Acórdão nº 348/16.2T8BJA-A.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 07-09-2021
Data de Julgamento | 07 Setembro 2021 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 348/16.2T8BJA-A.E1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I – Relatório
1. Por apenso à Execução para pagamento de quantia certa que Caixa Geral de Depósitos, S.A. move a AA e BB, veio Promontoria Indian Designated Activity Company requerer a sua habilitação para prosseguir nos presentes autos no lugar da Exequente.
A Requerente fundamenta a sua pretensão na circunstância de ter celebrado um contrato de cessão de créditos com a Exequente, abrangendo o crédito exequendo.
2. Cumprido o disposto no artigo 356° n.º 1, do Código de Processo Civil, os Requeridos deduziram contestação, alegando que a documentação junta aos autos não demonstra a cessão alegada pela Requerente e ainda que tal cessão não lhes foi notificada.
3. Foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: “Pelo exposto, julgo procedente, por provada, a pretensão formulada pela requerente e, em consequência, declaro Promontoria Indian Designated Activity Company habilitada em substituição, na acção, da Caixa Geral de Depósitos, S.A.”
4. Inconformados com a predita decisão, vieram os Requeridos/AA e BB interpor recurso, tendo a Relação proferido acórdão, conhecendo da apelação e enunciando no respetivo dispositivo: “Pelo acima exposto, decide-se pela improcedência do presente Recurso, confirmando-se a Decisão recorrida.”
5. Novamente inconformados, os Requeridos/AA e BB interpuseram recurso de revista excecional, invocando a propósito, a contradição de julgados, indicando dois acórdãos-fundamento, quais sejam, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de novembro de 2000 (in Coletânea de Jurisprudência – S.T.J. 2000, Tomo III, pág. 121) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 junho de 2003 (Processo n.º 03B1762).
6. Remetido pela Relatora o processo à formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, para o efeito de averiguação dos requisitos específicos do recurso de revista excecional, fundado no artigo 672.º, n.º 1, al. c), do CPC, a formação por acórdão de 13-07-2021, admitiu o recurso, em relação à seguinte questão de direito: “Saber se a falta da notificação da cessão de créditos aos devedores, em momento prévio ao incidente de habilitação, afeta ou não a eficácia do aludido negócio”.
7. Os recorrentes na sua alegação de recurso, formularam as seguintes conclusões:
«I) O presente recurso vem interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 25/06/2020, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Silva Rato, que decidiu julgar improcedente o recurso de apelação anteriormente interposto e confirmou a decisão recorrida de 1.ª Instância, na qual foi julgada procedente a pretensão formulada pela Requerente, declarando-a habilitada na acção, em substituição da Exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A.
II) Com efeito, entendeu o Venerando Tribunal recorrido que, no caso dos autos, os créditos da Exequente foram transmitidos para a Recorrida por via de cessão de créditos e que a mesma é eficaz relativamente aos Recorrentes, porquanto foram notificados de tal cessão por via da sua notificação para o incidente de habilitação, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 356.º, da Lei Processual Civil, o que não pode merecer em qualquer medida o aplauso dos Recorrentes.
III) De facto, o presente recurso de revista excepcional é interposto à luz do preceituado no artigo 672.º, n.º 1, alínea c) e do n.º 2, alínea c), do C.P.C., por existir contradição entre o Acórdão recorrido e os Acórdãos fundamento que ora se juntam para os devidos efeitos legais, relativamente à questão de a falta da notificação da cessão de créditos aos devedores em momento prévio ao incidente de habilitação afectar ou não a eficácia do negócio quanto a eles.
IV) Por conseguinte, o Acórdão recorrido, quanto a esta questão, defende que, sendo a notificação ao devedor da cessão do crédito uma mera condição de eficácia desse negócio quanto aquele, a citação para o incidente de habilitação de cessionário constitui um meio próprio para notificar os Executados/devedores da cessão à Requerente do crédito que a Exequente anteriormente tinha sobre os Executados.
V) Podendo, assim, concluir-se que o Acórdão recorrido entende que a falta de notificação extrajudicial da cessão de créditos aos devedores pode ser ultrapassada com a citação dos devedores para o incidente de habilitação, em sentido contrário do entendimento plasmado no Acórdão fundamento, do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/11/2000, C.J. – S.T.J. 2000, Tomo III, pág. 121, com os seguintes moldes:
“(…) A citação, como a notificação, tem um conteúdo determinado, pelo qual se avaliam e determinam os respectivos efeitos na esfera jurídica da pessoa citada. … À citação não podem pois, ser atribuídos os efeitos que o n.º 1 do artigo 583.º determina para a notificação do devedor.
