Acórdão nº 373/18.9T8TVD.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 05-11-2020

Data de Julgamento05 Novembro 2020
Número Acordão373/18.9T8TVD.L1-6
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO
T…I – PRODUTOS LÁCTEOS, LDA., com os sinais dos autos, veio instaurar a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra D.., P.. e J… todos com os sinais dos autos, pedindo, nos termos dos artigos 610.º e 616.º do Código Civil e para os efeitos do artigo 818.º do mesmo código, fossem declarados ineficazes relativamente à A., e na medida dos seus interesses: 1) O acto de transmissão operado em 15 de Fevereiro de 2017 (divisão de coisa comum) pela 1.ª R. a favor do 2.º R. sobre o prédio urbano sito na Estrada Nacional …., em Eiras da Palma, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.º 4414, freguesia de Maxial, e inscrito na matriz sob o artigo 1859 da mesma freguesia (doravante prédio 1859); 2) O acto de transmissão operado em 15 de Fevereiro de 2017 (divisão de coisa comum) pela 1.ª R. a favor do 3.º R. sobre o prédio urbano sito em …, Casais de O..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.º 4458, freguesia de Torres Vedras (Santa Maria do Castelo e São Miguel), e inscrito na matriz sob o artigo 03687 (antigo 4029) da mesma freguesia (doravante prédio 03687).
Alegou quanto a tal, em síntese, que a primeira Ré era dona, em compropriedade com o segundo Réu, do prédio 1859, e, em compropriedade com o terceiro Réu, do prédio 03687, em ambos os casos na proporção de metade para cada comproprietário, tendo procedido a escrituras de divisão de coisa comum nos termos das quais os prédios foram adjudicados a cada um dos Réus, respectivamente, tendo estes assumido o passivo, actos que se destinaram a subtrair os imóveis do património da Ré por forma a obstar a que o seu valor respondesse pela dívida da Ré à Autora, constituída em data anterior à das escrituras de divisão de coisa comum, aliás celebradas na mesma data e Cartório.
A Ré D… contestou por impugnação alegando que as divisões de coisa comum corresponderam a uma decisão sua economicamente racional, uma vez que a entrada para a compra dos imóveis fora paga, em ambos os casos, pelo Réu comproprietário, que a dívida subsistente era avultada e que a utilização dos imóveis durante o período em que a Ré viveu maritalmente com cada um dos co-Réus corresponde ao diminuto montante que pagou dos empréstimos.
Mais referiu que, quanto ao prédio 1859, o Banco credor anuiu em que o passivo ficasse exclusivamente a cargo do Réu P…, o que determinou que o seu património fosse diminuído do valor do prédio e, concomitantemente, do valor da dívida, sem que de tal resultasse diminuição efectiva.
O Réu P… contestou alegando em síntese que a Ré D…
não despendeu nada na aquisição do imóvel 1859 e ficou desonerada da dívida de pagamento do seu valor, sendo que o Réu contestante desconhecia a existência da dívida em causa nos autos, tendo tomado dela conhecimento na diligência de penhora de 30 de Outubro de 2011.
O Réu J… contestou invocando as circunstâncias de aquisição do prédio 03687 e o seu desconhecimento das dívidas de D….
Cumprido o demais legal, houve audiência de julgamento após a qual foi proferida sentença de cujo dispositivo consta:
Termos em que se julga a acção procedente e, em consequência: a) Se declara, na medida do seu interesse, o direito da A. à restituição, na medida do direito neles da R., dos bens objecto das divisões de coisa comum referidas em 1) e 6) e a possibilidade de os executar no património dos RR. P…e J… e de aí praticar os necessários actos de conservação da sua garantia patrimonial em relação ao crédito referido nos autos.
Os Réus interpuseram recurso.
A Ré D…, alegando, concluiu como segue as suas alegações:
I. O presente recurso versa sobre a matéria de facto e de direito que a Recorrente considera ter sido incorrectamente julgada na douta sentença;
II. Existem, assim, três questões que devem ser apreciadas, originando a alteração da decisão recorrida:
1. Nulidade da sentença por condenação além do pedido e em objecto diverso do pedido, prevista no art. 615º, nº 1, al. e), do CPC, em claro desrespeito pelo princípio consagrado no nº 1, do art. 609º, do CPC, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos e qualitativos do pedido;
2. Erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
3. Falta dos requisitos do instituto jurídico da impugnação pauliana, designadamente, a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do crédito, ou agravamento dessa possibilidade em virtude do acto.
III. Entende a Recorrente que a sentença padece de nulidade, pelo facto do Tribunal a quo ter condenado além do pedido e em objecto diverso do pedido, mostrando-se, assim, violado o disposto no art. 615º, nº 1, al. e) do CPC, nulidade essa que se requer seja declarada com as legais consequências.
