Acórdão nº 3557/13.2TBMTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 29-09-2015
Data de Julgamento | 29 Setembro 2015 |
Número Acordão | 3557/13.2TBMTS.P1 |
Ano | 2015 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Processo n.º 3557/13.2TBMTS.P1
Da Comarca do Porto – Matosinhos - Instância Local - Secção Cível - J4, à qual foi redistribuído após a extinção do 3.º Juízo Cível da comarca da mesma localidade, onde dera entrada em 28/5/2013.
Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró
I. Relatório
B…, residente na Rua …, n.º …, …, instaurou a presente acção declarativa de simples apreciação positiva contra C…, residente na Rua …, nº. …, …, pedindo que o tribunal declare:
“A) Que o valor das obras executadas na habitação arrendada ao Autor, ao abrigo do Programa Recria, foi de € 15.273,90 (€ 5.132,03 + € 3.421,53 + € 6.720,34) comparticipado pelo D…, pela Câmara Municipal … e pelo Autor, respectivamente, e
B) Que o Autor tem direito a ser compensado da quantia de € 6 720,34, dos juros, acrescidos de 5% destinados a despesas de administração.”
Para tanto, alegou, em resumo, que, na qualidade de arrendatário do imóvel onde reside, atentas as suas más condições de habitabilidade e porque o réu, seu actual proprietário, se recusou fazer as obras urgentes, aderiu ao programa RECRIA, tendo as obras sido realizadas e comparticipadas pelos valores constantes do pedido e que tem vindo a descontar, a título de compensação, uma percentagem do valor que pagou na renda devida.
O réu contestou, por impugnação e deduziu reconvenção, alegando, em síntese, que:
O contrato de arrendamento previa a responsabilidade do autor pelas obras interiores e do réu pelas obras exteriores, pelo que nenhuma responsabilidade tem na execução das primeiras e também não tem em todas porque foram executadas à sua revelia.
Por essa razão não pode proceder ao desconto no valor da renda que, assim, não está a ser paga, como devia, sendo causa de resolução o contrato.
Concluiu pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento em questão nos autos, condenando-se o reconvindo:
“b.1) a despejar imediatamente o arrendado, deixando-o totalmente livre de pessoas e bens
b.2) a pagar a quantia de 3.872,22€, corresponde à diferença entre as rendas devidas desde Outubro de 2010 e as efectivamente oferecidas (140,00€ - 22,66€) x 33 meses, ou
b.3) a pagar a quantia de 661,99€, correspondente à diferença entre as rendas devidas desde Janeiro de 2013 e as efectivamente oferecidas: 74,99€ + (140,00€ - 22,66) x 5
b.4) a pagar as rendas vincendas desde Julho de 2013 inclusive, pelo valor de 140,00€ até integral e efectivo despejo”.
O autor respondeu sustentando a inadmissibilidade da reconvenção, impugnando os factos alegados e concluindo pela sua improcedência.
Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho a admitir a reconvenção deduzida, depois de verificados os necessários requisitos, bem como despacho saneador tabelar e, ainda, despachos de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, que não foram objecto de qualquer reclamação.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que, em 1/12/2014, foi lavrada douta sentença que decidiu:
1. Julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou:
“Que o valor das obras executadas na habitação arrendada ao Autor, ao abrigo do Programa Recria, foi de € 15.273,90 (€ 5.132,03 + € 3.421,53+ € 6.720,34) comparticipado pelo D…, pela Câmara Municipal … e pelo Autor, respectivamente, e;
Que o Autor tem direito a ser compensado da quantia de € 3.233,36, acrescida de 5% desse valor, o que ascende a € 3.395,06.”
2. Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a reconvenção deduzida e, em consequência:
“Não decreto(u) a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes nem o consequente despejo do Autor;
Condeno(u) o autor a pagar ao Réu a quantia de global de € 170,46 a título de rendas vencidas e não pagas (parte do mês de Fevereiro e o mês de Março de 2013);
Absolv(eu) o Autor do demais peticionado”.
Inconformados com o assim decidido, ambas as partes interpuseram recurso de apelação, sendo o autor independente e o réu subordinado, acabando este por desistir do mesmo, pelo que apenas resta apreciar o primeiro.
O autor apresentou as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1. A Douta Sentença recorrida não apreciou a questão dos juros devidos ao Recorrente, verificando-se, por isso, a sua nulidade, nos termos do disposto no art. 615, nº. 1, al. d) do Código de Processo Civil.
SEM PRESCINDIR:
2. O pedido reconvencional apenas é admitido nos estritos termos do artigo 266, nº. 2 do Código de Processo Civil.
3. Analisando a pretensão do Réu, é evidente a conclusão que a mesma não se enquadra nas situações previstas no normativo referido.
