Acórdão nº 3630/18.0T8VFX-C.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 24-10-2024

Data de Julgamento24 Outubro 2024
Número Acordão3630/18.0T8VFX-C.L1-2
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Em 15/9/2022 L. intentou contra J. acção para alteração da regulação das responsabilidades parentais relativas a B., filha de ambos, pedindo o aumento da pensão de alimentos fixada em € 115,00, para montante mensal não inferior a € 350,00, e alegando, em síntese, que a jovem está prestes a entrar na Universidade do Algarve, onde está matriculada, o que gera gastos adicionais com alojamento e refeições, para além das propinas e dos restantes gastos próprios da sua idade, e sendo que o valor da pensão a pagar pelo requerido, fixado por sentença de 16/9/2021, mostra-se desactualizado, já que não tem em conta estas novas necessidades, nem o aumento do custo de vida.
Citado o requerido, veio invocar, em síntese, que desde 2019, quando saiu da casa de morada de família, deixou de ser informado dos assuntos gerais da vida da jovem, bem como do seu aproveitamento escolar, recusando-se esta a conviver com o requerido e não lhe falando, do mesmo modo não lhe prestando qualquer informação acerca da candidatura ao ensino superior ou das opções de universidades e cursos, não tendo o requerido sido consultado sobre a procura de alojamento no Algarve e nem sequer sabendo onde a sua filha se encontra alojada, mas continuando a contribuir com metade das despesas decorrentes do ingresso na universidade, nos termos do regime em vigor, que prevê o pagamento de metade das despesas em causa, para além de continuar a pagar integralmente as despesas da casa de morada de família. Conclui pela improcedência da pretensão da requerente, devendo manter-se a obrigação de prestar alimentos nos termos definidos pela sentença de 16/9/2021.
Foi realizada conferência, em 9/10/2023, aí tendo sido tomadas declarações à requerente e ao requerido, e tendo ambos os progenitores sido notificados para os efeitos do disposto no art.º 39º, nº 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
O requerente e a requerida apresentaram as respectivas alegações, bem como os requerimentos probatórios.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
Em face do exposto, e pelas invocadas razões, julgo improcedente a acção – com o que:
1) Indefiro o pedido e
2) Mantenho em vigor, na vertente de alimentos e nos seus exactos termos, o regime das responsabilidades parentais fixado em benefício da jovem B.
*
Custas pela Requerente, sem prejuízo do apoio judiciário”.
A requerente recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões que aqui se reproduzem:
1.Nesta contenda discutiu-se o aumento da pensão de alimentos do pai à jovem, fixada ora em 115€, em face das circunstâncias novas que sucederam, para um valor nunca inferior a 350€.
2.Importa salientar que bastas premissas se apresentaram, para sustentar esse pedido, na causa de pedir da acção de alteração.
3.Existem novas realidades, uma endógena e outra exógena, na vida da jovem B. que foram trazidas aos autos, e que não foram tidas em conta pelo douto Tribunal aquo.
4.Uma delas, e de alguma proeminência, foi a inflação que se vive em Portugal,que é elevada, face a hiatos passados.
5.Outra foi o facto de o acordo em vigor estar, em certos segmentos, obsoleto,porquanto refere, por exemplo, despesas que já não existem: visitas de estudo.
6.A jovem estar a estudar e ter novas despesas que requerem um aumento, além deo valor da pensão actual não satisfazer as necessidades por que passa a B.
7.O Tribunal considerou, ademais, que a jovem pode aproveitar a sua capacidade de trabalho para pequenos trabalhos compatíveis com os deveres escolares.
8.À luz do actual normativo (art.º 1905º do CC), o jovem, maior de 18 anos, mas menor de 25, mantém o seu direito a alimentos, desde que esteja ainda em formação.
9.Ou seja, a lei dá um privilégio aos jovens que estejam ainda em formação, na medida em que, não podendo conciliar os estudos com o labor, não vejam aqueles prejudicados.
10.Devemos, pois, perceber que o elemento histórico na hermenêutica desta lei é fundamental, sendo a sua ratio obviar que os jovens ainda em formação se vejam obrigados a estudar e trabalhar ao mesmo tempo.
11.Ora, se o jovem ainda está em formação, nenhum sentido fará que se veja obrigado a trabalhar, quando tem pais que o podem ajudar, tendo em conta, aliás, as suas obrigações parentais, relativamente à pessoa dos filhos.
12.Não é despiciendo lembrar que o art.º 70º da CRP determina: «1.Osjovensgozamdeprotecçãoespecialparaefectivaçãodosseusdireitoseconómicos,sociaiseculturais,nomeadamente:a)Noensino,naformaçãoprofissionalenacultura;»
13.Este panorama ilustra a razão da nossa discordância quanto aos fundamento do Tribunal, no sentido em que a jovem pode ir fazer pequenos trabalhos.
14.De facto, o sistema jurídico visa dar uma protecção aos jovens, privilegiando os seus estudos, com a ajuda dos pais, sem terem necessidade de recorrer a um emprego em tempo parcial.
