Acórdão nº 3818/18.4T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26-09-2019
Data de Julgamento | 26 Setembro 2019 |
Número Acordão | 3818/18.4T8VNF.G1 |
Ano | 2019 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
APELANTE: X NORTE, AUTO ESTRADAS, S.A.
APELADOS: F. M.; J. M.; L. S.; M. F.; M. R.; MARIA
Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Famalicão
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
F. M.; J. M.; L. S.; M. F.; M. R.; Maria, na qualidade de trabalhadores instauraram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra X NORTE, AUTO ESTRADAS, S.A., com sede na Rua …, em …, pedindo a condenação da Ré:
a) Cumprir o regime de atribuição, vencimento e pagamento de diuturnidades em vigor à data das transferências dos AA. para o seu quadro de pessoal, nos termos do Contrato de Concessão celebrado com o Estado Português, e nos precisos termos em que tais direitos retributivos são reconhecidos e pagos pela “B., S. A.”, de acordo com a clausula 57ª do Acordo de Empresa de 1999, publicado no BTE nº 17, de 08/05/1999, e respetivos valores de atualizações, e por via disso,
b) Pagar a cada um dos AA. uma determinada quantia, pelas diuturnidades vencidas até à data de entrada da petição inicial de acordo com o dito contrato de concessão, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.
A Ré contestou a acção impugnando o valor atribuído à acção, aceitando no essencial a factualidade alegada, mas nega peremptoriamente a aplicação do AE da B., S.A., aos AA., defendendo que a atribuição das diuturnidades vencidas consubstancia uma mera expectativa e não um direito previsto na cl. 49º, n.º 2 do contrato de concessão, daí a ré ter aplicado o regime previsto no art.º 9 do DL n.º 519-c1/79, de 29/de Dezembro. Mais alega, que caso assim não se entenda terá que se considerar que os AA. actuaram em abuso de direito, já que só por carta de Dezembro de 2015 suscitaram a questão agora colocada, embora fossem conhecedores, há mais de 17 anos da posição da Ré, que por comunicação interna explicou os termos da alteração da designação das prestações retributivas “diuturnidades” para “complementos”.
Os AA. responderam, mantendo o alegado e peticionado em sede de petição inicial e pugnam pela improcedência da excepção de abuso de direito invocada pela Ré.
Os autos prosseguiram com a sua normal tramitação tendo por fim sido proferida sentença pela Mma. Juiz, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Decisão:
Pelo exposto, julgo totalmente procedente a acção e, consequentemente, condeno a ré:
I) a cumprir o regime de atribuição, vencimento e pagamento de diuturnidades em vigor à data da transferência dos autores para o seu quadro de pessoal, nos termos do Contrato de Concessão celebrado com o Estado Português, nos precisos termos em que são reconhecidos e pagos pela B., S.A., e
II) a pagar aos autores as seguintes quantias, pelas diuturnidades vencidas até à data da entrada da petição inicial de acordo com o dito contrato de concessão, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data do respectivo vencimento, até efectivo e integral pagamento:
- ao autor F. M., a quantia de 12.076,26€;
- ao autor J. M., a quantia de 10.931,22€;
- ao autor L. S., a quantia de 9.873,35€;
- ao autor M. F., a quantia de 12.076,26€;
- à autora M. R., a quantia de 12.547,39€; e
- à autora Maria, a quantia de 12.547,39€.
Custas pela ré.
Registe e notifique. “
Inconformada com esta sentença, dela veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando alegações, que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:
“1.º Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida nestes autos pelo Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Famalicão, a qual julgou totalmente procedente a presente ação;
2.º O Tribunal a quo errou tanto no apuramento dos factos provados como na aplicação que fez do direito, tendo, consequentemente, também errado quando concluiu pela procedência da pretensão dos aqui Recorridos às peticionadas diuturnidades;
3.º O Tribunal a quo ao sustentar – indo mais além do que os próprios Recorridos… – que o AE B. se continua a aplicar-se-lhes, acolhe uma doutrina temerária cujos resultados seriam verdadeiramente devastadores à luz de princípios estruturantes do nosso modelo económico e empresarial, como sejam a liberdade de iniciativa económica e a autonomia coletiva.
4.º Impugna-se a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, na medida em que existe um facto que, pela sua relevância face ao thema decidendum – especialmente quanto à questão do abuso de putativo direito –, deve ser aditado ao acervo factual dado como provado;
5.º O facto em causa é o seguinte: Os autores, muito embora fossem conhecedores, há mais de 17 anos, da posição da ré quanto aos termos da alteração da designação das prestações retributivos “diuturnidades” para “complemento” apenas suscitaram a questão que aqui se discute pela carta aludida em 16).