4. Nos termos da primeira parte da al. a) a Reconvenção apenas é admissível quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir da que serve de suporte ao pedido da acção – o que claramente não sucede,
5. Já a segunda parte da mesma alínea impõe, que a reconvenção apenas é admissível quando o Réu invoca como meio de defesa qualquer acto ou facto jurídico que se representa no pedido do autor: reduzindo-o, modificando-o ou extinguindo-o – o que claramente também não sucede.
6. Também não é feito qualquer pedido para o pagamento de benfeitorias ou despesas relacionadas com o contrato de arrendamento (al. b).
7. Tão pouco é pedido ou alegado qualquer pedido de compensação, já que o Autor nada deve ao Réu, pelo contrário, é o Réu que ainda deve uma quantia a determinar ao Autor (al. c).
8. Também o pedido do Réu não se move dentro da mesma relação jurídica já que seria necessário que o pedido reconvencional se apoiasse – fundamentasse – num facto jurídico que servisse de fundamento à acção ou à defesa (al. d).
9. O Réu fundamenta o seu pedido no pagamento parcial da renda do locado, após Janeiro de 2013.
10. O pedido reconvencional é legalmente inadmissível.
11. A acção de simples apreciação não gera qualquer título executivo.
12. O Réu não impugnou qualquer documento junto.
13. Ficou devidamente provado o valor das obras executadas na habitação e o valor pago pelo Autor – Factos provados: 28 a 33 – fls. 5 da Douta Sentença.
14. Não aceita o ora Recorrente a divisão – em duas – da sua comparticipação na execução das obras de recuperação do imóvel:
c) Uma reportada ao valor das obras interiores, e
d) Outra reportada ao valor das obras exteriores.
15. O Recorrente aderiu ao Programa Recria na convicção de que seria compensado com o valor das rendas futuras – Facto provado - 27 – fls. 5 da Douta Sentença.
16. A douta decisão recorrida, salvo o merecido respeito, enferma de erro de direito, na determinação das normas jurídicas aplicáveis ao caso, porquanto decide a responsabilidade do pagamento das obras com base no art. 1074 do Código Civil, quando, na verdade, e salvo melhor opinião, os diplomas aplicáveis são os Decretos – Lei 329-C/2000 e 157/2006.
17. Tais diplomas continham um REGIME ESPECIAL, aplicável aos contratos habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do RAU.
18. Sendo normas especiais, prevalecem e derrogam a norma geral do art. 1074 do Código Civil, tudo nos termos do art. 7º, nº. 3 do Código Civil, numa aplicação a contrario sensu.
19. Nos dois diplomas...
Da Comarca do Porto – Matosinhos - Instância Local - Secção Cível - J4, à qual foi redistribuído após a extinção do 3.º Juízo Cível da comarca da mesma localidade, onde dera entrada em 28/5/2013.
Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto - 2.ª Secção:I. Relatório
B…, residente na Rua …, n.º …, …, instaurou a presente acção declarativa de simples apreciação positiva contra C…, residente na Rua …, nº. …, …, pedindo que o tribunal declare:
“A) Que o valor das obras executadas na habitação arrendada ao Autor, ao abrigo do Programa Recria, foi de € 15.273,90 (€ 5.132,03 + € 3.421,53 + € 6.720,34) comparticipado pelo D…, pela Câmara Municipal … e pelo Autor, respectivamente, e
B) Que o Autor tem direito a ser compensado da quantia de € 6 720,34, dos juros, acrescidos de 5% destinados a despesas de administração.”
Para tanto, alegou, em resumo, que, na qualidade de arrendatário do imóvel onde reside, atentas as suas más condições de habitabilidade e porque o réu, seu actual proprietário, se recusou fazer as obras urgentes, aderiu ao programa RECRIA, tendo as obras sido realizadas e comparticipadas pelos valores constantes do pedido e que tem vindo a descontar, a título de compensação, uma percentagem do valor que pagou na renda devida.
O réu contestou, por impugnação e deduziu reconvenção, alegando, em síntese, que:
O contrato de arrendamento previa a responsabilidade do autor pelas obras interiores e do réu pelas obras exteriores, pelo que nenhuma responsabilidade tem na execução das primeiras e também não tem em todas porque foram executadas à sua revelia.
Por essa razão não pode proceder ao desconto no valor da renda que, assim, não está a ser paga, como devia, sendo causa de resolução o contrato.
Concluiu pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento em questão nos autos, condenando-se o reconvindo:
“b.1) a despejar imediatamente o arrendado, deixando-o totalmente livre de pessoas e bens
b.2) a pagar a quantia de 3.872,22€, corresponde à diferença entre as rendas devidas desde Outubro de 2010 e as efectivamente oferecidas (140,00€ - 22,66€) x 33 meses, ou
b.3) a pagar a quantia de 661,99€, correspondente à diferença entre as rendas devidas desde Janeiro de 2013 e as efectivamente oferecidas: 74,99€ + (140,00€ - 22,66) x 5
b.4) a pagar as rendas vincendas desde Julho de 2013 inclusive, pelo valor de 140,00€ até integral e efectivo despejo”.
