Acórdão nº 354/13.9IDAVR.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 04-12-2019

Data de Julgamento04 Dezembro 2019
Case OutcomeREJEITADO
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão354/13.9IDAVR.P2.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - RELATÓRIO

1. No Juízo Central Criminal de ........... – Juiz 2 – Tribunal Judicial da Comarca de......., foi o arguido AA julgado, com outros, em processo comum perante tribunal colectivo, vindo a ser, por acórdão proferido em 8 de Outubro de 2018, condenado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a) e c), e 104.º, n.os 1, alíneas d) e e), e 2, alíneas a) e b), do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), na versão emergente da Lei nº 67-B/2011, de 30 de Dezembro, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, sob a condição de nesse período pagar os tributos em falta, mais legais acréscimos, decorrentes da prática do crime em causa (IRC referente aos anos de 2009 a 2012).

2. Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, respeitante a matéria de facto e a matéria de direito, o qual, por decisão sumária do Ex.mo Desembargador Relator proferida em 27 de Fevereiro de 2019, foi julgado «manifestamente improcedente», confirmando-se a decisão recorrida.

Tendo reclamado para a Conferência, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 30 de Abril de 2019, deliberou confirmar e manter aquela decisão sumária.

3. Vem agora o mesmo arguido interpor, perante o Supremo Tribunal de Justiça, o presente recurso com invocação das «disposições conjugadas do art. 4.º do Código de Processo Penal e art. 672.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil», extraindo da respectiva motivação as conclusões que se transcrevem:

CONCLUSÕES:

1 – Entende o Recorrente, salvaguardando sempre o devido e merecido respeito por divergente opinião, que o caso vertente e ora colocado à subida consideração de V. Exas., configura questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito, isto para além de estarem nestes autos em causa interesses de particular relevância social, o que permite o enquadramento da questão decidenda, por apelo ao disposto no art. 4º do Código de Processo Penal e art. 672º, nº 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, em sede de recurso extraordinário de revista excepcional.

2 - Coloca-se a questão de dirimir se o recurso, por parte da AT e posteriormente por parte do Tribunal a quo para fundar a sua declarada convicção, a métodos indiciários para a correcção à matéria colectável e determinação do lucro tributável, redundando posteriormente na fixação da vantagem patrimonial ilegítima, não obriga o Tribunal a quo a recorrer aos mesmos meios indiciários, designadamente aplicando à matéria colectável surgida de tais correcções a taxa média de margem de lucro sobre o valor das vendas (vendas que a AT considera legais, legítimas e incontroversas) que avulta da Nota de Informação Estatística 08/2018, emitida pelo Banco de Portugal, com referência às margens brutas das empresas do sector da cortiça, para concreta determinação da efectiva vantagem patrimonial ilegítima pelo Agente do crime.

3 – E esta questão tem particular relevância jurídica porquanto é reconhecido no douto Acórdão posto em crise e pela própria AT que o resultado alcançado (após correcção da matéria colectável) por via da desconsideração de inúmeras facturas relevadas na contabilidade da empresa que o Recorrente geria se afigura manifestamente impossível se compaginado com o valor das compras declaradas pelo Contribuinte;

4 – Reconhece a AT, e o próprio Tribunal a quo ao proferir o douto Acórdão em crise, que a correcção à matéria colectável efectuada por recurso a métodos indiciários resultou num resultado impossível no domínio dos factos, por apelo às compras declaradas pelo Recorrente, não deixando todavia de fixar uma vantagem patrimonial ilegítima com fundamento em tais valores e, consequentemente, notoriamente desfasada da realidade e clamorosamente ofensiva do princípio da descoberta da verdade material, de que constitui afloramento o art. 340º do C.P.P.

5 – E tal questão revela-se, igualmente, de particular relevância social na justa medida em que os Contribuintes são hodiernamente confrontados com uma máquina fiscal impiedosa e, aparentemente, com recursos e alcance ilimitados, que se move sem qualquer respeito pelas garantias de defesa dos Contribuintes e, pior, que não se coíbe de impor aos mesmos penalizações desproporcionadas mesmo quando reconhece, como in casu sucede, que os resultados alcançados por via da aplicação de métodos indirectos e indiciários para correcção da matéria colectável e lucro tributável são absolutamente desfasados e desconformes com a realidade, razão pela qual deve o presente recurso ser admitido e declarado o preenchimento dos comandos jurídicos vertidos nas alíneas a) e b) do nº 1 do art. 672º do C.P.C., aplicável ex vi do art. 4º do C.P.P., pelo que nesta sede e antecipadamente se pugna;

