Acórdão nº 3778/19.4T8VCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 21-09-2021

Data de Julgamento21 Setembro 2021
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão3778/19.4T8VCT.G1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,



I - Relatório

1. Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Noroeste, CRL, intentou ação declarativa sob a forma de processo comum contra AA e Mulher, BB, CC, DD e EE, pedindo:

- a declaração de nulidade, por simulação, da escritura de “Repúdio de Herança” transcrita em 27.º da petição inicial, com todas as consequências legais e, consequentemente,

- o cancelamento de quaisquer registos ou ónus que eventualmente impendam sobre os prédios descritos em 30.º da petição inicial, lavrados com base na referida escritura de “Repúdio de Herança”;

E, subsidiariamente:

- julgar-se procedente, por provada, a impugnação pauliana desse negócio de “Repúdio da Herança”, com a consequente restituição do “quinhão hereditário” na medida do interesse da Autora, podendo esta executá-lo no património dos 3.º, 4.º e 5.º Réus;

E sempre, em qualquer caso:

- a condenação dos Réus no pagamento das despesas extrajudiciais, incluindo honorários de advogado, que a Autora suportar com a presente ação, valor esse a fixar em decisão ulterior.

2. Os 1.º e 2.º Réus, AA e BB, contestaram. Alegaram que, atendendo que a Autora pretende impugnar o repúdio da herança a que o 1.º Réu foi chamado por morte de seu Pai, FF. Como o 1.º Réu nunca aceitou esta herança, o repúdio não implica qualquer saída de bens do património dos 1.º e 2.º Réus, AA e BB. Os bens hereditários só integrariam o seu património se o 1.º Réu houvesse aceitado a herança (art. 2050.º, n.º 1, do CC), o que não se verificou. Entendem que, perante a falta de aceitação, pelo 1.º Réu, da referida herança, a Autora só poderia reagir por meio da ação sub-rogatória (art. 606.º do CC). Referem que a impugnação pauliana apenas permite aos credores reagir contra negócios validamente celebrados pelo devedor mediante os quais se opere a saída de bens do respetivo património. Por outro lado, ao tempo do repúdio da herança, a sociedade Eira Longa – Prestação de Serviços Técnicos e Agroflorestais, Unipessoal, Lda., não se encontrava sequer em incumprimento do contrato de mútuo. O 1.º Réu tem três filhos: o 3.º, 4.º e 5.º Réus. Nos termos dos arts. 2039.º e 2042.º, do CC, por força do repúdio da herança por parte do 1.º Réu, os 3.º, 4.º e 5.º Réus, filhos daquele, adquiriram, com a correspondente aceitação, respetivamente, 1/16 da herança aberta por óbito de seu avô, FF. Uma vez que o 3.º Réu, CC, em virtude do direito de representação previsto no art. 2042.º do CC, adquiriu, por sucessão legal, 1/16 daquela herança, de um lado e, de outro, também avalizou a livrança em branco subscrita pela sociedade mutuária, Eira Longa – Prestação de Serviços Técnicos e Agroflorestais, Unipessoal, Lda., a Autora poderá, em caso de incumprimento desta, executar o património daquele. Logo, a possibilidade mencionada pela Autora em 65.º da petição inicial mantém-se, apesar de o 1.º Réu ter repudiado a herança de seu Pai. Concluíram no sentido de que o repúdio da herança pelo 1.º Réu não teve, nem nunca teria como consequência impedir que aquele quinhão hereditário viesse a ser agredido pelos credores da sociedade mutuária, uma vez que, através do instituto do direito de representação, os seus filhos adquiriram, por sucessão legal, aquele direito e sem que os mesmos, nomeadamente o 3.º Réu, CC, que é avalista da livrança entregue à Autora, tivessem igualmente renunciado àquele direito. O repúdio da herança pelo 1.º Réu é, assim, um negócio válido, sendo que a vontade declarada corresponde integralmente à sua vontade real. Entendem, por outro lado, não se verificarem os requisitos da impugnação pauliana: aquando da celebração do contrato de mútuo entre a Autora e a sociedade mutuária, Eira Longa – Prestação de Serviços Técnicos e Agroflorestais, Unipessoal, Lda., foram constituídas hipotecas sobre dez prédios para garantir o cumprimento das obrigações por esta assumidas. Foi também entregue à Autora uma livrança em branco, subscrita pela sociedade mutuária Eira Longa – Prestação de Serviços Técnicos e Agroflorestais, Unipessoal, Lda., e avalizada pelos 1.º e 3.º Réus, AA e CC, bem como, ainda, por GG, Mãe do 3.º Réu. Os avalistas passaram a garantir, com todo o seu património, o cumprimento do contrato de mútuo em apreço. Continua, assim, a ser possível à Autora, em caso de incumprimento, requerer a penhora do quinhão hereditário de 1/16 do 3.º Réu, CC, e, posteriormente, enquanto comproprietária do prédio identificado em 30.º da petição inicial, exercer o seu direito de preferência na respetiva compra. Por último, impugnaram os restantes factos alegados pela Autora, concluindo pela improcedência da ação.

