Acórdão nº 375/19.8T8GRD-C.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 01-06-2020
| Data de Julgamento | 01 Junho 2020 |
| Número Acordão | 375/19.8T8GRD-C.C1 |
| Ano | 2020 |
| Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
I – Relatório
Banco (…), SA,com sede na Rua (...), intentou ação especial de insolvência contraC (…) e esposa, G (…), com residência (…), pedindo que se decrete a insolvência de ambos.
Alegou, em resumo, ser detentor de um crédito sobre os requeridos no montante global de € 82.530,09, decorrente de um contrato de mútuo com hipoteca (celebrado em 22 de Setembro de 1999), em que os requeridos se encontram em incumprimento desde 02/01/2015 (data a partir da qual não pagaram as prestações mensais que entretanto se foram vencendo); sendo o único património conhecido aos requeridos a fração predial dada em hipoteca para garantir tal mútuo.
Mais referiu que os requeridos têm outras dívidas (que identifica), tendo sido inclusivamente já acionados em várias execuções comuns e fiscais; pelo que os requeridos – concluiu o requerente – em face do único bem (a referida fração predial) de que dispõem, da ausência de quaisquer saldos bancários e/ou crédito bancário, encontram-se impossibilitados de cumprir o conjunto das suas obrigações vencidas, preenchendo a sua situação a previsão do art. 3.º/1 e da alínea b) do n.º 1 do art. 20.º, ambos do CIRE, devendo por isso ser decretada a insolvência de ambos.
Citados os requeridos, vieram deduzir oposição, em que sustentam que “a emissão da declaração resolutória do contrato de mútuo invocado era um pressuposto necessário e obrigatório para tornar imediatamente exigível toda a dívida e o requerente não deu cumprimento à disposição contratual (…) que exige uma declaração de resolução do requerente (…)”[1], razão pela qual, não a tendo feito, “a obrigação do requerente é inexigível (…) e o mesmo não está em condições de pedir a insolvência dos oponentes”[2].
Mais invocaram que os “valores presumidamente devidos pelos oponentes e garantidos pelo imóvel são no montante de € 125.565,81 (€ 82.530,09 + € 24.775,94 + € 15.791,20 + € 2.468,58)”[3], “montante este que é inferior àquele que requerente e Banco (...) aceitaram valer o imóvel aqui em causa (€ 158.554,08)”[4], razão pela qual “o património imobiliário dos opoentes será mais do que suficiente para solver todas as presumidas dívidas dos opoentes”[5]
E, ainda, quanto ao crédito decorrente do mútuo invocado, dizem que a quantia exigida não é devida na íntegra, “ou seja, aquilo a que o requerente terá direito será apenas à restituição do capital das prestações em dívida e não dos juros que integram essas prestações”.
E concluem que o pedido deve ser julgado improcedente.
Realizou-se audiência de julgamento – no início da qual se proferiu o despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova – após o que o Exmo. Juiz proferiu sentença em que, a final, julgou a ação procedente, decretando a insolvência de ambos os requeridos.
Inconformados com tal decisão, interpõem os requeridos recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue o pedido de insolvência improcedente.
Terminam a sua alegação com as seguintes conclusões:
“ (…)
1)- Resulta dos documentos juntos aos autos (e com relevância para as circunstâncias de facto ora em análise) o seguinte:
- “(…) a Execução Sumária (Ag. Execução), 82/17.6T8GRD se encontra extinta nos termos do disposto no art. 750º do CPC, encontrando-se os executados na lista pública” (vd. certidão junta ao processo);
- “(…) o n/ processo nº 83/17.4T8GRD se encontra arquivado, tendo a execução sido extinta por falta/insuficiência de bens” (vd. certidão junta ao processo);
2)- Assim sendo, deve o facto apreendido em 14) dos factos provados ser alterado em função do que se alegado no número anterior;
3)- Tendo presentes os documentos que constam dos autos, e os factos alegados pelos aqui recorrentes, deve dar-se como provado que:
- sobre o imóvel melhor identificado em 3) dos factos provados encontra-se registada hipoteca voluntária a favor do Requerente (AP 14 de 1999/08/18 e AVERB. – AP 29 de 2000/01/24) com o montante máximo assegurado de Esc. 23.902.884$00 (ou seja, € 119.227,08);
- sobre o imóvel melhor identificado em 3) dos factos provados encontra-se registada hipoteca voluntária a favor do Banco (…), SA -vd. AP 17 de 2006/06/02- com o montante máximo assegurado de € 39.327,00;
- o Banco (…), SA pertence ao mesmo grupo que o requerente;
4)- O imóvel melhor identificado nestes autos, segundo a avaliação feita pelo requerente e pelo seu parceiro de grupo - o B (…), SA-, tinha valor suficiente para permitir o pagamento de, no limite superior, o montante de € 158.554,08 [ € 119.227,08 + € 39.327,00 ];
5)- Somando os valores presumidamente devidos pelos opoentes, e garantidos pelo imóvel melhor referenciado, obtemos o montante de € 125.565,81 [ € 82.530,09 + € 24.775,94 + € 15.791,20 + € 2.468,58];
