Acórdão nº 3446/17.1T8VFX.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 16-12-2021
Data de Julgamento | 16 Dezembro 2021 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA. |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 3446/17.1T8VFX.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Processo n.º 3446/17.1T8VFX.L1. S1
Recurso de revista
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça.
I. Relatório
AA instaurou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho, contra a Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., pedindo que se reconheça o acidente que sofreu em 05 de janeiro de 2017, como sendo acidente de trabalho à luz do art.º 6 da LAT, e, em consequência, seja a Ré condenada no pagamento de pensão anual e vitalícia, no subsídio de elevada incapacidade e no pagamento da quantia de € 852,48 a título de despesas de deslocação.
Alegou que reside em ..., embora a sua residência profissional esteja situada em Portugal, na sede da sua entidade empregadora, sendo que o art.º 6 da LAT deve ser entendido de forma abrangente, incluindo não apenas a residência permanente, mas também a residência ocasional e profissional. Exerce a profissão de ... em serviço internacional e o seu principal local de trabalho era em território português, embora com deslocações temporárias ao estrangeiro.
No dia 05 de janeiro de 2017, quando ao serviço da sua entidade empregadora, sofreu um acidente de viação na ..., do qual lhe resultou fratura da coluna lombar, sendo que em virtude das lesões sofridas, padece de sequelas fixadas em exame médico singular, designadamente fratura de L3, com artrodese L2-L4 e afetação do plexo lombar esquerdo, com hiposestesia na face anterior da coxa esquerda.
À data do acidente auferia a retribuição anual de €14.583,32, a sua entidade empregadora tinha transferida para a Ré a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, por contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ...82
A Ré contestou, alegando que aceita a existência do acidente de viação ocorrido na ..., bem como a existência do contrato de seguro de acidente de trabalho titulado pela apólice n.º ...82 celebrado com a entidade empregadora do autor, pela retribuição anual no valor de € 14.583,32. Todavia, ao acidente dos autos não é aplicável a Lei n.º 98/2009 de 04 de setembro, porquanto, aquando da sua ocorrência, o Autor que não tem nacionalidade ..., não residia em Portugal, nem aqui exercia a sua atividade, não sendo, aplicáveis os artigos 5º e 6º da mencionada Lei. Com efeito, o Autor residia permanentemente em ... e aí exercia a sua atividade, posto que aí iniciava e terminava as viagens ao serviço da sua entidade empregadora, sendo aí que se situava o seu domicílio profissional.
Concluiu no sentido da improcedência da ação, devendo ser absolvida do pedido.
Realizou-se a audiência de julgamento, tendo o Tribunal da 1ª instância proferido sentença com a seguinte decisão: «Por tudo quanto se deixou exposto, o tribunal julga a ação procedente e, reconhecendo como acidente de trabalho o acidente sofrido pelo autor, condena a ré no pagamento (ao autor): a) da pensão anual e vitalícia de € 7.729,16 (sete mil setecentos e vinte e nove euros e dezasseis cêntimos), com efeitos a partir de 29 de Setembro de 2017, atualizada, a partir de 1 de Janeiro de 2018, para o valor de € 7.868,28 (sete mil oitocentos e sessenta e oito euros e vinte e oito cêntimos) e atualizada, a partir de 1 de Janeiro de 2019, para o valor de € 7.994,14 (sete mil novecentos e noventa e quatro euros e catorze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações da pensão em falta até efetivo e integral pagamento;
b) a quantia de € 4.143,24 (quatro mil cento e quarenta e três euros e vinte e quatro cêntimos), a título de subsídio por elevada incapacidade, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 29 de setembro de 2017 até efetivo e integral pagamento; c) a quantia de € 847,44 (oitocentos e quarenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos) a título de despesas de deslocação. Fixa-se à ação o valor de € 101.574,26 (cento e um mil quinhentos e setenta e quatro euros e vinte e seis cêntimos).
A Ré, inconformada interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação ... que, por acórdão datado de 24 de junho de 2020, proferiu a seguinte decisão:
«Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar (com distinto fundamento) a sentença recorrida.»
A Ré, de novo inconformada, interpôs o presente recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando alegações, onde formula as seguintes Conclusões:
1. Vem a presente revista interposta do douto acórdão de fls. , que considerou que o sinistrado tem direito às prestações decorrentes da lei nacional, confirmando, embora com diverso fundamento, a sentença proferida na primeira instância que julgou que ao acidente sofrido pelo autor é aplicável a lei portuguesa e que, por se verificarem os requisitos da sua qualificação como de trabalho, o autor tem direito às prestações previstas, para a sua reparação, na Lei 98/2009, de 4 de Setembro (LAT), condenando, em consequência e face aos factos provados, a ora recorrente no pagamento ao autor das prestações, em espécie e em dinheiro previstas nessa lei.
