Acórdão nº 37/20.3T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01-10-2020

Data de Julgamento01 Outubro 2020
Número Acordão37/20.3T8PTL.G1
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1):

I – RELATÓRIO

1.1. T. A., Unipessoal, Lda., instaurou procedimento cautelar de restituição provisória de posse contra M. N. e A. J., pedindo a restituição provisória à Requerente da posse do prédio urbano sito na Rua ..., nºs …, da freguesia de ..., Ponte de Lima, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº .../19112002 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ..., bem como a fixação de uma sanção pecuniária no valor de € 300,00 sempre que seja violada a posse da Requerente.
Após produção de prova, foi proferida decisão a ordenar «a restituição imediata à Requerente da posse do prédio identificado no artigo 2.º do requerimento inicial» e a «condenar os Requeridos a pagar o valor de € 300,00 a título de sanção pecuniária compulsória sempre que seja violada a posse da requerente na sequência da restituição ora ordenada – cf. artigo 365º, nº2 CPC».
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1.2. Os Requeridos deduziram oposição, separadamente.
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1.3. Realizada a audiência final, foi proferida decisão a julgar improcedentes as oposições e a manter a providência cautelar de restituição provisória de posse.
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1.4. Inconformado, o Requerido A. J. interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
«I. Com o presente recurso, os Recorrentes pretendem colocar em crise a decisão proferida, e que julgou improcedentes as oposições apresentadas, por não provadas, mantendo a decisão que decretou a providência de restituição provisória da posse, porquanto pretendem demonstrar que a sentença recorrida viola várias normas jurídicas.
II. Os procedimentos cautelares pautam-se por princípios de urgência e analisam a prova produzida de forma indiciária, o que ainda assim não altera o que infra melhor vamos explanar.
III. Determina o artigo 377.º do Código de Processo Civil (CPC) que “No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.”
IV. Podemos definir como esbulho a conduta adotada de molde a tornar impossível a continuação da posse, seja através de obstáculos físicos ao acesso à coisa, seja através de meios que impedem a utilização pelo possuidor da coisa esbulhada, sendo certo que a violência no esbulho pode traduzir-se numa ação física exercida sobre as coisas como meio de coagir o esbulhado a suportar uma situação contra a sua vontade – a este propósito, veja-se o disposto no douto Aresto do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/11/2011.
V. “A ação de restituição de posse pode ser intentada pelo esbulhado ou pelos seus herdeiros, não só contra o esbulhador ou seus herdeiros, mas ainda contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho.” – artigo 1281.º, n.º 2 Código Civil.
VI. Analisados os factos provados, que aqui damos por integralmente reproduzidos, apura-se inequivocamente que todos os factos que se relacionam com o esbulho e com a violência, e que permitem, a final, que o tribunal recorrido conclua pela existência indiciária dos fundamentos da providência requerida (a posse, o esbulho e a violência), se reportam exclusivamente à Requerida e, algumas vezes, a um terceiro (o seu pai).
VII. Apenas vem o Recorrente referido no que se reporta à propriedade do imóvel e ao casamento com a Requerida.
VIII. Não resulta provado que o Recorrente tenha exercido qualquer ato de violência, quer contra a Requerente ou qualquer seu representante legal ou funcionário; não resulta provado que o Recorrente tivesse, ainda ou em alternativa, exercido qualquer ato de violência contra o bem imóvel melhor descrito nos autos; assim como não resulta provado que o Recorrente tivesse, assim, colocado em crise qualquer posse, ou mera posse, da Requerente ou de terceiros.
IX. O Recorrente nem sequer se encontra a residir em território nacional e não tem nem nunca teve qualquer relação com os factos provados na douta sentença de que ora se recorre!
X. E muito menos dos mesmos tinha conhecimento dos factos provados, levados a efeito pela Requerida - só teve conhecimento do dito e alegado contrato de comodato muitos meses após a sua alegada celebração e já no ano de 2020.
XI. Não resultando da matéria de facto provada que o Recorrido tivesse conhecimento dos factos praticados exclusivamente pela Requerida (e pontualmente pelo pai desta), sendo que apenas os atos pela mesma praticados são suscetíveis de preencher os conceitos de esbulho e de violência.
XII. Da prova produzida resulta que o Recorrente não é nem nunca foi o esbulhador, não estava na posse da coisa e não tinha conhecimento do alegado esbulho.
XIII. A sentença doutamente proferida deveria ter concluído pela ilegitimidade do Recorrente, nos termos do disposto no artigo 1281.º, n.º 2 Código Civil.
XIV. Revestindo uma exceção dilatória, e decorrendo da prova produzida, o juiz a quo podia e devia ter apreciado oficiosamente a ilegitimidade do Recorrente, porquanto inexiste fundamento para o condenar nos termos peticionados – tudo conforme dispõem os artigos 577.º e 578.º do CPC.
XV. Assim não fazendo, a doutamente proferida sentença recorrida violou o disposto nos artigos 1281.º do Código Civil e 577.º e 578.º CPC.

Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e ser a sentença revogada, como é de DIREITO E JUSTIÇA!».
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1.5. Também a Requerida M. N. interpôs recurso de apelação, onde formula as seguintes conclusões:

«1 - A Requerida mulher, ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida que decidiu pela procedência da providência cautelar ordenando a restituição da posse do imóvel em causa à Requerente e bem assim, condenar os Requeridos no pagamento de uma sanção pecuniária no valor de € 300,00, sempre que seja violada a posse da Requerente.
2 - Embora na sua generalidade consideremos o enquadramento jurídico levado a cabo pelo Tribunal a quo correcto, porém, atentas as especificidades do caso sub judice, provadas mediante a documentação junta aos autos e as declarações prestadas quer pelas partes, quer pelas testemunhas por si arroladas, discordamos da lógica de raciocínio seguida pelo julgador, nomeadamente a fundamentação por si utilizada para decidir do presente procedimento, que deveriam conduzir a outro resultado.
3 – Desde logo, da análise dos arts. 1279º do C.C. e 393º do C.P.C., podemos concluir que são três os requisitos a serem preenchidos para que o presente procedimento cautelar possa ser decretado – a posse; o esbulho e a violência.
4 - O Prof. António Geraldes refere que “sem prejuízo do poder de averiguação atribuído ao Tribunal, incumbe ao Requerente o ónus da prova dos factos constitutivos do direito por si invocado e que no caso sub judice traduzem-se em fazer prova da posse, do esbulho e da violência.”
5 - “Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real” – art. 1251º do CC.
6 - Traduzindo-se pois, na exteriorização de um direito real que se define por dois elementos: o corpus (elemento material) e o animus (intenção de exercer um determinado direito real como se fora seu titular).
7 – Logo, o conceito de posse, distingue-se do conceito de detenção, uma vez que, esta engloba situações em que, embora haja exercício do poder de facto sobre uma coisa, não existe o animus possidendi – artigos 1251º e 1253º do C.C.
8 - Neste sentido, os artigos 1259º, nº 1, 1260º, n.ºs 1 e 3 do C.C. 1261º, n.º 1 e 2, todos do C. C.“.
9 - No caso sub judice atenta a prova produzida, estamos em crer que o requisito do animus não se encontra demonstrado na sua globalidade, porquanto, a Requerente, demonstrou a existência do “corpus” mas não logrou demonstrar a existência a seu favor do “animus”.
10 - Ora, a prova da existência destes dois elementos, é fundamental para a determinação da posse, competindo à Requerente sua prova.
11 - Assim, independentemente de estarmos perante uma posse titulada ou não titulada, resulta dos autos, nomeadamente dos documentos juntos e das declarações prestadas pelas partes, que a posse, no sentido do elemento “animus”, nunca existiu.
12 - O se provou é existir apenas e tão só uma mera detenção por parte da Requerente, baseada num contrato de comodato celebrado como troca de favores, assente em declarações falsas, que não correspondem à vontade das partes.
13 - A validade desse contrato, implicaria a boa-fé do possuidor do prédio no exercício do direito que invoca a seu favor e a sua convicção de que a sua actuação era verdadeira, legal e sobretudo titulada e sem que existisse qualquer violação de direito de outrem.
14 - No entanto, a Requerente, não logrou demonstrar, no exercício do seu alegado direito, a boa-fé e a convicção de que não estaria a lesar interesses de outrem.
15 - Ao contrário, a Requerida mulher, nas suas declarações de parte prestadas dia 18/06/2020 de 00:00:01 a 00:41:32), supra transcritas, prova a má fé com que a Requerente vinha exercendo esse direito e sobretudo a falta de convicção da mesma, de que o exercício daquele não estava a lesar interesses de outrem.
16 - Deixando claro que, o representante legal da Requerente sempre teve conhecimento desde o primeiro momento que a vontade declarada no contrato de comodato junto aos autos, não correspondia à vontade real das partes, e estas nunca tiveram qualquer intenção em celebrar entre si, nenhum contrato de comodato.
17 - Apenas, se tratava de um conluio, entre o representante da Requerente e a Requerida mulher, com intuito de prejudicar o Requerido marido, numa futura partilha de bens, na sequência de um processo de divórcio anunciado.
18 - Porém, a Requerente, através do seu representante legal, aproveitou o referido contrato, para explorar, em seu proveito o A.L., que os Requeridos haviam projectado para o local.
19 - Deste modo, a Requerente vem...

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