Acórdão nº 356/13.5BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 01-10-2020

Judgment Date01 October 2020
Acordao Number356/13.5BEALM
Year2020
CourtTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul:

I. Relatório
MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do Réu ESTADO PORTUGUÊS, vem interpor recurso da decisão do T.A.F. de Almada, de 18.11.2019, que julgou parcialmente procedente a acção contra si instaurada por R….. e mulher M….., farmacêuticos, melhor identificados nos autos, por si e em representação de S….. LDA e de F….., SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA.
A decisão em crise condenou o Estado Português a efetuar o pagamento de 14 mil euros à S….. Ld.ª e de 7 mil euros a cada um dos Autores singulares, R….. e mulher M…...
O recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1- A sentença recorrida não contém um único facto atinente ao pedido indemnizatório por danos não patrimoniais de 14 mil euros á S….. Lda, nem quaisquer razões de direito que fundamentem a condenação em indemnização fixada equitativamente nos termos do artigo 496º, n.º3, do CC.
2 – Até porque, sendo a autora uma sociedade comercial, não podia a douta sentença considerar que sofreu danos de natureza não patrimonial susceptíveis de ressarcimento, isto é, de compensação pecuniária pois sofreu, quando muito, "danos patrimoniais indirectos”.
3 - Porque viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, C. R. P. e art. 154º, n.º 1, do C. P. Civil), padece das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do n. 1 do art. 615.º do CPC.
4 -Ainda que assim se não entenda, sem conceder, incorreu em erro de julgamento ao considerar que estavam verificados os requisitos legais da responsabilidade civil extra-contratual, designadamente no que respeita ao dano.
5 - Porque não aplicou acertadamente o Direito aos factos provados, ao concluir pela responsabilização do Estado Português, deve ser alterada, e julgada a acção totalmente improcedente por não provada, e em consequência, o R. Estado ser absolvido do pedido indemnizatório por danos não patrimoniais atribuídos à sociedade comercial S….., Lda.
6 – Pois, tendo as sociedades comerciais como objectivo único a obtenção do lucro, o bom nome e a reputação apenas lhes interessam na justa medida da vantagem económica que deles podem tirar, apenas podendo produzir a sua ofensa, quando muito, um dano patrimonial indirecto, ou seja, um reflexo negativo na potencialidade de lucro a auferir, não sendo, pois, susceptível de indemnização por danos estritamente morais, que apenas afectam os indivíduos com personalidade moral.
7 - A douta sentença não demonstra que o facto de não ter ocorrido a decisão em prazo razoável se repercutiu negativamente na potencialidade de lucro inerente ao exercício da actividade que a Autora desenvolve, não podendo sequer afirmar-se a existência de dano patrimonial indirecto indemnizável.
8 - E, sendo a autora uma sociedade comercial, não podia a douta sentença considerar que sofreu danos de natureza não patrimonial susceptíveis de ressarcimento, ou seja, de compensação pecuniária.
9 - Acresce que, a responsabilidade civil extra-contratual do Estado por violação de direito a uma decisão judicial em prazo razoável não é uma responsabilidade objectiva ou que resulte directamente da lei. Aliás, o art° 12° da Lei 67/2007 estabelece que é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.
10 - Sendo assim, também relativamente aos danos não patrimoniais, e por maioria de razão, atenta a sua natureza, impendia sobre os AA. o ónus de alegar e demonstrar os factos donde o tribunal pudesse retirar a conclusão de que aos AA., sobrevieram danos dessa natureza.
11 - Além de que, como tem sido unanimemente aceite pela jurisprudência, nem todos os danos não patrimoniais são ressarcíveis, mas apenas os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito - art° 496° n° 1 do CC.
12 - A jurisprudência citada na douta sentença recorrida quanto aos danos “morais generalizados e comuns” é respeitante a pessoas singulares, bem se compreendendo que possa considerar-se comum e relevante o sofrimento e ansiedade que nestes casos afectam de forma relevante as pessoas singulares.
13 - Mas já não assim quando os lesados são pessoas colectivas, sociedades comerciais, sendo que, mesmo admitindo – o que não se concede - que possam ser merecedoras de indemnização por danos não patrimoniais, devem alegar os factos em que os danos morais se traduziram, não sendo elas susceptíveis de sofrimento e de ansiedade, comuns — às pessoas singulares – nestas situações.
14 – No caso presente, os factos dados como provados estão claramente abaixo do ponto onde se situa a fasquia da gravidade exigida pelo n.º1 do artigo 496.ºdo CC. Pois, admitindo que as sociedades comerciais possam ser compensadas por danos não patrimoniais, a sua natureza leva, no entanto, a maior exigência quanto à gravidade merecedora da tutela do direito do que a relativa às pessoas singulares.
15 - Acontece que os AA. não alegaram qualquer facto demonstrativo da verificação de danos não patrimoniais e da sua gravidade.
E, sendo assim, a sentença não pode manter-se, impondo-se, nesta parte, a absolvição do Réu do pedido de condenação em indemnização por danos não patrimoniais.
16 - A admitir que os Autores sofreram danos - sem conceder – sempre se dirá que o valor indemnizatório atribuído na sentença recorrida é ilógico, sendo o montante fixado – calculado tendo como suporte “cada ano que decorreu para além de 4 anos” , omitindo que se deveu verdadeiramente à complexidade (o tipo/pluralidade de actuações delituosas participadas, aos elevados períodos de tempo de actuação dos arguidos (1993 a 1998), ao seu número e de documentos (11 apensos) e bem assim, á complexidade da investigação da matéria denunciada que forçosamente levou à efectivação de perícia contabilística e financeira e realização de buscas e apreensão de acervo documental.
17 – Sendo manifestamente exagerado, pelo que, foi incorrectamente doseado e, como tal, merecendo censura, deve ser substancialmente reduzido por se mostrar absolutamente infundado e desadequado aos princípios de equidade (invocado) e razoabilidade.
18 - Pecando por excesso, por a matéria dada como provada não sustentar o juízo quantitativo de equidade formulado pelo Tribunal, sempre deveria ser, neste ponto, alterada a decisão, fixando-se a indemnização à S….., Lda e a cada um dos Autores singulares num valor mais ajustado com a análise da matéria de facto dada como provada.
19 - E, decidindo como decidiu, este Tribunal, violou o disposto nos artigos 496.º, n.º3 e 562.º do C.C. e arts. e 12° da Lei 67/2007 da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro.”