6)- E, assim sendo, este montante [€ 125.565,81] é inferior aquele que, Requerente e Banco (...), SA, aceitaram valer o imóvel aqui em causa… [ € 158.554,08 ];
7)- Por isso que é lícito concluir que o património imobiliário dos opoentes será (de acordo com a avaliação feita pelo Requerente e pelo B(…), SA, quando emprestaram dinheiro aos opoentes -que ascendia a valores superiores aos actuais) mais do que suficiente para solver todas as presumidas dívidas dos opoentes;
8)- Aliás, vir agora o Requerente dizer que o património imobiliário dos recorrentes tem um valor inferior ao das suas dívidas (e que, por isso, não permite o respectivo pagamento) é actuar em claro e manifesto abuso de direito, na modalidade de “venire contra facto proprio” (pois se foi o próprio Requerente quem avaliou o imóvel por um valor superior ao das alegadas e actuais dívidas dos recorrentes…!!...);
9)- Era absolutamente essencial parta ser decretada a insolvência dos aqui recorrentes averiguar da composição do seu património e suficiência do mesmo para garantir o pagamento das respectivas dívidas;
10)- Ora, se é certo que se apurou a composição do património, tal já não aconteceu com a sua quantificação, em termos de valor mercado, a fim de se saber se o mesmo é ou não suficiente para garantir as alegadas dívidas dos ora peticionantes;
11)- Na verdade, o Tribunal recorrido (pese embora a alegação dos aqui recorrentes) nem sequer se pronunciou sobre o valor do património dos recorrentes, antes se limitando a concluir que o mesmo era insuficiente para o pagamento das imputadas dívidas dos (agora) insolventes;
12)- Por isso que no processo de insolvência a solvabilidade ou não do devedor deve aferir-se pelo valor real ou de mercado dos bens imóveis do devedor (exercício que nem sequer se efectuou nos presentes autos);
13)- A sentença revidenda violou, entre outras, as normas dos arts. 3º e 20º do CIRE; (…)”
O requerente respondeu, sustentando, em síntese, que não violou a sentença recorrida as normas substantivas referidas pelos recorrentes, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.
Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II – “Reapreciação” da decisão de facto
Como “questão prévia” à enunciação dos factos provados, importa analisar a questão suscitada nas duas primeiras conclusões, a propósito da decisão de facto respeitante ao ponto 14 dos factos provados da sentença recorrida[6].
Tendo sido dado provado em tal ponto 14 que “os processos executivos mencionados em 12) e 13) se encontram findos e arquivados, tendo a sua extinção sido motivada por falta/insuficiência de bens”, sustentam os apelantes que resulta dos documentos juntos:
“que a Execução Sumária 82/17.6T8GRD se encontra extinta nos termos do disposto no art. 750º do CPC, encontrando-se os executados na lista pública” (vd. certidão junta ao processo);”
“que o processo nº 83/17.4T8GRD se encontra arquivado, tendo a execução sido extinta por falta/insuficiência de bens” (vd. certidão junta ao processo);”
Razão pela qual chamam a atenção para “a estranheza de ser arquivada uma execução por falta/insuficiência de bens quando existia um bem imóvel onerado com hipoteca a favor do exequente e que, assim, responderia pela quantia exequenda”, acrescentando que “os sobreditos documentos não autorizam o que se encontra plasmado em 14) dos factos provados, mas apenas que uma das execuções (a nº 83/17.4T8GRD) se encontra extinta por falta/insuficiência de bens”, pelo que – concluem – o facto 14 deve ser alterado “em função do que vem de alegar-se”.
Não têm razão.
Aliás, em boa verdade, nem se percebe o racional da divergência dos apelantes, uma vez que uma execução extinta nos termos do art. 750.º do CPC significa, nem mais nem menos, que não foram encontrados bens penhoráveis, pelo o que foi dado como provado no ponto 14 dos factos reflete com fidelidade o que consta dos dois documentos juntos aos autos.
O que se passa – coisa diferente – é que tais dois documentos não contêm uma informação completa e rigorosa sobre o que se passou nas duas execuções extintas (as referidas em 12 e 13 dos factos provados).
Embora não resulte numa leitura linear dos factos, é bastante evidente que nas duas execuções em causa estavam a ser executados créditos identificados nestes autos: o crédito aqui invocado pelo requerente e o crédito do B(…) identificado em 9.
E, como consta da certidão da conservatória do registo predial junta, foi a fração identificada no ponto 3 dos factos penhorada em ambos os processos (aliás, os créditos ali executados – e aqui invocados/identificados – gozavam/gozam de hipoteca sobre tal fração), não se avançando em qualquer dos dois processos executivos para a fase de pagamento (com a consequente venda da fração penhorada/hipotecada) por haver uma penhora anterior da Fazenda Nacional sobre a fração, o que seguramente levou à sustação das duas execuções quanto à fração em causa e, posteriormente, às suas extinções, nos termos do art. 750.º do CPC, por, além de tal fração, não se haverem encontrado...
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