ACÓRDÃO Nº 379/2017
Processo n.º 906/15
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam na 2.ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. A. e outros intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ação administrativa comum sob a forma de processo ordinário contra o Ministério da Defesa Nacional, pedindo a sua condenação no pagamento das remunerações adicionais fixadas no n.º 5 da Portaria n.º 1157/2004, de 22 de outubro, enquanto permanecerem em exercício de funções na Missão de Construção de Submarinos (MCSUB), na delegação da Alemanha, com efeitos a 1 de julho de 2008.
Por sentença proferida a 4 de dezembro de 2009, a ação foi julgada improcedente, tendo os autores recorrido para o Tribunal Central Administrativo – Sul (TCA-Sul), o qual, por acórdão de 4 de dezembro de 2014, negou total provimento ao recurso.
Desse acórdão interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), não tendo o mesmo sido admitido, por acórdão de 22 de maio de 2015.
Os autores vieram então interpor recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade do acórdão do TCA-Sul, nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC), através de requerimento em que suscitam a seguinte questão de inconstitucionalidade: “violação dos arts. 2.º, 18.º, n.º 3 e 59.º, n.º 1, a) da CRP, pelo n.º 13 do despacho n.º 4.182/2008, do Ministro das Finanças e do Ministro da Defesa Nacional, de 18 de fevereiro, e o número único da portaria conjunta do Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Ministério das Finanças e Administração Pública e do Ministério da Defesa Nacional n.º 611/2008, de 2 de maio, que revogou o n.º 5 da portaria n.º 1157/2004, de 22 de outubro, dos Ministros de Estado, da Defesa Nacional, e dos Assuntos do Mar, das Finanças e da Administração”.
2. Admitido o recurso, os recorrentes apresentaram alegações, onde concluíram o seguinte:
1 - Nos termos da Portaria Conjunta n.º 1157/2004 do Ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, do Ministro das Finanças e da Administração Pública e do Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, publicada no DR 2.ª Série de 5 de novembro de 2004, o réu Estado Português determinou no número cinco que aos militares nomeados para a Missão de Construção de Submarinos (MCSUB), instalada na Alemanha, lhes era «assegurado, para além das remunerações correspondentes aos respetivos posto e escalão, o direito às remunerações adicionais e outras regalias previstas no art. 8.º do Decreto-Lei n.º 56/81, de 31 de março;
2 - A determinação referida na conclusão precedente foi justificada pelo réu Estado Português, na identificada portaria conjunta, com o reconhecimento expresso de que as funções a exercer no âmbito da referida missão seriam de «elevada complexidade, especificidade e sofisticação e o avanço tecnológico do PRAS (Programa Relativo à Aquisição de Submarinos)» exigir «vastos conhecimentos técnicos»;
3 - Os autores foram nomeados para a referida missão e deslocados para a Alemanha a partir de novembro de 2004 (cfr. Despacho do Ministro da Defesa Nacional nº 23.408/2004 publicado no DR 2.ª Série de 16 de novembro de 2004). O período de permanência naquele país, no exercício das funções para que foram nomeados, foi de sete anos – terminou em julho de 2011 (cfr. Portaria do Ministério da Defesa Nacional n.º 750/2013, de 17 de novembro de 2013);
4 - Entre novembro de 2004 e julho de 2008, o réu Estado Português pagou as «remunerações adicionais» asseguradas aos autores pelas funções de elevada complexidade, especificidade e sofisticação, que exigiam vastos conhecimentos técnicos, nos termos previstos no n.º 5 da Portaria Conjunta n.º 1157/2004;
5 - Invocando a necessidade «uniformizar» o regime de abonos aplicável aos militares colocados no estrangeiro em missões de acompanhamento e fiscalização de contratos de aquisição de equipamentos militares, o réu Estado Português, através do Despacho n.º 4.182/2008 do Ministério das Finanças e da Administração Pública e da Defesa Nacional, de 18 de fevereiro, e da Portaria n.º 611/2008 dos Ministros dos Negócios Estrangeiros, das Finanças e da Administração Pública e da Defesa Nacional, de 2 de maio, revogou a «remuneração adicional» assegurada aos autores pela Portaria Conjunta n.º 1157/2004, substituindo-a por uma «ajuda de custo» única, sem diferenciamento de posto, escalão e nível de responsabilidade, no valor mensal de 3.309,00 euros;
6 - Deste modo, a mais de meio da missão, mais concretamente a partir de 1 de julho de 2008, os autores, viram reduzido em mais de cinquenta por cento o «valor pecuniário» atribuído pelas funções de elevada complexidade, especificidade e sofisticação, que exigiam vastos conhecimentos técnicos, no âmbito da Missão para a qual haviam sido nomeados, sem que tivessem ocorrido alterações na sua Missão, nem na complexidade, especificidade e sofisticação, continuando (em alguns casos) deslocados com as famílias na Alemanha, situação que se manteve até ao final, em julho de 2011;
7 - O fundamento invocado pelo réu Estado Português para revogar a remuneração adicional atribuída aos autores, aceite pelo Acórdão recorrido, consistiu na «necessidade de harmonização do regime de abonos a aplicar aos militares que integram as missões de acompanhamento e fiscalização da execução dos contractos de aquisição de equipamentos militares celebrados no âmbito da Lei de programação Militar» sob pena de estar-se a violar o princípio da igualdade (Acórdão recorrido, pág. 35);
8 - Os fundamentos invocados pelo réu Estado Português referido no número precedente para revogar a remuneração adicional devida aos autores, aceites pelo Acórdão recorrido, não corresponderam a razões de «absoluta excecionalidade», tidas por muito relevantes, que afastassem a ofensa do princípio da proteção da confiança;
9 - Para que fosse possível estabelecer um juízo sobre a eventual existência de violação do princípio da igualdade, suscetível de justificar a revogação da retribuição adicional atribuída aos autores, necessário teria sido que se tivessem provado factos por via dos quais se demonstrasse: a) que existiam outras missões em curso, cujos membros estivessem deslocados e auferissem outras remunerações adicionais (inferiores ou superiores à dos autores); b) que as missões referidas em a) fossem, também, de «elevada complexidade, especificidade e sofisticação» e exigissem aos seus membros «vastos conhecimentos técnicos», conforme se referiu expressamente em preâmbulo da Portaria 1157/2004. Só provando estes factos é que, eventualmente, se poderia concluir que existiriam situações em que para trabalho igual se estaria a atribuir diferente remuneração. Porém, compulsada a factualidade considerada provada pelas instâncias não se mostram provados quaisquer factos que permitam um juízo sobre eventuais desconformidades, em matéria de remuneração, que justificassem a revogação pura e simples da remuneração adicional atribuída aos autores;
10 - Não é possível sustentar-se, como se faz no Acórdão recorrido, a legitimidade da substituição de uma remuneração por um abono (ajuda de custo). São realidades jurídicas distintas. A remuneração corresponde à contraprestação devida pelo trabalho prestado. Já os abonos são prestações acessórias que a lei manda pagar ao trabalhador para atender às despesas que o exercício da função acarrete, nomeadamente, as ajudas de custo - importâncias fixas pagas ao funcionário por cada dia em que se tenha de deslocar do lugar onde exerça o seu cargo e por motivo de desempenho deste - e os subsídios e abonos - que se destinam a indemnizar o funcionário de despesas ou riscos especiais a que o sujeite a...