ECFP incorre, assim, em duas contradições: por um lado, bem sabe que a CDU respondeu reiteradamente que considera todas as situações identificadas, e não só algumas, subsumíveis àquele preceito legal e, por outro, se não questiona que está em causa a utilização de bens afetos ao património do Partido, deveria ter presente que a sua exclusão como receita e despesa da campanha já decorre da lei, sendo as declarações exigidas uma inutilidade (a ausência no registo das receitas das utilizações dessa natureza resulta da própria lei e tal é suficiente para concluir pela adequação, nessa parte, das receitas da campanha);

d) Relativamente à colaboração de militantes, simpatizantes e apoiantes, não houve quaisquer donativos, os veículos em causa foram conduzidos pelos proprietários e as despesas daí decorrentes correspondem ao desgaste dos veículos e a gastos com combustíveis, pelo que são elegíveis como despesas de campanha e estão suficientemente documentadas.

3 - Na sequência da decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra o PCP, o PEV e a Mandatária Financeira da campanha pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão.

4 - No âmbito dos procedimentos contraordenacionais instaurados contra o PCP e o PEV, enquanto Partidos integrantes da Coligação, (Processos n.os 1/2019 e 2/2019, respetivamente), por decisões de 22 de julho de 2020, a ECFP aplicou a cada um dos arguidos uma coima no valor de (euro)5.964,00, equivalente a 14 (catorze) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, por referência às irregularidades referidas em a) e b) supra.

5 - No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra Maria Manuela Simão Pinto Ângelo Santos, enquanto Mandatária Financeira (Processo n.º 3/2019), por decisão de 22 de julho de 2020, a ECFP aplicou uma coima no valor de (euro)2.130,00, equivalente a 5 (cinco) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP, por referência às irregularidades referidas em a) e b) supra.

6 - Inconformados, o PCP e o PEV recorreram das decisões sancionatórias para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC, invocando, em geral, os mesmos argumentos (com exceção do primeiro, que é exclusivo do PCP), que a seguir se sintetizam:

a) A decisão da ECFP que apreciou as contas foi proferida para além do prazo máximo previsto no artigo 43.º, n.º 2, da LEC, pelo que é intempestiva e, como tal, ineficaz;

b) As despesas com ajudas de custo de pessoal cedido pelo PCP - tal como as despesas com salários do mesmo pessoal, validadas pela ECFP - são elegíveis e têm suporte documental suficiente;

c) A Listagem n.º 38/2013, para além de desatualizada e genérica, não permitindo ter em consideração vários fatores relevantes na fixação do preço, é indicativa e não vinculativa, pelo que não pode valer como parâmetro de razoabilidade das despesas, nem a desconformidade destas com os valores naquela previstos pode fundamentar, por si só, responsabilidade contraordenacional;

d) A falta de apresentação das consultas prévias de mercado realizadas pela CDU não pode ser transformada em descritivo incompleto das faturas;

e) Inexiste atuação dolosa por parte dos arguidos - nem esta se encontra devidamente concretizada em factos nas decisões recorridas -, os quais agiram na convicção de cumprimento escrupuloso da lei;

f) É ilegal a aplicação de uma coima a cada um dos Partidos - em vez de uma só coima à Coligação, representada pelos Partidos que a integram, em regime de responsabilidade solidária;

e pugnando, a final, pela revogação das decisões ou, subsidiariamente, pela aplicação de uma única coima à CDU, em substituição das duas coimas aplicadas separadamente a cada um dos Partidos que a integram.

7 - Também a Mandatária Financeira recorreu da decisão sancionatória, aderindo ao recurso interposto pelo PCP, na parte lhe respeita e com as devidas adaptações.

8 - Recebidos os requerimentos de recurso das decisões de aplicação de coimas, a ECFP, ao abrigo do artigo 46.º, n.º 5, da LEC, sustentou as decisões recorridas e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.

9 - O Tribunal Constitucional admitiu os recursos interpostos e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.

10 - O Ministério Público emitiu parecer sobre os recursos, pronunciando-se pela sua improcedência.

11 - Notificados de tal parecer, o PCP e o PEV vieram dizer que o mesmo não se pronuncia sobre a matéria das alegações dos recursos que apresentaram, tendo o primeiro solicitado esclarecimentos e o segundo requerido o seu...

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