3. A Autora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Noroeste, CRL respondeu aos incidentes e exceções invocadas pelos 1.º e 2.º Réus, AA e BB.

4. Procedeu-se ao saneamento do processo e ao julgamento com observância do formalismo legal, que a respetiva ata reflete.

5. Na sentença de 5 de novembro de 2020, o Tribunal de 1.ª Instância decidiu o seguinte:

a) Julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade por simulação, formulado a título principal;

b) Julgar procedente o pedido subsidiário de impugnação pauliana e, em consequência, declara-se ineficaz em relação à A. o acto formalizado pela escritura de “Repúdio de Herança” outorgado pelos 1ºs Réus, melhor descrito em 1.23. dos factos provados desta, reconhecendo à A. o direito à respectiva restituição do quinhão hereditário, na medida do seu crédito, podendo executá-lo no património dos 1ºs Réus.

c) Condenar os 1ºs RR AA e mulher a pagar as despesas extrajudiciais, incluindo honorários com advogado, que a autora teve de suportar com a presente ação, valor esse a fixar em decisão ulterior, designadamente em sede da execução já instaurada, absolvendo-se os restantes RR deste pedido.

d) Custas pela A. e RR. na proporção respectivamente de 1/4 e 3/4.

e) Registe e notifique.

6. Inconformados, os 1.º e 2:º Réus, AA e BB, interpuseram recurso de apelação.

7. A Autora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Noroeste, CRL apresentou contra-alegações e requereu, a título subsidiário, a ampliação do objeto do recurso.

8. Por acórdão de 6 de maio de 2021, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu o seguinte:

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente procedente o recurso apresentado e improcedente a ampliação do seu objecto apresentada a título subsidiário e, em consequência:

a) Manter a sentença recorrida quanto à matéria de facto provada e não provada;

b) E revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a impugnação pauliana peticionada.

Custas pela Recorrida”.

9. Não conformada, a Autora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Noroeste, CRL, interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões:

1.ª - O presente recurso de revista é admissível

- vd. art.º 627.º; n.º 1, art.º 629.º e n.º 1, art.º 671.º CPC

2.ª - Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor suscetíveis de penhora, atribuindo a lei ao credor a faculdade de executar o património do devedor e fornecendo-lhe diversos meios de conservação do mesmo

- vd. art.º 601.º CC

- vd. art.ºs 605.º e ss. CC

3.ª - A ação sub-rogatória é classificada como direta ou indireta, sendo que esta consiste num meio de conservação da garantia geral, mediante a possibilidade de os credores poderem exercer contra terceiro os direitos patrimoniais que competem ao devedor

- vd. art.ºs 606.º e ss. CC

4.ª - A ação sub-rogatória indireta não atribui à recorrente qualquer preferência no pagamento, visto que, aproveita a todos os credores que a ela recorram

- vd. art.º 609.º CC

5.ª - Apesar da remissão prevista no art.º 2067.º do CC, existem diferenças substanciais entre a figura aí prevista e o regime da sub-rogação, sendo os pressupostos da ação sub-rogatória os seguintes:

i) omissão pelo devedor do exercício dos seus direitos contra terceiros

ii) conteúdo patrimonial desses direitos e não atribuição do seu exercício ao seu titular

iii) essencialidade desse exercício para a satisfação do direito do credor

- vd. art.º 606.º, ex vi art.º 2067.º CC

6.ª - A ação sub-rogatória caracteriza-se como sendo uma reação do credor contra uma conduta omissiva do devedor

- vd. MENEZES LEITÃO, in “Garantias das Obrigações”, 2012, 4.ª Ed., Almedina, pág. 56

7.ª - Se o devedor praticar positivamente um ato prejudicial ao(s) credor(es), este(s) deverá(ão) reagir através da impugnação pauliana e não mediante a ação sub-rogatória

- vd. MENEZES LEITÃO, in “Garantias das Obrigações”, 2012, 4.ª Ed., Almedina, pág. 56

8.ª - A impugnação pauliana consiste na faculdade legalmente atribuída aos credores de reagirem contra atos do devedor que diminuam a garantia patrimonial do seu crédito em seu prejuízo

- vd. art.º 610.º do CC

9.ª - Os pressupostos da impugnação pauliana são, em suma, os seguintes:

- existência de um crédito

- realização pelo devedor de um ato que diminua a garantia patrimonial do crédito e que não seja de natureza pessoal

- anterioridade do crédito em relação ao ato ou, sendo posterior, ter o ato sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor

- sendo um ato oneroso, ocorrência de má fé, da parte do devedor e do adquirente

- que resulte do ato a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento da impossibilidade

10.ª - Em causa terão de estar atos que se repercutam em termos negativos no património do devedor, quer em razão do aumento do seu passivo, quer em razão da diminuição do seu ativo

11.ª - O repúdio da herança objeto destes autos é um ato gratuito, pelo que, in casu, o requisito da má-fé não releva para a decisão da causa

- vd. art.ºs 2062.º e ss. CC

- vd. 2.ª parte, n.º 1, art.º 612.º CC

12.ª - Para a procedência da impugnação pauliana é necessário que do ato impugnado resulte para o credor a impossibilidade (total ou parcial) de satisfação do...

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