Acórdão Nº 346/18 de Tribunal Constitucional, 28-06-2018

Número Acordão346/18
Número do processo479/18
Data28 Junho 2018
Classe processualReclamação

ACÓRDÃO Nº 346/2018

Processo n.º 479/18

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. A., Lda. e B. recorrem nos presentes autos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC).

Por decisão proferida no dia 10 de novembro de 2017 em incidente de qualificação de insolvência, o Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra qualificou como culposa a insolvência da A., Lda. e julgou afetado por essa qualificação o seu gerente B., que foi ainda declarado inibido, pelo período de 2 anos, de exercer comércio e de ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, bem como condenado a pagar aos credores da insolvente indemnização correspondente ao valor dos respetivos créditos não satisfeitos, até à força do respetivo património.

2. Inconformados com aquela decisão, os recorrentes interpuseram recurso da mesma para o Tribunal da Relação de Coimbra, que o julgou improcedente por Acórdão de 27 de fevereiro de 2018.

3. Vieram então os recorrentes, em 15 de março de 2018, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, apresentando as seguintes conclusões:

«A. Foi proferido Acórdão pelo Douto TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA nos autos à margem identificados, segundo o qual se propugnou pela seguinte decisão: "Interpretada a alínea a), do n.º 3 do artigo 186.º com o sentido exposto, não merece qualquer censura a decisão recorrida por ter qualificado a insolvência como culposa, pois os recorrentes não demonstraram, como lhes cabia, que a insolvência não foi causada por culpa sua."

B. Referindo ainda que "A alegação de que o n.º 2 do artigo 186.º do CIRE estabelece as circunstância que determinam a qualificação da insolvência como culposa e que, no caso, nenhuma delas se verificava, e a alegação de que o n.º 2 do artigo 186.º era inconstitucional. Estas alegações são impertinentes para o caso porque nenhuma norma do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE foi aplicada para qualificar a insolvência como culposa.

C. Verifica-se a inconstitucionalidade de ambos os artigos, por um lado, o que serviu de fundamento à sentença (artigo 186.º n.º, 3. nomeadamente a alínea a)), por outro lado o supra citado n.º 2 do artigo 186.º.

D. Tem sido entendimento da doutrina e jurisprudência que no n.º 1 do art.º 186.º vem fixada a noção geral de insolvência culposa e no seu n.º 2 o legislador estabeleceu uma presunção inilidível que complementa essa noção.

E. Já o seu n.º 3, "mediante uma presunção ilidível, dá por verificada a existência de culpa grave quando ocorram determinadas situações nele previstas".

F. A presunção do n.º 2 do art.º 186.º é distinta da prevista no n.º 3. em que neste se consagra uma presunção "juris tantum" de culpa grave para que se possa qualificar a insolvência como culposa, sendo necessário ainda concluir-se que os comportamentos omissivos aí previstos criaram ou agravaram a situação de insolvência, não bastando a mera demonstração da sua existência. nos termos do seu n.º 1, ou seja. é ainda necessário provar-se o nexo causal entre a conduta gravemente culposa do devedor ou administrador e a criação ou agravamento do estado de insolvência (n.º 1 do art.º 186.º).

G. Os Recorrentes corroboram a posição que têm sido adotada pela maioria da jurisprudência e da doutrina, ou seja, que não basta requerer o incidente de qualificação de culposa sem a devida fundamentação, antes sim, exige-se prova cabal do que se invoca, mormente na junção de documentos que se mostrem imprescindíveis à descoberta da verdade material.

H. No entanto, entendem os recorrentes que se verifica a inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 186.º quando conjugado com um PER, nomeadamente se este suspende ou não o dever de apresentação à insolvência.

I. Não pode ser negada a possibilidade de recorrer ao PER e, ao mesmo tempo, porque esse PER não foi votado ao sucesso, ser qualificada a insolvência como culposa com base na alínea a) do n.º 3 do artigo 186º do CIRE (dever de apresentação à insolvência).

J. Deve-se colocar de parte a hipótese de apresentação à insolvência por parte do devedor em situação de insolvência atual ou mesmo iminente, quando tenha iniciado um PER, uma vez que não faz qualquer sentido que um mesmo devedor inicie um PER e se apresente à insolvência.

