Acórdão nº 346/17.9T9LNH.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 28-10-2020

Data de Julgamento28 Outubro 2020
Número Acordão346/17.9T9LNH.L1-3
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes desembargadores no Tribunal da Relação de Lisboa[1],

I- RELATÓRIO
1. Na sentença proferida nestes autos 346/17.9T9LNH, o tribunal singular do Juízo de Competência Genérica da Lourinhã do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte condenou, o Arguido LC____ pela prática, em co-autoria material, do crime de perturbação de assembleia de voto ou de apuramento, previsto e punido, pelo artigo 196.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, na pena de dois anos de prisão de execução suspensa por idêntico período de tempo, pela prática, em concurso efectivo, de um crime de presença indevida em assembleia de voto ou de apuramento, previsto e punido, pelo artigo 197.º, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, na pena de cem dias de multa, à razão diária de sete euros e condenar a Arguida AC_______ pela prática, em co-autoria material, de um crime de perturbação de assembleia de voto ou de apuramento, previsto e punido, pelo artigo 196.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, na pena de um ano de prisão de execução suspensa por idêntico período de tempo.
O Arguido LC____ interpôs recurso e da motivação extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
“IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A. A impugnação da matéria de facto é sobretudo dirigida aos factos provados sob os nºs 1.12 e 1.26 - o primeiro relativo ao alegado conhecimento do Arguido de que perturbava o funcionamento da assembleia de voto e impedia que os cidadãos exercessem o respectivo direito, o segundo relativo à atitude do Arguido quanto aos termos em que se dirigiu aos membros da mesa, particularmente as referências às insinuações de corrupção -, os quais devem ser considerados não provados, porque, na verdade, não ocorreram como está narrado na sentença.
B. Mas é também dirigida a outros segmentos que, embora não tão relevantes, também não devem ser considerados provados, a saber:
v) O Arguido não instruiu os seus filhos a abordarem o assunto de a urna não estar lacrada, pelo que a parte final do facto provado 1.14 (a partir de “e instruiu”) deve igualmente ser considerado não provado;
vi) Não é verdade que a CNE não forneça lacre ou fita para que as urnas sejam devidamente seladas, pelo que se deve considerar não provado o facto provado 1.22;
vii) Não pode dar-se como assente que nunca no concelho da Lourinhã houve problemas com as contagens de voto ou outros indícios de má conduta de membros das mesas eleitorais, pelo que se deve igualmente dar como não provado o facto provado 1.24;
viii) O Arguido nunca se recusou a abandonar o local onde decorria a mesa de voto, razão pela qual vão impugnados os factos provados 1.7 e 1.13.
C. Finalmente, a matéria relativa aos factos provados 1.11 e 1.28, referente ao exercício do direito de voto, está incompleta, razão pela qual se entende que deve ser aditado um novo facto - o 1.29 - do seguinte teor: enquanto ocorreu o incidente entre os Arguidos e os membros da mesa, os outros eleitores presentes (MR____ e RR___) exerceram o seu direito de voto, só tendo a mesa sido encerrada aquando da deslocação ao local da GNR, e enquanto esta lá permaneceu a fim de recolher os elementos para o auto de notícia que vieram a elaborar, altura em que os Arguidos já não se encontravam dentro da assembleia de voto; nesse período, entre 2 a 4 pessoas não exerceram o seu direito de voto (enquanto a GNR esteve no local), tendo- o exercido logo a seguir.
D. Para os efeitos do artigo 412 º nº 3 do C.P.P., especificaram-se, nos nºs 8 e 9 da motivação do recurso, os meios de prova convocados para o efeito.
E. Deve ainda ter-se presente a recomendação da CNE quanto à necessidade de as urnas estarem seladas ou fechadas em termos que garantam a inviolabilidade da urna, nos termos da documentação junto aos autos.
F. Em face dos meios de prova convocados para esse fim, impõem-se que sejam eliminados os factos provados nºs. 1.12 e 1.26, uma vez que, por um lado, o Arguido agiu movido pela convicção de que a situação da urna poderia permitir uma fraude eleitoral, e, por outro, não é verdade que tenha imputado a prática de qualquer prática de corrupção aos membros da mesa.
G. Relativamente ao facto provado 1.14 (quanto a partir da expressão “e instruiu”), embora seja marginal a sua relevância, não se vislumbra em que é que se sustenta o Tribunal para o efeito, uma vez que nenhum dos Arguidos se reporta a tal instrução, como decorre dos excertos das declarações do Recorrente e a sua filha supra transcritas (e as suas declarações podem ser ouvidas integralmente).
H. Relativamente ao facto provado 1.22, obviamente que se impõe a sua eliminação, como resulta do depoimento honesto e isento da testemunha SM_____, que expressamente refere que o kit fornecido às mesas de voto inclui barras de lacre, como também se retira implicitamente da comunicação efectuada pela CNE aos autos em 1/7/2019.
