Acórdão nº 362/08.1JAAVR-DJ.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 19-11-2020
Data de Julgamento | 19 Novembro 2020 |
Case Outcome | JULGADO O RECURSO IMPROCEDENTE. |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 362/08.1JAAVR-DJ.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Proc. n.º 362/08.1JAAVR-DJ.S1
5.ª Secção
Concurso (reformulação de cúmulo jurídico)
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
No âmbito do Processo n.º 362/08….. do Juiz … do Juízo Central Criminal .…, por acórdão cumulatório do tribunal colectivo de 19 de Março de 2020, AA foi condenado na pena única de 12 anos de prisão, a qual integrou as seguintes penas parcelares resultantes de condenação dos seguintes crimes:
1. Um crime de corrupção activa para acto ilícito, previsto e punido pelo art.º 374.º, n.º 1, do Código Penal (Parte II - BB) – pena de 2 e 3 meses de prisão;
2. Um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1, do Código Penal (Parte II – T…..) – pena de 1 ano e 9 meses de prisão;
3. Um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos art.ºs 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal (Parte II – S….) – pena de 3 anos e 3 meses de prisão;
4. Um crime de corrupção activa para acto ilícito, previsto e punido pelo art.º 374.º, n.º 1, do Código Penal (Parte II - CC) – pena de 2 anos e 3 meses de prisão;
5. Um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos art.ºs 22.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal (Parte II – E……) – pena de 2 anos e 3 meses de prisão;
6. Um crime de corrupção activa para acto ilícito, previsto e punido pelo art.º 374.º, n.º 1, do Código Penal (Parte II - DD) – pena de 2 anos e 3 meses de prisão;
7. Um crime de corrupção activa para acto ilícito, previsto e punido pelo art.º 374.º, n.º 1, do Código Penal (Parte II – EE) – pena de 2 anos e 3 meses de prisão;
8. Um crime de corrupção activa para acto ilícito, previsto e punido pelo art.º 374.º, n.º 1, do Código Penal (Parte II - FF) – pena de 2 anos de prisão;
9. Um crime de corrupção activa para acto ilícito, previsto e punido pelo art.º 374.º, n.º 1, do Código Penal (Parte II - GG) – pena de 2 de prisão;
10. Um crime de perturbação de arrematações, previsto e punido pelo art.º 230.º do Código Penal (Parte II) – pena de 9 meses de prisão;
11. Um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal (Parte II - L.....) – pena de 3 anos de prisão;
12. Um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1, do Código Penal (Parte II - V....) – pena de 2 anos de prisão;
13. Um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1, do Código Penal (Parte II - T.....) – pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
14. Um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal (Parte II - C.....) – pena de 3 anos e 9 meses de prisão;
15. Um crime de corrupção activa para acto ilícito, previsto e punido pelo art.º 374.º, n.º 1, do Código Penal (Parte III - HH) – pena de 2 e 6 meses de prisão;
16. Um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal (Parte III - CAM II) – pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
17. Um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal (Parte III - CTO) – pena de 3 anos e 6 meses;
18. Um crime de corrupção activa no sector privado, previsto e punido pelo art.º 9.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 20/2008, de 21-04 (Parte III - II) – pena de 6 meses de prisão;
19. Um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1, do Código Penal (Parte III - V......) – pena de 1 ano e 6 meses;
20. Um crime de falsificação de notação técnica, previsto e punido pelo art.º 258.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal (Parte III - 2009 / V......) – pena de 9 meses de prisão;
21. Um crime de tráfico de influência, previsto e punido pelo art.º 335.º, n.º 2, do Código Penal (Parte IV - JJ) – pena de 2 anos de prisão;
22. Um crime de tráfico de influência, previsto e punido pelo art.º 335.º, n.º 2, do Código Penal (Parte IV - LL) – pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
23. Um crime de corrupção activa para acto ilícito, previsto e punido pelo art.º 374.º, n.º 1, do Código Penal (Parte IV - MM) – pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
24. Um crime de corrupção activa no sector privado, previsto e punido pelo art.º 9.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 20/2008, de 21-04 (Parte IV - LL) – pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
25. Um crime de corrupção activa para acto ilícito, previsto e punido pelo art.º 374.º, n.º 1, do Código Penal (Parte V - NN) – pena de 1 ano e 9 meses de prisão;
26. Um crime de corrupção activa para acto ilícito, previsto e punido pelo art.º 374.º, n.º 1, do Código Penal (Parte V - OO) – pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