K. Em caso de uma situação de insolvência atual, o dever de apresentação à insolvência paralisa-se, se estiver em curso um PER, suspendendo-se o prazo de apresentação à insolvência.

L. Encontrando-se o devedor num PER, deverá ficar desobrigado do dever de apresentação à insolvência, sob pena de precludir o efeito almejado pelo PER e de proporcionar a revitalização dos devedores.

M. Caso assim não se entenda, estamos estaremos perante a violação de princípios constitucionais, nomeadamente do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa

N. As consequências do artº 189º nº 3 do GIRE afetam de forma direta direitos, Liberdades e garantias constitucionais as quais só podem sofrer restrições de acordo com a proporcionalidade e com base numa conduta fundamentada em factos culposos.

O. Pelo que se argui a inconstitucionalidade material da norma do artº 186º nº 3 do CIRE por violação das normas do artºs 13 da CRP.

P. Por sua vez, art.º 186.º n.º 2 do GIRE é estabelecida uma presunção absoluta de culpa, "é sempre culposa", uma presunção iure et iure de culpa é inadmissível em direito sancionatório pois não são permitidas presunções de culpa no que concerne a restrições a direitos, liberdades e garantias, mormente quanto à personalidade, à cidadania e à capacidade civil.

Q. Tais direitos de personalidade, são direitos absolutos cuja compressão só é admissível com base em lei e suportada em factos culposos nascidos de uma ação humana voluntária e consciente. Tal culpa não pode ser presumida.

R. É um principio estruturante do nosso ordenamento jurídico, que não há restrições de direitos de personalidade sem culpa o qual tem garantia constitucional, artºs 26º nºs 1 e 4 e 30º nº 4 da CRP.

S. As consequências do artº 189º nº 2 do CIRE afetam de forma direta direitos, liberdades e garantias constitucionais as quais só podem sofre restrições de acordo com a proporcional idade e com base numa conduta fundamentada em factos culposos.

T. Pelo que se argui a inconstitucionalidade material da norma do artº 186º nº 2 do CIRE por violação das normas dos artºs 26º nº 4, 30º nº 4, 58º,47º,61º e 62º da CRP e o principio geral de direito da proibição de pena sem culpa.

U. Logo estamos perante uma inconstitucionalidade orgânica, a qual se argui por violação da lei de autorização legislativa, a qual tinha que ser respeitada nos seus limites nos termos do artº 165º nº 2 da CRP, pelo que a norma do artº 186º nº 2 do CIRE é inconstitucional também por esta via, inconstitucionalidade que se invoca expressamente.»

4. Em 18 de março de 2018, os recorrentes interpuseram recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27 de fevereiro de 2018, o mesmo de que tinham já recorrido para o Tribunal Constitucional.

5. O Tribunal da Relação de Coimbra rejeitou o recurso de constitucionalidade, com os seguintes fundamentos:

«A., Lda, e B. interpuseram os seguintes recursos contra o acórdão proferido em 27 de Fevereiro de 2018:

1. Recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional [LTC];

2. Recurso de revista excecional ao abrigo das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.

O recurso para o Tribunal Constitucional previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC apenas cabe de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência.

Considerando:

1. Que os recorrentes interpuseram recurso de revista excecional;

2. Que este recurso cabe na espécie "recursos ordinários" (n.º 2 do artigo 627.º do CPC);

3. Que a competência para a verificação dos pressupostos da revista excecional cabe ao Supremo Tribunal de Justiça;

Concluo que não se pode afirmar, em relação ao acórdão proferido por esta Relação, que estamos perante decisão que não admite recurso ordinário.

Assim, ao abrigo n.º 2 do artigo 76.º da LTC, na parte em que dispõe que o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido quando a decisão o não admita, indefiro o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.

Quanto ao recurso de revista excecional, aguardem os autos o decurso do prazo para a resposta.»

6. O arguido reclamou desta decisão para o Tribunal Constitucional, apresentando as seguintes conclusões:

«A. Por despacho proferido em 21.03.2018, o Mmo. Juiz decidiu que: “(…) Considerando que : os recorrentes interpuseram recurso de revista excecional;...

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