I. Relativamente ao facto provado 1.24, é também evidente que, tendo apenas ouvido os membros da mesa em causa nestes autos, não pode o Tribunal dar como assente que nunca no concelho da Lourinhã houve problemas com contagens de voto ou outros indícios de má conduta de membros das mesas eleitorais, sendo até difícil de entender porque é que o Tribunal produziu tão temerária afirmação.
J. Relativamente aos factos provados 1.7 e 1.13, no que respeita à recusa do Arguido em abandonar o local, mesmo depois de instado, a única leitura que se pode retirar dos depoimentos dos membros da mesa, cujos excertos relevantes acima se descreveram, é que o Arguido não saiu logo, permanecendo no espaço da assembleia durante algum tempo, mas acabando por sair voluntariamente, já aí não se encontrando quando a GNR chegou. Terá assim havido alguma “resistência” em deixar a assembleia de voto, mas não uma recusa em acatar a determinação de sair do local.
K. Finalmente, quanto ao novo facto a aditar, nos termos supra referidos na conclusão C, julgamos que se reporta a matéria incontroversa, que até se retira da própria sentença, mas que é conveniente explicitar.
L. Pelo exposto, deve ser deferida a impugnação da matéria de facto, nos termos supra assinalados nas conclusões A a C.
M. Por último, deve ainda eliminar-se o facto provado nº1.27, o qual não consta da acusação/pronúncia, tendo sido aditado, tal como o facto provado 1.26, de forma processualmente inválida, como se sustentou no recurso interlocutório interposto, que, nessa parte, se dá por reproduzido. Aliás, o Arguido não ameaçou nem nunca pretendeu agredir ninguém, sendo absolutamente abusiva a interpretação efectuada por alguns dos presentes acerca da sua intenção.
DO DIREITO: DO CRIME DE PERTURBAÇÃO DE ASSEMBLEIA DE VOTO OU DE APURAMENTO
N. Deferida a impugnação da matéria de facto, não há qualquer base factual para sustentar que o Arguido perturbou de forma grave a realização ou funcionamento da assembleia de voto, razão pela qual não está preenchido o tipo objectivo do crime previsto no artigo 196º da Lei Orgânica mº1/2001, 14 de Agosto (crime de perturbação de assembleia de voto ou de apuramento).
O. De resto, mesmo que não fossem deferidos todos os pontos de facto impugnados, designadamente, os factos 1.12 e 1.26, continuaria a não haver base factual suficiente para concluir que ocorreu uma perturbação grave do acto eleitoral.
P. Por outro lado, as circunstâncias do caso não permitem que se possa concluir que o Arguido agiu dolosamente, outrossim com o desejo de exercer o seu direito de cidadania, pelo que não fica demonstrado que tenha agido com dolo.
Q. Mesmo que assim não fosse, a verdade é que, tendo agido com vista a exigir a integridade da urna, o que manifestamente não estava a ocorrer - a urna não estava nem lacrada, nem selada, nem fechada de forma a garantir a sua inviolabilidade -, o Arguido agiu no exercício de um direito ou, pelo menos, em face às circunstâncias do facto, a ilicitude deve ser considerada excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade, nos termos do artigo 31º do C.P.
R. Pelo exposto, o Arguido deve ser absolvido da prática desse crime.
DO DIREITO: DO CRIME DA PRESENÇA INDEVIDA EM ASSEMBLEIA DE VOTO
S. No que respeita ao crime de presença indevida em assembleia de voto, o Arguido reconhece que não saiu logo que isso lhe foi solicitado, o que naturalmente não joga a seu favor.
T. Porém, deve ser reconhecido que o Arguido acabou por sair voluntariamente do local, nunca tendo expressado uma recusa em assim proceder, como se retira dos depoimentos das testemunhas MC___, RDR____, SS___ e AP___. Ou seja, o Arguido não acatou imediatamente o que lhe foi pedido, mas acabou por sair do local pouco depois e de forma voluntária.
U. Em face desse contexto, e sendo o Arguido eleitor da mesa daquela assembleia de voto, não nos parece que esteja preenchido o tipo objectivo do crime em pauta, o qual não se consuma com qualquer protelamento indevido da saída da assembleia de voto, mas com a prática de actos concludentes no sentido de que o agente se recusa mesmo a sair do local.
V. Por outro lado, deve ter-se presente a intenção da acção do Arguido, que permaneceu no local para protestar contra o que era uma prática eleitoral inadequada, o que exclui o dolo ou, pelo menos, integra uma causa de justificação nos termos do artigo 31º do C.P., uma vez que agiu no exercício de um direito, devendo considerar-se a ilicitude da conduta excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.
W. Pelo exposto, o Arguido deve também ser absolvido da prática do crime em apreço
DO DIREITO: DA MEDIDA DA PENA
X. Por último, põe-se em causa a severa condenação do Arguido- cidadão sem antecedentes criminais, que agiu para reclamar contra o facto de, na mesa da sua assembleia de voto, não estar garantida a inviolabilidade da urna, o que era verdade - numa pena de prisão de 2 anos, embora suspensa, pelo crime de perturbação de assembleia de voto ou
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