O autor respondeu sustentando a inadmissibilidade da reconvenção, impugnando os factos alegados e concluindo pela sua improcedência.
Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho a admitir a reconvenção deduzida, depois de verificados os necessários requisitos, bem como despacho saneador tabelar e, ainda, despachos de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, que não foram objecto de qualquer reclamação.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que, em 1/12/2014, foi lavrada douta sentença que decidiu:
1. Julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou:
“Que o valor das obras executadas na habitação arrendada ao Autor, ao abrigo do Programa Recria, foi de € 15.273,90 (€ 5.132,03 + € 3.421,53+ € 6.720,34) comparticipado pelo D…, pela Câmara Municipal … e pelo Autor, respectivamente, e;
Que o Autor tem direito a ser compensado da quantia de € 3.233,36, acrescida de 5% desse valor, o que ascende a € 3.395,06.”
2. Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a reconvenção deduzida e, em consequência:
“Não decreto(u) a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes nem o consequente despejo do Autor;
Condeno(u) o autor a pagar ao Réu a quantia de global de € 170,46 a título de rendas vencidas e não pagas (parte do mês de Fevereiro e o mês de Março de 2013);
Absolv(eu) o Autor do demais peticionado”.
Inconformados com o assim decidido, ambas as partes interpuseram recurso de apelação, sendo o autor independente e o réu subordinado, acabando este por desistir do mesmo, pelo que apenas resta apreciar o primeiro.
O autor apresentou as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1. A Douta Sentença recorrida não apreciou a questão dos juros devidos ao Recorrente, verificando-se, por isso, a sua nulidade, nos termos do disposto no art. 615, nº. 1, al. d) do Código de Processo Civil.
SEM PRESCINDIR:
2. O pedido reconvencional apenas é admitido nos estritos termos do artigo 266, nº. 2 do Código de Processo Civil.
3. Analisando a pretensão do Réu, é evidente a conclusão que a mesma não se enquadra nas situações previstas no normativo referido.
4. Nos termos da primeira parte da al. a) a Reconvenção apenas é admissível quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir da que serve de suporte ao pedido da acção – o que claramente não sucede,
5. Já a segunda parte da mesma alínea impõe, que a reconvenção apenas é admissível quando o Réu invoca como meio de defesa qualquer acto ou facto jurídico que se representa no pedido do autor: reduzindo-o, modificando-o ou extinguindo-o – o que claramente também não sucede.
6. Também não é feito qualquer pedido para o pagamento de benfeitorias ou despesas relacionadas com o contrato de arrendamento (al. b).
7. Tão pouco é pedido ou alegado qualquer pedido de compensação, já que o Autor nada deve ao Réu, pelo contrário, é o Réu que ainda deve uma quantia a determinar ao Autor (al. c).
8. Também o pedido do Réu não se move dentro da mesma relação jurídica já que seria necessário que o pedido reconvencional se apoiasse – fundamentasse – num facto jurídico que servisse de fundamento à acção ou à defesa (al. d).
9. O Réu fundamenta o seu pedido no pagamento parcial da renda do locado, após Janeiro de 2013.
10. O pedido reconvencional é legalmente inadmissível.
11. A acção de simples apreciação não gera qualquer título executivo.
12. O Réu não impugnou qualquer documento junto.
13. Ficou devidamente provado o valor das obras executadas na habitação e o valor pago pelo Autor – Factos provados: 28 a 33 – fls. 5 da Douta Sentença.
14. Não aceita o ora Recorrente a divisão – em duas – da sua comparticipação na execução das obras de recuperação do imóvel:
c) Uma reportada ao valor das obras interiores, e
d) Outra reportada ao valor das obras exteriores.
15. O Recorrente aderiu ao Programa Recria na convicção de que seria compensado com o valor das rendas futuras – Facto provado - 27 – fls. 5 da Douta Sentença.
16. A douta decisão recorrida, salvo o merecido respeito, enferma de erro de direito, na determinação das normas jurídicas aplicáveis ao caso, porquanto decide a responsabilidade do pagamento das obras com base no art. 1074 do Código Civil, quando, na verdade, e salvo melhor opinião, os diplomas aplicáveis são os Decretos – Lei 329-C/2000 e 157/2006.
17. Tais diplomas continham um REGIME ESPECIAL, aplicável aos contratos habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do RAU.
18. Sendo normas especiais, prevalecem e derrogam a norma geral do art. 1074 do Código Civil, tudo nos termos do art. 7º, nº. 3 do Código Civil, numa aplicação a contrario sensu.
19. Nos dois diplomas...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO