Acórdão nº 366/13.2TNLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 25-05-2023
Data de Julgamento | 25 Maio 2023 |
Case Outcome | NEGADA |
Classe processual | REVISTA (MARITIMO) |
Número Acordão | 366/13.2TNLSB.L2.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
Notícia Explicativa
AA intentou a presente acção declarativa, com forma ordinária, contra BB, herdeiro habilitado no processo de CC (1ª R); DD (2º R); EE (3º R); FF (4º R); Crustacil – Comércio de Mariscos, Ld.ª (5ª R); A..., S.A. (6ª R); R..., S.A. (7ª R); Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. (8ª R); e Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A. (designação atual) (9ª R).
Após redução do pedido, judicialmente admitida, o Autor peticionou a condenação solidária dos Réus no pagamento ao Autor das quantias seguintes: a) Quantia não inferior a € 50 000,00 (cem mil euros) pelo dano-morte, relativamente ao seu falecido pai; b) Quantia não inferior a € 5 000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo pai do Autor, entre a ocorrência e a morte; c) Quantia não inferior a € 30 000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo próprio Autor, devido à morte do seu pai; d) Quantia não inferior a € 30 000,00 pelos danos patrimoniais sofridos pelo Autor, até à data da propositura da presente acção, devido à perda de rendimentos decorrente da morte do seu pai, acrescendo, em montante a liquidar, os danos patrimoniais futuros; e) Juros moratórios, à taxa legal, sobre as indicadas quantias indemnizatórias.
Invocou ter o seu progenitor sido uma das vítimas mortais aquando do naufrágio do navio Bolama, ocorrido no dia ... de dezembro de 1991, ao largo da costa portuguesa.
O Autor tinha quatro anos de idade na data do óbito do seu pai, sendo um dos herdeiros do falecido, e sofreu relevantes danos de natureza material e imaterial com a referida perda, para além dos danos da própria vítima.
No essencial, a responsabilidade das 1.ª, 5.ª, 6.ª e 8.ª Rés resultou da circunstância de, por forma grosseiramente negligente, se ter procedido a alterações no navio sem um estudo prévio das implicações das mesmas na respectiva estabilidade; à realização de aberturas de resbordo no navio; e a cálculos e marcas de bordo livre efetuados sem rigor e com desconhecimento dos dados base; encontrando-se as 5.ª e 8.ª Rés ligadas por um contrato de seguro, pelo qual se transferiu para a seguradora (8.ª Ré) a responsabilidade civil decorrente dos danos causados pelo navio Bolama.
A responsabilidade dos restantes demandados adveio de, por forma grosseiramente negligente, terem efetuado cálculos e marcas de bordo livre sem rigor e com desconhecimento dos dados base; e, aquando das inspeções e vistorias que lhes coube realizar para a emissão do certificado de bordo livre, terem sido muitíssimo negligentes na avaliação das mencionadas alterações estruturais ao navio, emitindo a 7.ª Ré o referido certificado, quando era seu dever recusá-lo. Esta demandada estava ligada por contrato de seguro com a 9.ª Ré (antes, com a designação de AXA Portugal – Companhia de Seguros, S.A.).
Todos esses factos foram causa adequada do sucedido evento, sendo que, da conjugação dos mesmos, resultou o naufrágio do navio Bolama em 1991.
Mais tarde no processo, o Autor replicou, relativamente à matéria das exceções deduzidas, nos termos seguintes:
Inicialmente, deduziu o pedido de indemnização cível no Processo n.º 3583/91...., do ... Juízo do Tribunal de Instrução Criminal ...; mais tarde, instaurou a acção que correu os seus termos como Processo n.º 19931/97...., da ... Vara Cível de ...; em ambos, os ora Réus foram citados; quando o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão cível de absolvição da instância, com fundamento em incompetência material, proferida no último processo, o Autor instaurou a presente acção declarativa de condenação e, por força do instituto da litispendência, estando pendente uma determinada causa, durante os cerca de 15 anos que o processo demorou no foro cível até se declarar incompetente, ela não pode ser repetida; quanto ao Tribunal Marítimo, a sua criação coincidiu com o final do processo-crime e o desenvolvimento da acção cível, não existindo, na altura, jurisprudência sobre as normas definidoras da competência do Tribunal Marítimo, tendo o Autor optado pelo percurso do foro cível, desde logo por se tratar do tribunal competente a título residual.
Todos os Réus contestaram, pugnando pela improcedência da acção e sua consequente absolvição dos pedidos.
A 1.ª Ré alegou não ser a única herdeira de seu falecido marido, GG, porquanto existem e foram habilitados outros sucessores. O mesmo era engenheiro maquinista da marinha mercante e foi admitido ao serviço da 5.ª Ré para prestar serviços no domínio específico da sua formação académica, ou seja, na área da reparação e manutenção de máquinas e motores, em regime livre, sem mais. Ao falecido não lhe competia fazer, e jamais o fez, quaisquer sugestões sobre matéria de estabilidade do navio Bolama, nem sequer dispunha de atribuições/funções nesse âmbito. Em todo o caso, os valores reclamados pelo Autor constituem enormidade inaceitável.
