Acórdão nº 3714/15.7T8LRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 06-09-2022

Data de Julgamento06 Setembro 2022
Case OutcomeCONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Classe processualREVISTA
Número Acordão3714/15.7T8LRA.C1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça





Acordam em conferência na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório

1. BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, SA, SOCIEDADE ABERTA propôs contra AA, BB, CC e DD, acção declarativa sob a forma de processo comum, pedindo:

- que seja declarada a ineficácia, em relação à Autora:

1. do acto de doação da propriedade de raiz a favor do 2.º e 3.º Réus, do imóvel sito no ..., Lote ...4, freguesia ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...84;
2. do acto de doação do usufruto/da nua propriedade a favor da 4.ª Ré, do referido imóvel;
3. da reserva de usufruto a favor do 1.º Réu relativamente ao mesmo imóvel;
- seja ordenada a restituição do imóvel (quer da propriedade de raiz, quer da nua propriedade) ao património do 1.º Réu, continuando a responder pelos créditos de que a Autora é titular;
4. seja declarado o direito da Autora a praticar os actos de conservação de garantia patrimonial e ainda o direito de execução no património dos obrigados à restituição.

Invocando a existência de um crédito relativamente ao 1.º Réu (que se constituiu em 12-11-2009 e 20-05-2008, no valor global de € 1.633.896,60, acrescendo os respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento e custos com as acções executivas intentadas) e alicerçada no disposto no artigo 610.º, do Código Civil, considera a Autora que as doações levadas a cabo pelo 1.º Réu (com clara intenção de defraudar as legítimas expectativas do credor) fizeram desviar do património deste o bem de maior valor pecuniário e o único sobre o qual não existiam quaisquer ónus e encargos, por forma a dificultar ou tornar impossível a satisfação integral do seu crédito. Conclui, por isso, que os Réus agiram com conhecimento e consciência do prejuízo que as doações causavam à Autora.

2. Após citação os Réus (o 1.º, por si e em representação dos 2.º e 3.º Réus e a 4.ª Ré, em representação do 2.º Réu)[1] contestaram impugnando a existência dos pressupostos para a procedência da acção, tendo sido excepcionada a caducidade do direito da Autora.

3. Dispensada a audiência prévia e fixado o valor da causa, foi proferido saneador que julgou improcedente a excepcção de caducidade. Após, o tribunal delineou o objecto do litígio e enunciou os temas de prova.

4. Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou procedente a acção, decidindo nos seguintes termos:

2. Declara-se a ineficácia em relação ao Autor BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., SOCIEDADE ABERTA, do acto de doação da propriedade de raiz a favor do 2.º Réu BB e 3.ª Ré CC, celebrado por escritura pública lavrada no Cartório Notarial ..., perante a Dra. EE, celebrada em 11/11/2010;

3. Declara-se a ineficácia em relação ao Autor BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., SOCIEDADE ABERTA, do acto de doação do usufruto / da nua propriedade a favor da 4ª Ré DD, celebrado por escritura pública lavrada no Cartório Notarial ..., perante a Dra. EE, celebrada em 11/11/2010;

4. Declara-se a ineficácia em relação ao Autor BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., SOCIEDADE ABERTA, da reserva de usufruto a favor do 1.º Réu AA;

5. Declara-se que o Autor BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., SOCIEDADE ABERTA, tem direito à restituição quer da propriedade de raiz, quer da nua propriedade, do “Prédio urbano sito no ..., Lote ...4, freguesia ... – ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...84 e inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ..., ... e ... sob o artigo ...27” ao património do 1.º Réu AA, na medida do interesse do Autor, continuando a responder pelos créditos de que o Autor BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., SOCIEDADE ABERTA, é titular;

6. Declara-se o direito do Autor BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., SOCIEDADE ABERTA, a praticar os actos de conservação de garantia patrimonial e ainda o direito de execução no referido prédio”.

5. Inconformado apelou o Réu AA tendo impugnado a matéria de facto fixada na sentença:

6. O tribunal da Relação de Coimbra proferiu acórdão que, não obstante ter alterado alguns pontos da matéria de facto fixada (n.ºs 3, 12 a 16, aditando os n.ºs 23 e 24), confirmou a sentença.

7. Novamente inconformado, o Réu AA recorre de revista, imputando ao acórdão recorrido a violação do artigo 5.º, do Código de Processo Civil, e dos artigos 610.º e 611.º, do Código Civil.