Os recorridos nas suas contra-alegações manifestaram a sua discordância em relação ao aventado pelo MP, nas suas alegações, sem, contudo, apresentarem quaisquer conclusões.
*
II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA)
Para além das nulidades assacadas à decisão em crise, por alegadamente não especificar os fundamentos de facto e de direito que a estribam e/ou por os mesmos estarem em oposição com a decisão e/ou ocorrer alegada ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível [alíneas b) e c) do artº 615º do CPC], a questão suscitada pelo recorrente prende-se com aferir da alegada impossibilidade em ressarcir, por danos morais, uma pessoa coletiva e se a sentença ora posta em crise deveria, no seu elenco factual, ter contemplado factos que estribassem esses mesmos danos, motivando em conformidade a respetiva convicção e, não o fazendo, incorreu em nulidade.
*
II. Factos (dados como provados na sentença recorrida):
1. – Em 24 de Julho de 1998, os Autores R….. e mulher, M….., por si e em representação de S….. ldª, com sede na Rua …..; V….. Ldª que usava a Firma de F….. , com sede na ….., f….., com domicílio na Rua ….. apresentaram, na Secretaria do Ministério Público do Tribunal Judicial de Setúbal, uma queixa crime contra L….., Lda - Sociedade por quotas de responsabilidade limitada, com sede na Rua ….. , L….., contabilista e mulher E….., ajudante técnica de farmácia, com domicílio na Rua A….. e P….. e marido V….., então residentes na Rua …..o ( cfr. fls 75 e seguintes dos autos em suporte de papel).
2. Na sequência do mencionado no facto provado anterior foi instaurado o processo nº 614/98.7TASTB que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Setúbal pela 1ª Secção B ( cfr. autos em suporte de papel e acordo).
3. Em 21 de Setembro de 1998, foi aberta conclusão (acordo e cfr. fls 93 e seguintes da certidão dos autos nº 614/98.7TASTB junta aos autos).
4. A 19 de Outubro seguinte, o Senhor Procurador Adjunto exarou o seguinte despacho:
“Faça constar a identificação do denunciado L….. que consta de outro processo – 1519/95.9TA – e requisite o c.r.c
Solicite à Conservatória do Registo Comercial de Setúbal certidão da matrícula da sociedade “L….., Lda.” com sede na Rua …...
Averigue se se encontra sediada no concelho qualquer sociedade com a firma “D….., Lda” e no caso afirmativo solicite certidão da matrícula e demais inscrições em vigor.
Para inquirição de testemunhas:
- Dr. R…..
-Dra S…..
- J….., designo o próximo dia 4 de Novembro pelas 9h 30.
Averigue se foram apresentadas outras queixas de idêntico teor contra o denunciado L…...
Solicite à GNR que proceda à identificação dos quatro denunciados e à sua convocação para o próximo dia 25 de Novembro pelas 14h00 para efeitos de interrogatório.
“Expeça mandados de comparência” (acordo e cfr. certidão dos autos nº 614/98.7TASTB junta aos autos fls 94 seguintes).
5. R….. solicitou, em 27 de Outubro de 1998, a designação de outra data porquanto na designada (4 de Novembro) estaria ausente no estrangeiro em viagem (acordo e...

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