27. Um crime de corrupção activa no sector privado, previsto e punido pelo art.º 9.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 20/2008, de 21-04 (Parte VI - PP) – pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
28. Um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos art.ºs 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal (Parte VI) – pena de 4 ano e 6 meses de prisão;
29. Um crime de corrupção activa para acto ilícito, previsto e punido pelo art.º 374.º, n.º 1, do Código Penal (Parte VII - QQ) – pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
30. Um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos art.ºs 22.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal (Parte IX) – pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
31. Um crime de corrupção activa no sector privado, p. e p. pelo artigo 41.º- C, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20-01 (Parte X - RR) – pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
32. Um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal (Parte X) – pena de 3 anos e 3 meses de prisão;
33. Um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1, do Código Penal (Parte X) – pena de 2 anos de prisão;
34. Um crime de tráfico de influência, previsto e punido pelo art.º 335.º, n.º 2, do Código Penal (Parte XII - SS) – pena de 1 ano de prisão;
35. Um crime de corrupção activa para acto ilícito, previsto e punido pelo art.º 374.º, n.º 1, do Código Penal (Parte XIII - TT) – pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
Inconformado, com o decidido, recorreu o arguido, recurso que subiu directamente a este Supremo Tribunal e cuja motivação rematou com as seguintes conclusões:
1. A Douta decisão recorrida confessa-se tolhida na respectiva actividade judicativa pela coincidência constrangedora na hipótese concreta de um colete de forças advindo da força do caso julgado, decorrente do ne bis in idem, e do princípio da igualdade.
2 Na verdade, a força centrípeta desses vectores obrigaria a presente decisão a afunilar em direcção ao anteriormente decidido,
3 A erigir-se como “colete de forças”, inexpugnável e intransponível, a condicionar o sentido da decisão agora a proferir.
4. Salvo o devido respeito, tal concepção emerge profundamente errónea.
5. Na verdade, se é certo que a norma normarum, no n.º 5 do seu artigo 29º, estatui, com impressiva e notável clareza que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, tal só significa apenas o que lá se lê...
6. Ou seja, que qualquer cidadão, uma vez julgado, vê o poder punitivo do Estado – até por consideração do valor imanente da racionalidade – exaurido relativamente a si, no que tange àquele concreto objecto processual.
7. No entanto, uma leitura do aludido preceito no sentido de constituir caso julgado para a realização de uma operação de cúmulo jurídico uma outra anteriormente levada a cabo com o mesmo fim, é insustentável e violadora do conteúdo da sobredita norma constitucional.
8. Até porque, em tais casos, as penas fixadas por decisões anteriores perdem autonomia passando a integrar, mercê de um novo juízo de valoração sobre a integralidade dos factos e personalidade do arguido, a nova – e única/conjunta – pena fixada.
9. De facto, em um novo cúmulo, tudo se passa ex novo ponderando-se a integralidade dos factos conjuntamente com a personalidade do agente de acordo com o regime plasmado no art.º 77.º do CP.
10. Vale por dizer que o cúmulo jurídico obedece apenas à respectiva teleologia legal, sem se tornar refém de hipotéticas soluções anteriormente seguidas.
11.E se assim é em casos de cúmulo por conhecimento superveniente do concurso, o mesmo se passa quando a pena unitária venha a ser fixada pelo desaparecimento do mundo juridicamente significante de parte dos crimes em que se havia sido condenado.
12. Na verdade, nesta hipótese é manifesta a impossibilidade de invocação do caso julgado, dado que a factualidade nova – por ablação parcial do respectivo objecto – implica obrigatoriamente uma actividade hermenêutica que traduza uma subsunção nova.
13. Conclusão idêntica – isto é, errada concepção adoptada pela Douta decisão recorrida – será obtida quando analisada a questão pela óptica do princípio da igualdade, plasmado no artigo 13º da CRP.
14. Com efeito, o sobredito vector impõe que se trate igualmente o que é igual e, de forma distinta o que for essencialmente diferente.
15. Ou seja, o princípio em exame não preconiza a definição de uma igualdade abstracta e lógico-formal, mas visa propiciar que uma situação idêntica mereça um tratamento substancialmente igual.
16. A sua incidência não se esgota, todavia, na consideração isolada daquilo que um específico Tribunal decidiu em determinada hipótese que foi chamado a dirimir.
17. Ao contrário, implica a busca do critério e norma decisória que levaram à resolução do máximo de questões da espécie em causa.
18 Não compete aos tribunais a obtenção de uma formal e hipotética perfeição lógica, perseguindo...
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