6 – Ocorreu no douto Acórdão em crise violação de lei substantiva, mormente do disposto no art. 340º do C.P.P. e art. 14º do R.G.I.T., o que se consigna para os efeitos da alínea a) do nº 1 do art. 674º do C.P.C.;

7 – Convocando o teor do próprio relatório da Autoridade Tributária, que após a desconsideração das facturas nos autos indicadas reconhece ter-se alcançado um resultado impossível, no sentido de não ser concebível que o lucro tributável apurado corresponda ao lucro real da empresa, por análise objectiva dos valores de compras e vendas que resultaram das correcções da AT, conclui-se igualmente que ocorreu violação do disposto no art. 340º do C.P.P.;

8 – Reza assim o art. 340°, n° 1, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do art. 3º, a), do R.G.I.T: “o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”, o que se traduz um afloramento, para a audiência, do princípio da investigação ou da verdade material que enforma o processo penal.

9 - Perante um resultado que é aritmética e logicamente impossível, caberia ao Tribunal a quo, por respeito ao princípio da verdade material, indagar aturadamente qual foi, realmente, o benefício ilegítimo que as condutas ajuizadas provocaram na esfera do Recorrente, o que manifestamente não sucedeu.

10 - O estudo do Banco de Portugal, supra mencionado, é a Nota de Informação Estatística 08/2018, emitida pelo Banco de Portugal e acessível em www.bportugal.pt, que versa sobre as margens brutas das empresas do sector da cortiça, entre outras, aí se confirmando que os valores médios de lucro das empresas, por contraposição com as despesas efectuadas, são em termos de margem liquida entre os 4% e 7% e em termos de margem operacional, tendo por base o EBDITA, entre os 7% e os 12%. Esta é a realidade objectiva e comprovada, assente num estudo científico de reconhecida fidedignidade, que colectou uma quantidade enorme de dados de 2009 a 2016 e revela de forma clara a realidade empírica do sector empresarial em que actuava a empresa gerida pelo Recorrente.

11 - O Tribunal a quo, deparando-se com valores resultantes de correcções efectuadas pela AT com recurso a métodos indiciários e que ofendem, de forma clamorosa, a normalidade das coisas, chegando ao domínio da impossibilidade lógica como in casu sucede, teria necessariamente que aferir, ainda que igualmente por recurso a método indirecto (para o que interessa a aplicação da taxa média de margem de lucro sobre o valor das vendas, que a própria AT considera legais, legítimas e incontroversas) quais os reais montantes de beneficio ilegítimo que o Recorrente usufruiu e não escudar-se num formalismo incompreensível, no sentido de violador da verdade material, para fixar montantes que nenhuma correspondência têm com a realidade e inclusivamente a ofendem, de forma notória.

12 - Na perspectiva do Recorrente, resulta cristalino que, por respeito ao princípio da verdade material, deveria o Tribunal a quo socorrer-se dos mesmos métodos indirectos que serviram de fundamento às correcções efectuadas pela AT e, presente a existência de dados irrefutáveis que implicam a impossibilidade racional dos resultados assim obtidos e, bem assim, que fixam a margem de lucro média para as empresas do sector, deveria ter efectuado uma ponderação aturada e realista do verdadeiro benefício do Recorrente, o que não sucedeu e implica, necessariamente, a violação do princípio da verdade material que enforma o processo penal.

13 - Como corolário do que vem de expor-se, a condição de suspensão da pena de prisão aplicada nestes autos, nos termos do art. 14º do RGIT, resulta ilegal e constitui violação de vários normativos legais, desde logo o vindo de invocar art. 14º do RGIT mas igualmente o art. 340º do C.P.P., pelo que não pode manter-se.

14 - Têm os vertentes autos início com uma inspecção da Autoridade Tributária a vários contribuintes, louvando-se a AT em métodos indiciários ou indirectos para sustentar a tese de que as facturas nestes autos identificadas não correspondem a reais operações ou transacções, sendo por isso falsas, apontando, designadamente, para a circunstância dos contribuintes emitentes não terem estrutura produtiva que lhes permitisse sustentar os fornecimentos titulados nas facturas e, por outro lado, alerta para incoerências na tríplice relação facturas de compra / de venda / stock, no que tange à empresa de que o Recorrente era gerente.

15 – Destarte, a análise de facturação e de existências foi efectuada por métodos indirectos, por indícios presuntivos que não uma análise directa da realidade concreta.

16 - Reconhece a AT, em inúmeras passagens do relatório que desencadeou os presentes autos e por via das declarações dos Senhores inspectores em sede de audiência de Julgamento, que a...

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