(…) Os efeitos da citação são os indicados no artigo 481.º do Código de Processo Civil …
Nesse conjunto de efeitos não têm lugar os que o n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil atribui à notificação da cessão ao devedor, relativamente a ele. …”. (Sublinhado nosso).
VI) De igual modo, este Acórdão fundamento prossegue ainda nos seguintes termos:
“ … Ora, um dos elementos essenciais da presente causa, porque integrante da causa de pedir, é, precisamente, o da notificação da cessão de créditos ou a sua aceitação por parte do devedor, quer isto dizer que, antes da citação, já tal elemento deverá fazer parte do elenco dos factos articulados no petitório, para que, uma vez citado o devedor, tal facto esteja adquirido definitivamente para a causa, juntamente com os demais elementos que constituem a causa de pedir. …”. (Sublinhado nosso).
VII) Por sua vez, dando o seu apoio a este aresto podemos citar na doutrina as posições de Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 11.ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 818, nota 2 e ainda a do Prof. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Volume II, 10.ª Edição, 2016, pág. 26, com os seguintes moldes:
“(…) A cessão de créditos apenas produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite (art. 583.º, n.º 1). A notificação e a aceitação não estão sujeitas a forma especial (cfr. art. 219.º). Não se pode, no entanto, considerar equivalente à notificação o facto de o cessionário se limitar a instaurar contra o devedor acção de cobrança de crédito, podendo inclusive a aceitação ser efectuada tacitamente (art. 217.º) ...”. (Sublinhado nosso).
VIII) Nesta conformidade, ao contrário do que se sustenta no douto acórdão recorrido, não se podem atribuir à citação os efeitos previstos no n.º 1, do artigo 583.º, do C.C., tendo esta notificação aos Recorrentes da cessão de créditos que ser prévia à dedução do incidente de habilitação pela Recorrida.
IX) Em tal caso, os requisitos de validade e eficácia da cessão de créditos invocada pela Recorrida teriam que estar já na sua titularidade no momento da dedução do incidente de habilitação, o que não se verificou no presente caso concreto.
X) Além disso frise-se ainda que o entendimento sufragado pelo Acórdão recorrido está ainda em contradição com outro Acórdão fundamento, proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/06/2003, no âmbito do Processo n.º 03B1762, de igualmente se junta a respectiva cópia.
XI) Na realidade, a respeito da mesma questão de direito, este segundo Acórdão fundamento sufraga o seguinte entendimento, ao qual também aderimos e seguimos de perto:
“(…) A eficácia do direito de crédito do cessionário contra o devedor depende, em termos substantivos, da referida comunicação ao segundo ou da sua aceitação do contrato de cessão, pelo que deve integrar a causa de pedir na acção e, como é natural, devem preceder a propositura da acção intentada pelo cessionário contra o devedor.
Tendo em conta o fim e os efeitos primários e secundários do acto de citação no processo e o fim do acto de notificação ao devedor do contrato de cessão do direito de crédito, não pode o primeiro valer em termos de equivalência de efeitos jurídicos ao segundo. (…)”.
XII) Deste modo, a contradição entre o Acórdão recorrido e os dois Acórdãos fundamento sobre a mesma matéria é evidente, daí que V. Exas. devem considerar verificada a contradição apontada e admitir o presente recurso de revista excepcional, prevalecendo, sobre a questão em apreço, a interpretação plasmada nos Acórdãos fundamento.
XIII) Encontrando-se, assim, verificada a norma como requisito de admissão do recurso de revista excepcional que se interpõe, pelo que, salvo o respeito por opinião contrária, devem V. Exas. reconhecer a prevalência da interpretação plasmada nos Acórdãos fundamento.
XIV) Face ao supra exposto, pese embora esta questão não conheça tratamento uniforme nas nossas doutrina e jurisprudência, no nosso modesto entender, a legitimidade substantiva da Recorrida apenas estaria assegurada com a notificação da alegada cessão de créditos aos Recorrentes em momento anterior à dedução do incidente de habilitação.
XV) Por outro lado, à luz do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do C.P.C., o Acórdão recorrido encontra-se ainda em contradição com o entendimento perfilhado por alguns Acórdãos de Tribunais de Relação, como é o caso do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 17/12/2014, em que decidiu:
“(…) Pouco temos a acrescentar a esta posição porquanto a citação tem apenas uma tríplice função, a saber:
- dar conhecimento ao réu de que foi contra ele proposta uma determinada acção;
- convidar o demandado para se defender;
- constituí-lo como parte. (…).”
XVI) Integrado nesta corrente jurisprudencial, cite-se ainda o entendimento plasmado em Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 18/06/2007, referente ao Proc. n.º 0753072, nos seguintes termos:
I – A cessão de créditos para ser válida perante o devedor tem de lhe ser...
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