Acórdão nº 34545/15.3T8LSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça, 23-04-2020

Data de Julgamento23 Abril 2020
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão34545/15.3T8LSB.L1.S2
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e Mapre Seguros Gerais, S.A., pedindo que:

a) Seja o 1º R. condenado no pagamento ao A. da quantia de € 447.750,00 (quatrocentos e quarenta e sete mil setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros no valor de € 72.315,68 (setenta e dois mil trezentos e quinze euros e sessenta e oito cêntimos), num total de €520.068,68 (quinhentos e vinte mil e sessenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos;

b) Seja a 2ª R. condenada a pagar a parte do valor da alínea anterior que lhe corresponda por via do contrato de seguro correspondente à apólice n° 60…58, desconhecendo o A. qual o limite do capital segurado ao 1° R. na medida em que desconhece se os RR. celebraram entre si reforço de capital.

Alegou, em síntese:

- Que o A. intentou uma acção ordinária contra Águas de S. José, Lda., CC e DD, que correu termos no Tribunal Judicial de …, em que pedia a condenação dos réus no pagamento de uma dívida no montante de € 447.750 e juros no montante de € 72.315,68;

- Que o tribunal concluiu que a ré sociedade estava obrigada a restituir ao autor a quantia de € 125.000 acrescida de juros remuneratórios e moratórios desde a citação até integral pagamento mas já tinha pago a quantia de € 138.997,28, superior ao capital em dívida,

- E por isso, julgou extinta a obrigação dos réus;

- Tal julgamento resultou de erro manifesto e grosseiro na análise da prova, mormente a documental e consequente erro quanto à matéria de facto dada como provada;

- Inconformado com essa sentença, o A. deu instruções expressas ao aqui 1º R., seu advogado, para, em seu nome, interpor recurso;

- Porém, o recurso apresentado pelo 1º R. não continha alegações, pelo que não foi admitido;

- Da conduta do 1º R., resultaram prejuízos para o A.:

. Preclusão do direito de ver reapreciada em sede de recurso a matéria de facto;

. Preclusão do direito de ver corrigido o valor constante do acórdão;

. Danos patrimoniais.

A R. Mapfre Seguros Gerais, S.A. contestou, admitindo a celebração de contrato de seguro com a Ordem dos Advogados, limitando a sua responsabilidade ao capital seguro, com a dedução da franquia; e impugnou factos alegados pelo A., invocando em síntese:

- Não existe actuação ilícita imputável ao lº R.;

- A alegada omissão do lº R. não acarretou para o A. quaisquer danos e/ou prejuízos;

- Não existe nexo de causalidade adequada entre as alegadas omissões e/ou imprecisões e a total improcedência da pretensão do A. no processo;

- Na perda de chance, o que deve ser indemnizado é a ausência da possibilidade de o constituinte ter tido a sua pretensão apreciada pelo tribunal e não o valor que esse processo lhe poderia eventualmente propiciar.

O 1º R. contestou, impugnando factos alegados pelo A. e dizendo, em síntese, que da sua conduta não resultaram danos para este.

A fls. 1011 foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. do pedido.

Inconformado, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Por acórdão de fls. 1087 o recurso foi julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.


2. Veio o A. interpor recurso de revista, por via excepcional, o qual foi admitido por acórdão de fls. 1192 da Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do Código de Processo Civil.


3. Formulou o Recorrente as seguintes conclusões a respeito do objecto do presente recurso:

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade]

“23. Definição do objeto da presente revista excecional,

24. No douto acórdão recorrido proferido pela Relação de Lisboa foi decidido repetindo a sentença de 1ª instância que: “o primeiro reu cometeu um acto ilícito e culposo”.

25. O 1º Réu, advogado, não interpôs o competente recurso que lhe foi pedido que fizesse da sentença de 1ª instância.

26. Mas, diz a sentença em causa que se não podia concluir dos factos apurados na ação que “caso tivesse sido admitido um recurso, existisse um mínimo grau de probabilidade de êxito, e que tenha existido um prejuízo patrimonial e não patrimonial pelo facto de não ter o autor visto a questão apreciada pelo Tribunal da Relação de Évora."

27. "Assim, não se demonstrou que a falta de apresentação das alegações de recurso foi causa adequada da perda de uma oportunidade de ver a decisão alterada com a condenação nos montantes pretendidos.

28. Esta decisão não é aceitável.

29. Mesmo que as instâncias não pudessem concluir qual o quantum indemnizatório, o certo é que sempre tinham que admitir ter havido dano. E que esse dano em si, per si, tem que ter reparação indemnizatória.

30. Com efeito, se existe situação em que é manifesto o erro e a faculdade de ser corrigido, tanto pelo tribunal a quo como pelo tribunal ad quem, é este, por tão objetivo e material.

31. Então existe alguma dúvida sobre a diferença de valor entre um cheque de € 250.000,00 e o mesmo cheque de valor de € 12.400,00?