Os 2.º, 3.º, 4.º e 7.ª Réus suscitaram a exceção dilatória de ilegitimidade do Autor, por preterição do litisconsórcio necessário ativo, com vista à sua absolvição da instância, bem como a excepção peremptória da prescrição, com vista à sua absolvição dos pedidos.
Por via de impugnação, alegaram não terem cometido nenhum acto ou omissão censuráveis, no decurso do processo de vistoria do navio Bolama e cálculo do bordo livre, não lhes sendo imputável culpa na produção do evento que determinou o naufrágio, qualquer que haja sido a sua causa – na certeza de que a não foi, nem a eventual existência das boeiras, nem as condições de estabilidade da embarcação. O navio perdeu-se porque alguma acção o inclinou ao ponto de submergir, e manter submersas, as grandes aberturas (portas, vigias, etc.) que o mesmo levava franqueadas, o que permitiu o embarque muito rápido de enormes quantidades de água, anulando a reserva de flutuabilidade do navio. As boeiras jamais tornariam possível ou poderiam importar uma contribuição relevante para o embarque da água necessária ao afundamento daquele navio, sendo indiferente haver informação sobre a sua existência.
A única tarefa que a 7.ª Ré desempenhou foi a elaboração dos cálculos necessários à marcação do bordo livre, o que não pode confundir-se com a verificação/cálculo da estabilidade da embarcação. A mesma empresa não emitiu, nem podia emitir, nenhum certificado de bordo livre ou de linhas de carga, que é da exclusiva competência das administrações de bandeira (Guiné-Bissau). A 7.ª Ré, através dos seus funcionários, limitou-se a vistoriar o navio e a calcular o bordo livre, não tendo emitido o certificado respectivo, nem teve necessidade do caderno de estabilidade. O navio havia sido inspecionado pela autoridade de bandeira, que lhe outorgou, sem restrições ou exigências suplementares, o certificado de navegabilidade. Ao elaborar o cálculo do bordo livre, a 7.ª Ré não tinha nenhuma razão para suspeitar que se não verificasse o mencionado pressuposto da estabilidade do navio. A perda deste não pode ser reparada à custa dos ora Réus, que em nada contribuíram para o seu naufrágio.
As 5.ª e 6.ª Rés também arguiram a excepção peremptória da prescrição, com vista à sua absolvição dos pedidos, apresentando, ainda, defesa por impugnação.
Alegaram que nenhum dos comportamentos atribuídos pelo Autor aos Réus na petição inicial foi tido como causa determinante do afundamento do navio Bolama. Não existindo nexo de causalidade entre as acções ou as omissões imputadas a GG, não opera o mecanismo de responsabilização das 5.ª e 6.ª Rés, expresso no petitório inicial. A intervenção do falecido GG sempre se cingiu à área de máquinas e motores, e nada mais, não tendo as mesmo quaisquer responsabilidades técnicas nos domínios da estabilidade do navio. E foi admitido ao serviço da 5.ª Ré para prestar serviços no âmbito específico da sua formação académica, ou seja, na área da reparação e manutenção de máquinas e motores, em regime livre. O embarque de cerca de 28 toneladas de lastro no fundo do porão da embarcação melhorou substancialmente a condição de estabilidade do navio Bolama, sendo que o porão do barco não foi excessivamente carregado. As operações de carregamento são da exclusiva competência dos capitães ou mestres dos navios, nos termos legais. As modificações no Seixal foram da iniciativa da 5.ª Ré, por sugestão do mestre do navio. Muito embora os Autores não hajam alegado a conexão, não existe qualquer nexo causal entre as alterações introduzidas na Dinamarca e/ou no Seixal e o afundamento do navio, naufrágio que se deveu a causas desconhecidas ou a “fortuna do mar”. A 6.ª Ré não era armadora do navio Bolama e estas Rés contestantes nunca incumbiram o falecido GG de tarefas excluídas do âmbito das suas atribuições contratuais, atrás referidas. Nenhuma das pessoas mencionadas na petição inicial foi gerente e/ou administrador das 5.ª e 6.ª Rés, sendo que os gerentes e administradores dessas Rés, nunca citados naquele articulado, quando agiram no interesse das mesmas, fizeram-no só em seu nome e representação.
Por via excepção, a 8.ª Ré fez consignar na sua contestação:
a)Seja declarado o Autor como parte ilegítima e, em consequência, absolvida a 8.ª Ré da instância; b) Seja julgado prescrito o direito de indemnização invocado pelo Autor e, consequentemente, absolvida a 8.ª Ré dos pedidos; c) Seja considerada extensível ao Autor a eficácia do caso julgado formado no Processo n.º ...93, que correu termos no Tribunal Marítimo de Lisboa, entre as partes do contrato de seguro marítimo, titulado pela apólice número ...58 e, se assim não for entendido e em qualquer caso, declarado ineficaz (sem efeitos) esse contrato de seguro, com fundamento no incumprimento pela segurada Crustacil das obrigações previstas no artigo 8.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, als. a) e c), das condições gerais (traduzido na omissão de comunicação prévia da transferência de propriedade sobre o navio...
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