2. Salvo o devido respeito, essa decisão deve ser revogada, por enfermar de erro de interpretação e aplicação da lei aos factos, ao considerar ter o autor direito às prestações previstas na LAT.
3. Dos presentes autos, e com interesse para a discussão dos fundamentos da revista, resulta demonstrado, designadamente, que o autor é estrangeiro, residia em ... na altura do acidente (como ainda hoje reside) e sofreu um acidente de viação na ... quando seguia como ocupante numa viatura pesada, estando ao serviço da sua entidade empregadora.
4. Não se questionando, como nunca se questionou, que a lei aplicável aos pedidos formulados na presente ação é a lei material portuguesa, mais precisamente a Lei 98/2009, de 4 de Setembro (LAT), conclui-se que o acidente sofrido pelo autor deve ser qualificado como acidente de trabalho, por se mostrarem preenchidos os requisitos para tal, uma vez que o acidente ocorreu em execução do contrato de trabalho do autor e que lhe produziu lesão corporal de que resultou redução na sua capacidade de trabalho e de ganho (art.º 8 da LAT).
5. Mas, apesar de considerar o acidente dos autos como acidente de trabalho, a lei portuguesa aplicável não confere ao autor o direito às prestações previstas nessa mesma lei (art.6º, n.º 1 da LAT).
6. Com efeito, e como se conclui também na douta sentença proferida na primeira instância e no douto acórdão recorrido, está afastada a aplicação ao caso dos autos – de forma definitiva, uma vez que a sentença proferida em primeira instância a afastou, sem que qualquer das partes reagisse contra esse afastamento – da previsão do art.º 5-1 da LAT – que dispõe que o trabalhador estrangeiro que exerça a atividade em Portugal é, para efeitos dessa lei, equiparado ao trabalhador português, mas apenas no que respeita a acidentes de trabalho ocorridos em Portugal, o que não é o caso dos autos – posto que o autor é estrangeiro e “que é evidente que o autor não exerce atividade em Portugal, pelo menos não de forma estável e permanente como parece pressupor o preceito em análise”.
7. Face ao afastamento da possibilidade de reparação deste acidente com base no art. 5º da LAT, resta averiguar em que medida é aplicável ao acidente dos autos o disposto no art.º 6 da LAT, que dispõe que o “trabalhador português e o trabalhador estrangeiro residente em Portugal sinistrados em acidente de trabalho no estrangeiro ao serviço de empresa portuguesa têm direito às prestações previstas na presente lei, salvo se a legislação do Estado onde ocorreu o acidente lhes reconhecer o direito à reparação, caso em que o trabalhador pode optar por qualquer dos regimes”.
8. Ora, da leitura desse normativo parece resultar que o acidente sofrido pelo autor não é reparável face à lei portuguesa, como, aliás, se refere também na douta sentença proferida na primeira instância: “O art.6.º, ns.º 1 e 2, da LAT, pressupõe, no que ao trabalhador estrangeiro respeita, que estejam reunidos os seguintes requisitos para que o acidente, ocorrido no estrangeiro, seja reparável à luz da lei portuguesa: (i) que o trabalhador estrangeiro resida em Portugal; (ii) que esteja ao serviço de empresa portuguesa; (iii) que opte pela aplicação da lei portuguesa, sendo que, na ausência de opção expressa, será esta a aplicável.
No presente caso, é linear que a empresa ao serviço da qual o autor sofreu o acidente é portuguesa, do mesmo passo que o autor, conforme emerge da posição processual assumida, optou pela sua aplicação. Contudo, o autor não reside em Portugal (alínea E), dos factos provados), pelo que, assim vistos os requisitos supra enunciados, seríamos levados a crer não ser o acidente reparável à luz da lei portuguesa”.
9. No entanto, para afastar a aplicação deste art.6º da LAT – que, na sua previsão exclui a possibilidade de o autor da presente ação ter direito às prestações previstas na LAT –, quer a douta sentença proferida na primeira instância, quer o douto acórdão de que ora se recorre, configuraram essa norma como uma “norma de conflitos unilateral de fonte interna” que, como tal e “face ao disposto no art. 8º-4 da Constituição da República Portuguesa terá de ceder em relação a norma de conflito de fonte europeia”, por o acidente em causa nos autos ter conexão com ordenamentos jurídicos diferentes.
10. E, partindo desta qualificação como norma de conflitos da disposição contida no art. 6º da LAT, a douta sentença proferida na primeira instância recorreu ao “Regulamento (CE) n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho de 2008, sobre a lei aplicável...
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