32. Seria possível um senhor juiz desembargador da Relação de Évora, receber o recurso daquela decisão da senhora juíza EE, de … contendo uma calamidade destas e nada fazer, não corrigir, nem obrigar a corrigir o erro, devolvendo e baixando os autos?

33. Aliás, a própria juíza meritíssima que prolatou a sentença não deixaria de o fazer antes de remessa do recurso para o tribunal superior, retificando o erro, porque de erro se tratava.

34. O certo é que, com esse erro se destituiu o ora recorrente do seu direito de crédito sobre os Réus na ação e se afirmou fixou que crédito e débito se equiparados e nada lhe era devido.

35. Os réus na ação em causa, para pagamento das importâncias que o autor e ora recorrente lhes entregara, fizeram preenchimento de 8 cheques totalizando o valor de €447.750,00. (ponto 10 da sentença).

36. O cheque referido no n° 4, cheque 57…66 datado de 26/10/2002, tinha aposto o valor de €250.000,00.

37. Esse cheque n° 57…66 datado de 26/10/2002, consta igualmente da p.i. da ação principal e foi junto a esta (ponto 17).

38. No ponto 18 da sentença diz-se que no ponto 12 dos factos provados, constam os mesmos 8 cheques e que foram devolvidos com a menção de "extravio".

39. Desde logo, se foram extraviados, então não foram pagos ao apresentante, o ora recorrente, o que vale por dizer que aquela quantia de €447.750,00, não foi recebida pelo ora recorrente. Ficou em dívida.

40. Por outro lado o valor destes mesmos 8 cheques, aqui relacionados, já não perfaziam o montante de 447.750,00, mas tão só de €207.000,00 porque o cheque em 4. tem aposto apenas o valor de €12.400,00.

41. Seja como for, os réus foram aqui beneficiados com a alteração do valor do cheque n° 57…66 datado de 26/10/2002, que sendo de valor aposto de €250.000,00, aparece aqui reduzido a 12.400,00 (doze mil e quatrocentos euros).

42. O recorrente teve um dano de valor elevado que se pode contar em mais de quatrocentos mil euros.

43. Mas, como seguro existe o valor de diferença entre 250.000 e 12.400,00, ou seja, €237.600,00 (duzentos e trinta e sete mil e seiscentos euros).

44. Então não existe dano? e não era espectável, em elevado grau de plausibilidade que o Tribunal da Relação (caso o não fizesse o tribunal a quo) fizesse ou ordenasse a baixa do processo para corrigir este erro?

45. Este dano está provado, até pelo valor facial do cheque.

46. Então é indiferente ter ou não interposto recurso para efeitos de resultado?

47. O erro, o facto ilícito culposo praticado pelo 1º R. determinou o desastre para os interesses e direitos legítimos do recorrente e a impossibilidade irremediável de o evitar.

48. O acórdão ora recorrido, ao secundar ipsis verbis, o decidido pelo tribunal de 1ª instância, incorre em nulidade por omissão de conhecimento sobre os factos relevantes para esta matéria de facto e de direito.

49. Tivesse ele recorrido e outra porta de oportunidade se teria aberto para o recorrente. Eis a questão de direito.

50. A segunda R., seguradora Mapre, escapa por esta via às suas responsabilidades como seguradora, como parte outorgante no contrato de seguro de grupo celebrado com a Ordem dos Advogados, supra identificado.

51. Este Supremo Tribunal de Justiça pode, e se espera que o faça, conhecendo sobre todas as questões omitidas pela RL bem como as demais tendentes a garantir o direito do recorrente.

52. Com efeito, como resulta no acórdão fundamento, ponto 9, pág.23, com apoio de Paulo Mota Pinto, in Perda de Chance processual, in RLJ Ano 145, Março-Abril de 2016, e acórdão do STJ de 22/10/2009, relatado pelo senhor Juiz Conselheiro João Bernardo, no processo 409/09.4YFLSB: Citamos:

" O Supremo Tribunal de Justiça passou (...) a aceitar o ressarcimento da perda de chance processual, atribuindo ao lesado uma indemnização mesmo em casos em que não conseguiu determinar a probabilidade de vencimento, fazendo uma avaliação equitativa do dano"

E ainda, que:

"A orientação dominante na nossa jurisprudência em matéria de chance processual passou, pois a ser hoje a de que o dano resultante da perda de chance processual pode relevar se se tratar de uma chance consistente, designadamente se se puder concluir, com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança (expressão de Cons. Sebastião Póvoas), que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida", sublinhado nosso.

E as senhoras Juízas Conselheiras, no acórdão fundamento que adotamos, continuam a acentuar que: "não obstante as divergências quanto à caracterização ou não da perda de chance como dano autónomo, não vemos que exista obstáculo a que essa perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, não possa ser qualificada como um dano em si, posto que sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados"...

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