Conclui nas suas alegações (transcrição):

1ª - Vem o presente recurso interposto, do aliás douto acórdão, o qual pese embora tenha dado como provado que “- O Réu, à data da doação, era titular de diversos produtos financeiros e PPRs, no valor global de 183.239,21 €, conforme documentos fls. 575 e 586 dos autos. - A empresa E..., Lda, à data da doação, era igualmente proprietária de 1/5 de um prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...58 da freguesia ..., quota parte esta avaliada em 152.400,00 € e a empresa P..., Lda, à data da aquisição, era igualmente proprietária dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...47 e ...48 da freguesia ... e ...83 da freguesia ..., prédios estes avaliados em 6.392.767,00 €, conforme documentos juntos aos autos em 02 de Março de 2020.”, decidiu não aditar estes actos à matéria data como provada;

2ª – O Recorrente no recurso que interpôs relativamente à decisão proferida pela 1ª instância, alegou que deveria ser dado como provado que o Recorrido, à data da doação, era titular de diversos produtos financeiros e PPRs, no valor global de 183.239,21 € e que a empresa E..., Lda, à data da doação, era igualmente proprietária de 1/5 de um prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...58 da freguesia ..., quota parte esta avaliada em 152.400,00 € e a empresa P..., Lda, à data da aquisição, era igualmente proprietária dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...47 e ...48 da freguesia ... e ...83 da freguesia ..., prédios estes avaliados em 6.392.767,00 €, tudo conforme documentos juntos aos autos.

3ª - No douto acórdão recorrido foi entendido que esta matéria se encontrava de facto provada,

4ª -No entanto, foi igualmente entendido que os referidos factos não poderiam ser aditados aos factos dados como provados, porquanto se tratava de factos que não foram considerados pelo tribunal de 1ª instância;

5ª – Para suporte deste entendimento o douto acórdão recorrido lança mão do que a propósito foi decidido em dois acórdão, um da Relação do Porto e outro da Relação de Évora;

6ª – No Acórdão da Relação do Porto de 15 de Setembro de 2014, proferido no âmbito do processo nº 3596/12.0TJVNF.P1, começa por ser afirmado que o juiz pode, mesmo oficiosamente e sem requerimento de nenhuma das partes, considerar os factos essenciais que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado, bastando que a parte tenha tido a possibilidade de se pronunciar sobre tais factos.

7ª – Contudo, naquele acórdão é ainda afirmado que, pese embora o legislador na redacção do artigo 5º do NCPC não tenha limitado o conhecimento daqueles factos à manifestação de vontade da parte interessada, ainda assim, se o senhor juiz do processo o não fez, teria de ter sido a parte a fazê-lo e não tendo acontecido nenhuma destas duas hipóteses, não podia aquele tribunal da Relação proceder à ampliação da matéria de facto, por este motivo.

8ª - Ora, o entendimento do Tribunal da Relação do Porto de que, pese embora a legislador não tenha mantido a necessidade de haver requerimento de uma das partes para que o Juiz considere os factos que sejam complemento ou concretização dos alegados, tais factos não poderem ser considerados, caso o Juiz da causa não tenha feito uso de tal possibilidade e nesse caso a parte o não tenha feito em momento oportuno, não pode ser acolhido.

9ª - Os factos que o Recorrente pretende que sejam dados como provados, resultaram da instrução e discussão da causa e constam de documentos juntos aos autos, sobre os quais a parte contrária teve oportunidade de se pronunciar, não apenas quando os mesmos foram juntos, mas igualmente quando convidada a produzir as alegações, por escrito, antes da tomada de decisão pelo tribunal de primeira instância.

10ª - Nada na lei pode levar ao entendimento de que, caso o Juiz pretenda considerar na sentença os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado, tenha de dar prévio conhecimento às partes para que se possam pronunciar sobre esta sua intenção, pois o que a lei permite é que a parte se pronuncie com relação aos documentos.

11ª – Além disso, quando uma parte se pronuncia sobre a junção de documentos pela outra parte, tem a faculdade de se pronunciar sobre a oportunidade da junção e igualmente sobre o documento e a prova que se pretende obter com o mesmo.

12ª - Da letra da lei não decorre a impossibilidade de aditamento à matéria de facto, de factos que constituam complemento ou concretização dos alegados pelas partes, pelo Tribunal da Relação, quando não considerados pelo Tribunal de 1ª instância, tanto mais que é o próprio tribunal recorrido quem admite no seu douto acórdão que aqueles factos se consideram provados.

13ª – A outra decisão que é indicada no douto acórdão recorrido para suportar a decisão de não aditamento destes factos diz respeito a um Acórdão da Relação de Évora que se pronuncia sobre um recurso em processo laboral, o qual analisa a norma contida no artigo 72º do Código do Processo de Trabalho, cujos princípios não se aplicam ao presente caso.

14ª - No douto acórdão recorrido não se encontra devidamente fundamentada esta recusa de aditamento aos factos provados, porquanto a mesma não pode ter por base o artigo 5º do NCPC, conforme melhor se deixou explicitado.

15ª–Por outro lado, atendendo ao aditamento efectuado pelo acórdão recorrido, de dois novos factos, que provam a existência de bens em nome de duas das sociedades e ao facto de outros dois factos se...

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