6.º Tal facto foi confirmado pelo depoimento da testemunha M. P. (Ficheiro: 20181206153206_5584389_2870547 / início a 00:02:15 – fim a 00:11:40);
7.º Atendendo à prova testemunhal e documental junta aos autos pelas partes, deve o facto alegado nos artigos 99.º e 100.º da Contestação ser dado como provado, e ser aditado o ponto 35) à matéria de facto provada com o seguinte teor: Os autores, muito embora fossem conhecedores, há mais de 17 anos, da posição da ré quanto aos termos da alteração da designação das prestações retributivos “diuturnidades” para “complemento” apenas suscitaram a questão que aqui se discute pela carta aludida em 16);
8.º A decisão em crise, para além dos efeitos devastadores a que conduzirá, procedeu a uma incorreta aplicação do direito ao concluir que a expressão presente no contrato de concessão “a integração dos trabalhadores far-se-á sem perda de quaisquer direitos ou regalias”, abarca também o direito a diuturnidades, mesmo que este não se tivesse subjetivado na esfera jurídica dos trabalhadores.
9.º Facilmente se alcança que o sentido que qualquer declaratário razoável (ou seja, normalmente esclarecido, zeloso e sagaz), retiraria da referida cláusula era o de que se manteriam os direitos e regalias que se haviam consolidado, mas já não as meras expectativas ou os direitos em formação;
10.º A atribuição de novas diuturnidades, por contraposição ao direito às diuturnidades vencidas, consubstancia um direito que podemos designar de “diferido”, isto porque tal direito só se concretiza com a passagem do tempo, apenas existindo, em momento anterior, uma mera expectativa do recebimento da prestação que o mesmo pressupõe a qual não goza da mesma proteção conferida aos direitos subjetivos;
11.º O direito às diuturnidades, oriundo de IRCT, há-de aferir-se pelo texto da correspondente convenção em vigor no momento em que, porventura, se verifique o pressuposto (tempo, desde logo…) da atribuição da diuturnidade;
12.º A integração dos Recorridos na Recorrente não implicou a perda de quaisquer direitos ou regalias presentes ou pretéritos, porquanto as diuturnidades vincendas a que alegam ter direito, consubstanciavam meras expectativas jurídicas ou direitos em formação, os quais, devido à sua natureza, não se consolidaram na esfera jurídica dos Recorridos e, como tal, não se encontravam abrangidos pelo contrato de concessão;
13.º Nem a Base XLVI nem a cláusula 49.º do contrato de concessão falam de expectativas – como é o caso dos benefícios concedidos aos trabalhadores por um AE, cujos pressupostos de verificação ainda não ocorreram – já que estas podem existir, mas só são legalmente protegidas quando exista uma norma legal que as reconheça e afirme essa mesma proteção;
14.º Não será aceitável sustentar que o próprio IRCT passou a constituir um direito adquirido dos Recorridos, imune a qualquer prazo de vigência ou duração (com vocação perpétua...), e integrante da sua esfera jurídica, na medida em que, a aplicação de um IRCT, a qualquer trabalhador, consubstanciará sempre uma mera expectativa jurídica que, como tal, não cabe na letra da Base XLVI nem na da cláusula 49.º do contrato de concessão;
15.º O que existe é o direito, em cada momento, às regalias e direitos que resultem para os trabalhadores da aplicação de um determinado IRCT, enquanto este estiver vigente, ou quando a lei determine a sua aplicação por um determinado período mínimo;
16.º Tendo o contrato de concessão originado a transmissão do estabelecimento, passou a aplicar-se-lhe a norma prevista no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro;
17.º In casu, uma vez que, como é facto público e notório, o prazo do AE B. em vigor à data da transmissão terminaria em 13/05/2000 (cfr. cláusula 2.º do AE B. de 199910), e uma vez que a transmissão se deu em 09/07/1999, o que não permitiria assegurar tal tutela mínima legal de 12 meses (mas tão-só durante o período 2 meses), a Recorrente sempre estava obrigada a observar o AE B. de 1999 até ao final do período de 12 meses.
18.º A Recorrente assegurou, pelo período de um ano após a transmissão (de julho de 1999 a julho de 2000), a aplicação do regime de diuturnidades previsto no AE B. de 1999, quer no que concerne às já atribuídas, quer quanto às novas que se venceram no decorrer desse ano;
19.º Terminado esse período, a Recorrente passou a aplicar integralmente o seu modelo de gestão de recursos humanos, que não previa (nem prevê) modelos de progressão retributiva baseados na antiguidade, como é o caso do regime de diuturnidade do AE B.,
20.º A teleologia da norma ínsita no artigo 9.º Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de dezembro é a de que não se pode aceitar a sobrevivência de uma convenção, como instrumento dinâmico de regulação sócio-laboral, que tenha nascido e se destinava a regulamentar uma realidade empresarial diferente da entidade adquirente;
21.º Tal constatação decorre, também, do cotejo dos artigos 9.º e 11.º do referido Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de dezembro, na medida em que no...
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