Acórdão nº 373/15.0T8AMT-D.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 22-09-2021

Data de Julgamento22 Setembro 2021
Case OutcomeNEGADA A REVISTA.
Classe processualREVISTA (COMÉRCIO)
Número Acordão373/15.0T8AMT-D.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça



Revista nº 373/15.0T8AMT-D.P1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção)

I - RELATÓRIO.
No apenso ao processo de insolvência respeitante à sociedade Persantos – Indústria de Mobiliário, Lda., foi proferida sentença, datada de 20 de Julho de 2017, em que foi qualificada a insolvência como culposa, sendo considerados afectados pela qualificação os seus anteriores gerentes, AA e BB.
Veio AA, durante o ano de 2021, arguir as seguintes nulidades: a nulidade da falta de citação nos termos do n.º 6 do art. 188.º do CIRE; a nulidade da falta de citação nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art. 239.º do CPC ex vi art. 17.º do CIRE; a nulidade da falta de notificação da sentença de qualificação de insolvência nos termos do n.º 5 do art. 249º do CPC ex vi art. 17º do CIRE; a anulação dos termos subsequentes do processo.
Tais arguições de nulidades foram objecto de decisão judicial proferida nos autos que as desatendeu.
Foi interposto, de seguida, pelo arguente recurso de apelação contra a decisão judicial que desatendeu a dita arguição de nulidades.
Neste foram apresentadas as seguintes conclusões:
I. Frustrando-se a citação pessoal pelas vias mencionadas nos n.ºs 2 e 3 do art. 225º do CPC, designadamente, porque a carta veio devolvida ou porque não foi possível o contacto pessoal, e encontrando-se o citando em parte incerta, aplica-se o disposto no art. 236º do CPC.
II. Se após a pesquisa às bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, continuar a não ser possível a citação pessoal do citando, então há lugar à citação edital (n.º 6 do art. 225º e art. 240º do CPC).
III. O art. 239º do CPC regula ainda a citação do residente no estrangeiro, nomeadamente mediante carta rogatória e citação edital.
IV. O facto de o n.º 6 do art. 188º do CIRE estipular que a citação daqueles que devem ser afetados pela qualificação de insolvência deve ser pessoal, não afasta nem contraria as regras gerais, segundo as quais, uma vez frustrada a citação pessoal, se deve proceder à citação pelas demais vias, conforme exposto supra.
V. Neste caso, não tem aplicação o disposto no art. 12º do CIRE, porquanto, no âmbito de um incidente de qualificação da insolvência, as pessoas que o Juiz entende como as que devem ser afetadas por tal qualificação, geralmente os administradores/gerentes da sociedade insolvente, são citados para se oporem, isto é, para virem aos autos defender posições próprias (mediante a sua audição pessoal). E já não para virem aos autos em representação do devedor (sociedade insolvente).
VI. Tendo o defensor oficioso dado conhecimento ao Tribunal a quo de que não conseguiu contactar o ora recorrente, impendia sobre o Tribunal a quo ordenar as citações necessárias, a fim de o ora recorrente tomar conhecimento dos autos e dos meios legais que tinha à sua disposição bem como os respetivos prazos. O Tribunal a quo tinha o dever de diligenciar nesse sentido (art. 6º do CPC), ordenando novas citações, e não o fez.
VII. Apesar de o Tribunal a quo entender que “no incidente de qualificação da insolvência não há lugar à citação edital, pois que a citação é, nos termos do artigo 188.º, n.º 6 do CIRE, pessoal”, a realidade é que na prática jurídica se verifica que, uma vez frustrada a citação pessoal do citando para se opor ao incidente da qualificação de insolvência, o Juiz ordena a citação edital do mesmo.
IX. No presente caso, apesar de o Tribunal a quo desconhecer o paradeiro do requerido AA (estava em parte incerta), de ter apurado moradas no estrangeiro e conhecer a sua nacionalidade (….), não ordenou a sua citação edital, nem a citação por carta rogatória, tendo sido violado o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 239º, arts. 240º e art. 241º do CPC.
X. Ao contrário do que o Tribunal a quo entendeu, o desconhecimento do ato de citação não é imputável ao citando porque a morada que consta do registo comercial estava atualizada. O ora recorrente desconhece o porquê de a missiva ter sido devolvida com a indicação “endereço insuficiente”, não lhe podendo ser assacada qualquer responsabilidade ou culpa por esse facto.
XI. Quanto à falta de notificação da sentença da qualificação de insolvência, não tem aplicação o preceituado no art. 247º do CPC, mas antes no art. 249º do CPC porquanto o recorrente não constituiu mandatário.
XII. Diferentemente, foi-lhe nomeado um defensor oficioso, o qual, como resulta dos autos, nunca o contactou e nunca lhe deu conhecimento de nenhum facto.