15.De resto, é uma evidência que a inflação em Portugal é de vulto actualmente, atingindo níveis há muito desconhecidos.
16.Em Março deste ano, estava em 2,3%, sendo que subiu em Abril para 2,6% e hoje desceu para novamente 2,3%, segundo dados do Banco de Portugal.
17.Os valores da inflação não somente devem nortear o valor da pensão de alimentos (que os deve acompanhar), mas também é causa de um pedido de aumento.
18.A subida da inflação aumenta, por inerência, o custo de vida.
19.«I-Tem-seentendidoqueoaumentodocustodevidaconstitui,porsi,fundamentoparasealteraromontantedosalimentosfixadosamenores.» (destacados nossos) (em Acórdão do TRP, processo nº 9521150, relator: Dr. Soares de Almeida)
20.Ora, é patente que, em face das circunstâncias conjunturais da economia portuguesa, se assume bastante relevante que seja a pensão de alimentos actualizada e aumentada.
21.Mais – o Tribunal aquo não relevou os documentos carreados para os autos pela ora recorrente, não fazendo isso prova, assim, de que as despesas que lá constam se reportam à jovem.
22.Todas as despesas são reflexos de gastos com a jovem B., pois que se referem a compras de supermercado para esta comer, telecomunicações, água, luz e gás para esta consumir.
23.O Tribunal aquo considerou que o pai da jovem, ao dar-lhe casa, já está a pagar-lhe alimentos; porém, o que é certo é que, durante 17 anos, a recorrente ajudou o recorrido a pagar o crédito à habitação, enquanto durou a união de facto do casal.
24.«Adefiniçãodealimentosnãodeveserinterpretadaàletra.Seseconsiderassequeosustentoabrangiaapenasasnecessidadesligadasaalimentação,eumavezqueasexpressõeshabitaçãoevestuáriotêmalcancepreciso,ficariademasiadorestritooâmbitodadefinição,poisoalimentadopodecarecerdemaisalgumacoisaparaviver,como,porex.,despesasdetratamentos,dedeslocaçãoeoutras.Porconseguinte,parecedeverentender-secomoalimentostudooqueéindispensávelàsatisfaçãodasnecessidadesdavidasegundoasituaçãosocialdoalimentado.[...]» (destacado nosso) (em RLJ, 102º-262, Prof. Adriano Vaz Serra)
25.Há que ter em conta que se uma refeição ficar por 6€ (almoço e jantar), ao final de um mês isso corresponderá a uma cifra de 360€ (originando 180€ para cada progenitor), não contando com o pequeno-almoço e lanche, vestuário e calçado, os quais ascendem a valores mais elevados.
26.Sendo, assim, é por demais evidente que, embora o requerido liquide metade das despesas médicas, medicamentosas, propinas e alojamento (não estando a estas últimas obrigado, porquanto não figuram no acordo), outrasdespesasexistemquesenãocompaginamcom115€mensais,poisqueajovemprecisadebastantemaisdoque230€(valordasomade115€doprogenitorcom115€daprogenitora)paraviver.
27.É de salientar que, não tendo sido esse o entendimento do Tribunal aquo, discordamos deste.
28.E além de considerarmos que os factos provados estão incompletos e incorrectamente fixados, porquanto não foram valorados os recibos apresentados pela recorrente, consideramos, ademais, que foi mal aplicado o direito aos factos dados como assentes.
29.Em face daquilo que já se apresentou – custo de vida alto, novas vivências e despesas da jovem, e o nº 2 do art.º 1095º do CC -, foi ainda considerado que a jovem, ao mandar as mensagens apostas nos autos ao pai, poderia ver legitimada a cessação da prestação de alimentos por parte deste.
30.Vejamos: do que sobressaiu na audiência de discussão e julgamento, nada faz supor que a jovem B. está, ou esteve, a incumprir os seus deveres de filha, mormente os consagrados no art.º 1874º do Código Civil;
31.Tanto mais que não resultou provado, em julgamento, que alguma vez haja oprogenitor pedido auxílio ou assistência à filha, estando com essa necessidade,vendo os mesmos serem negados.
32.Nunca a jovem B. faltou, de resto, ao respeito ao seu progenitor, pautando arelação de ambos pela urbanidade e decoro.
33.Isso afere-se, de qualquer maneira, das mensagens de whatsapp que estão juntas aos autos.
34.Se, por um lado, existem umas certa reticências da jovem em relação ao pai, por outro, existe uma relação de solidez considerável e respeito mútuo, não sendo, por parte da jovem, nunca ultrapassadas as barreiras da boa-educação.
35.Assim sendo, e em termos transversais, em face das novas circunstâncias (quer conjunturais do país, quer do acréscimo de despesas de que se fez prova), necessita a pensão de alimentos de ser aumentada.
36.TendoodoutoTribunalaquodecididonãojulgarprovadasasdespesasdajovemapresentadas,consideramosquejulgouincorrectamente,porquanto,alémdeestashaveremsidoconfessadaspelamãe,orarecorrente,demonstramdespesasqueamesmanuncafariasozinha;equefazporquetemajovemconsigo,eparasi.
37.OTribunalaquodeveriaterdadoc
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