IV. Com efeito, não existe uma correspondência formal entre o peticionado e o decidido.
V. Repare-se que, por força do principio do dispositivo, consagrado no art. 609º, nº 1, do CPC, o Tribunal, apesar da legitimidade para fazer assegurar o direito objectivo, jamais poderá condenar em objecto diverso do pedido ou em quantidade superior à peticionada pelo autor.
VI. A Autora/Recorrida formulou adequadamente o seu pedido (do ponto de vista formal), ao pedir que fossem, em relação a si, declarados ineficazes, os dois actos de transmissão da Ré/Recorrente, um ao Réu P… e outro ao Réu J…a.
VII. Sucede, porém, que o pedido da Autora/Recorrida se fica pela declaração de ineficácia daqueles actos de transmissão, não sendo, contudo, solicitado, que possa exercer em plenitude os seus direitos na execução já instaurada sobre as fracções objecto dos actos em causa, nomeadamente, através da penhora, para recuperação do seu crédito, porém, mesmo sem pedir, o Tribunal condenou;
VIII. Perante o exposto, e sempre com o devido respeito, estamos em crer que o Tribunal recorrido condenou além do pedido, afastando-se, efectivamente, do que foi peticionado, pelo que, a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de nulidade, nesse sentido, cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2, 3ª Edição, Almedina, para quem “É também nula a sentença que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância (…), não observe os limites impostos pelo Rua 9 de Abril, nº 1, 2º, sala G art. 609º-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido”.
IX. Forçoso será concluir que a sentença proferida padece da nulidade estatuída na al. e), do nº 1, do art. 615º, do CPC, representando uma clara violação do disposto no art. 609º, nº 1, daquele diploma legal, por condenar além do que foi peticionado, inexistindo, deste modo, uma correspondência entre o que foi pedido e o que foi decidido.
X. Por outro lado, a Recorrente sustenta que o Tribunal recorrido julgou erradamente os pontos 6), 7) e 14) da matéria de facto dada como provada, por referência à prova produzida e objecto
de análise crítica pelo Tribunal aquando da fixação da matéria de facto relevante à apreciação da causa, o que nos leva a afirmar que houve erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
XI. Comecemos pela matéria constante dos pontos 6) e 7) dada como provada.
XII. Do ponto 6) consta “Por escritura de divisão de coisa comum outorgada a 15.02.2017, J… e D… declararam ser comproprietários, na proporção de metade cada um, do prédio urbano descrito na conservatória do Registo predial de Torres Vedras sob o nº 1458 da freguesia de Torres vedras, com o valor tributário de €17617,68, a que atribuíram o valor de €53 600, 20, e sobre o qual está registada uma hipoteca para garantia de um empréstimo destinado à aquisição de habitação própria permanente a ambos concedido, com o valor actual em dívida de €53500,20 prédio esse que declararam dividir adjudicando-o na totalidade a J…”; 7) “Concomitantemente declararam acordar em adjudicar a J…. a totalidade do passivo respeitante ao empréstimo referido em 6), que foi por ele assumido”.
XIII. Sustenta o Tribunal que a circunstância a que se alude nos pontos 6) e 7) corresponde ao que se retira do documento a fls. 117 (escritura de divisão).
XIV. Com efeito, daquela escritura de divisão de coisa comum resulta apenas a intenção de adjudicar ao Réu J…. o montante total do passivo no valor de €53.600,20, assumindo
ele, perante o banco, a totalidade da dívida, pois que, tal escritura não tem qualquer aditamento de onde conste que o Banco aceitou desvincular e desonerar a Recorrente, nem tão pouco foi ratificada pela instituição bancária, pelo que, tal assunção de dívida foi sempre ineficaz, tanto que, dela consta, no final da penúltima página a seguinte chamada de atenção
“Adverti os outorgantes de que a assunção de dívida é ineficaz em relação ao Banco Comercial Português enquanto por este não for ratificada, nos termos do artigo 595º, do Código Civil”.
XV. Aliás, é isso que a Recorrente transmite na sua contestação, designadamente, no seu artigo 95º, “Note-se que, á data do acto impugnado, aquela transmissão era ineficaz em relação á Autora visto que o Banco não a ratificou, consequentemente, aquele imóvel estava na esfera patrimonial da 1ª Ré, pelo que, não se justificava a impugnação por inexistir perda de garantia, continuando a mesma a não fazer sentido, na medida em que o Banco não veio a ratificar a transmissão, portanto, continua a Autora a ter um imóvel susceptível de penhora (de resto, á data da constituição do crédito da Autora, era apenas este imóvel que existia na esfera patrimonial da 1ª Ré, pelo que, era com ele que a Autora poderia contar para satisfazer o seu crédito).”, assim como, no seu artigo 97º, f.“Em suma, tomando em consideração os dois negócios realizados, impõe-se concluir que: (...) não tendo a escritura de divisão de
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