XIII. Tendo o defensor oficioso dado conhecimento ao Tribunal a quo de que não conseguiu contactar o ora recorrente, impendia sobre o Tribunal a quo ordenar as notificações/citações necessárias, a fim de o ora recorrente tomar conhecimento dos autos e da sentença proferida. O Tribunal aquo tinha o dever de diligenciar nesse sentido (art.6º do CPC), ordenando novas citações, e não o fez.
O Tribunal da Relação …., por acórdão de 1 de Julho de 2021, julgou, por motivos totalmente distintos dos perfilhados em 1ª instância, a apelação improcedente.
Concretamente referiu-se nesse aresto:
“(...) a arguição da nulidade processual não é, face ao trânsito em julgado, o meio processual idóneo para a processualização da pretensão do apelante. A qual deve ser intentada, se verificados os restantes requisitos, através da interposição de um recurso de revisão, no qual se verificará se o apelante deu ou não causa à nulidade e se cumpriu os prazos de caducidade. Sendo que o tribunal não pode, nesta fase convolar o pedido processual de nulidade nessa diferente forma de tutela”.
Interpôs, então, AA recurso de revista contra o acórdão do Tribunal da Relação ….., apresentando as seguintes conclusões:
A. No caso sub iudice, a decisão confirmatória da 2ª Instância contém uma fundamentação essencialmente diferente daquela em que assentou a decisão da 1ª Instância, na medida em que a argumentação utilizada pelo Tribunal da Relação assentou num enquadramento jurídico totalmente diferente, que se afasta distintamente da fundamentaçãodadecisãoapelada.
B. Pelo que por estarem verificados todos os requisitos gerais da recorribilidade da decisão (valor, sucumbência, legitimidade, tempestividade e o acórdão ter posto termo ao processo) e por a fundamentação das duas decisões ser essencialmente diferentes, o recurso de revista é admissível.
C. Acresce que, in casu, o acórdão recorrido não apreciou nem decidiu as questões suscitadas pelo apelante, tendo antes, julgado a apelação improcedente por a arguição das nulidades processuais, dado o trânsito em julgado da decisão, não ser o meio processual próprio para a apreciação das mesmas.
D. Ora, dispõe o n.º 3 do art. 193º do CPC que "o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados”. É um ato que a lei prescreve e que deve ser cumprido.
E. De facto, tendo o Tribunal da Relação, oficiosamente, detetado tal erro, deveria também ele (é um poder-dever), oficiosamente, ter corrigido o mesmo e, consequentemente, determinado que se seguissem ostermosprocessuais adequados.
F. Com o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo ao não ter convolado o pedido processual de nulidade no recurso de revisão, tal como a lei o impunha, incorrendo em violação da lei processual, conforme dispõe a alínea b) do nº 1 do artigo 674º do CPC.
G. Com o aditamento do n.º 3 ao art. 193º do CPC, “o legislador de 2013 pretendeu alargar ainda mais os poderes do juiz para que a descoberta da verdade e a realização da justiça sejam consecutidas, sem que a tal possam obstar erros ou lapsos meramente formais de jaez unicamente processual, rectius a qualificação e enquadramento jurídicos de certa alegação e/ou pedido. Pois que permitiu/impôs ao juiz a sua intervenção pedagógica e construtiva, não relativamente ao erro mais grave que é o da escolha da forma do processo, como (…) [a] qualificação jurídica do meio processual utilizado”.
H. A não convolação em recurso de revisão, violou os princípios da economia, da gestão processual (art. 6º do) e da adequação formal (art. 547º do CPC).
I. Por outro lado, a não convolação do pedido processual de nulidade no recurso de revisão implicou, também, o não conhecimento do direito que o Recorrente visa exercer com essa arguição.
J. Isto é, coma arguiçãodas nulidades processuais defaltade citação (art. 188º/6 CIRE, art. 239º/3 e 4 CPC ex vi art. 17º CIRE) e de falta de notificação (art. 249º/5 CPC ex vi art. 17º CIRE), o Recorrente pretendia que os termos subsequentes do processo fossem anulados, de forma que pudesse exercer o seu direito ao contraditório face aos alegados factos que nesse incidente de qualificação lhe estavam a ser (incorretamente) imputados.
K. A não convolação no meio processual correto, tal como a lei o impunha, teve, portanto, consequências ao nível da defesa dos direitos do ora Recorrente, que ficou impossibilitado de dar a sua versão dos factos ao Tribunal e, com isso, seguramente, deixar de ser afetado pela referida qualificação da insolvência como culposa.
L. Pelo que se encontram igualmente verificados os fundamentos da Revista atinentes à violação de lei substantiva, conforme dispõe a alínea a) do nº 1 do artigo 674º do CPC.
Acresce, ainda, que,
M. O Tribunal a quo não especificou os fundamentos, de facto nem de direito, que justificaram a sua decisão de não convolação, nulidade prevista no art. 615º, n.º 1, al. b), aplicável aos acórdãos da Relação por força do art. 666º, n.º 1 do CPC.
N. In casu, existiu uma
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