Acórdão nº 344/19.8JABRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 28-04-2021

Data de Julgamento28 Abril 2021
Case OutcomeNEGADO PROVIMENTO
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão344/19.8JABRG.G1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I
Relatório


1. AA, mais detidamente identificado nos autos, foi julgado no Juízo Central Criminal …, do Tribunal Judicial da Comarca …, e aí, por acórdão proferido a 26/06/2020, pela prática de um crime de homicídio qualificado agravado, p. e p. pelos arts. 131 e 132, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal, condenado na pena de 19 anos de prisão.

Igualmente foi também condenado no pagamento de indemnização aos demandantes no âmbito do pedido cível.


2. Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação ….., essencialmente arguindo nulidades – nulidade da acusação, por violação do disposto no art. 283, n.º 3, al. f), do CPP e arts 18, n.ºs 2 e 3 e 32, nº 5, da CRP, a nulidade prevista no art. 120, al. d), do CPP, e por alegada insuficiência de inquérito; pondo em crise a alteração dos factos comunicada pelo Tribunal no decurso da audiência de julgamento, considerando que se trata de uma alteração “mais do que substancial”; e finalmente contrariando a decisão relativa à fixação da medida concreta da pena, que considerou excessiva, inadequada e desproporcional.


3. Irresignado ainda, interpôs recurso da decisão da Relação, que substancialmente não lhe daria razão, salvo ter considerado que “a existência do relacionamento amoroso com terceiro, sob o mesmo teto, deve ser tida como um fator atenuativo da acção do arguido” e que era “mais justo, adequado e proporcional, fixar a pena concreta um pouco abaixo do ponto médio da respectiva moldura, mais concretamente em 17 (dezassete) anos de prisão’”.

Foram as seguintes as Conclusões da Motivação do recorrente:

I. Há, no caso em apreço, manifesta nulidade por insuficiência do inquérito (artigo 120.º, n.º 2, al. d), do C.P.P), na medida em que o Despacho de acusação proferido nos presentes autos não continha o Relatório de Autópsia, não havendo, por isso, causa da morte.

II. A acusação não integrava todos os factos produzidos contra o Arguido, violando, com isso, o princípio basilar Constitucional dos Direitos de defesa daquele.

III. A alteração não substancial dos factos produzida pelo Tribunal a Quo, uma vez que a acusação não continha a autópsia, e que apenas reproduz o teor da mesma, é mais que substancial, o que não se aceita, e visa apenas tentar integrar a autópsia na própria acusação, contornando os direitos de defesa do Arguido e, portanto, violando os mesmos.

IV. Contudo, e pese embora a alongada pormenorização quanto a tal circunstancialidade, por parte do aqui Recorrente, em sede de recurso por si apresentado junto do Tribunal da Relação ……,

V. Refere o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação …. que inexiste a nulidade por insuficiência do inquérito.

VI. Sustenta, o Acórdão recorrido, que inexiste a nulidade decorrente da insuficiência do inquérito pois, o afirmado pelo Recorrente de que não estando elaborado o relatório de autópsia, este não existe, equivale a dizer que se desconhece a causa da morte de um cidadão colocado perante um pelotão de fuzilamento e alvejado por uma dezena ou mais de tiros.

VII. No entanto cumpre alegar, a este propósito, que tal conclusão é meramente linear e simplista, na medida em que olvida, além do mais, que podia tal pelotão ter, apenas e tão só, tiros de pólvora seca,

VIII. Ou, até, se de pólvora seca não se tratasse, ter alvejado o cidadão após este já se encontrar morto por outra qualquer causa.

IX. Pelo que, como se torna óbvio, nesse caso e na linha de raciocínio adotada no Acórdão recorrido, iriamos, mesmo assim e apesar disso, imputar a causa da morte a esse pelotão e não a outra, revelando uma contradição nos próprios termos.

X. Posto isto, ainda defende salvo o devido respeito, incompreensivelmente, o Acórdão recorrido que, apesar de ser claro na constatação da já aludida ausência do relatório de autópsia, tal não é sinonimo de a autópsia não estar efetuada ou completa,

XI. Faltando, apenas, dactilografar o relatório, conferi-lo, assiná-lo e enviá-lo ao seu destinatário, o que já constitui, pelo menos em parte, matéria do âmbito administrativo.

XII. E para tal, ainda adianta o paralelismo entre a factualidade descrita e o julgamento de uma causa, afirmando, sem mais, que, adotando a linha de raciocínio explanado pelo Recorrente, “o julgamento de uma causa apenas está completo com a elaboração, assinatura e depósito da sentença/acórdão”,

XIII. Quando, de facto, “a decisão a proferir está perfeita e completa (ainda que só nos apontamentos ou na cabeça do julgador) aquando do encerramento da audiência.”

XIV. Ora, tal como se afasta a conclusão explanada no Acórdão recorrido, quando refere o pelotão de fuzilamento, igualmente se afasta o paralelismo que nela se faz e que supra se aludiu.

XV. E assim o é, já que aludindo à máxima que ordena no Ordenamento Jurídico Português, que é:

Quod non est in acta non es in mundo”

XVI. Que se leia para a própria sentença proferida nos presentes autos, e, por ordem de razão, para o relatório da autópsia.

XVII. Se assim o fosse, e a corresponder ao vertido, a lei não necessitaria de ser publicada ou promulgada, já que bastaria que a mesma estivesse na cabeça do legislador.

XVIII. Tudo isto a revelar que se confusão há, ela não surge com base no alegado pelo Recorrente na motivação de recurso por si apresentada, mas sim na argumentação expendida no Acórdão recorrido,

XIX. Razão pela qual, como V/Exas., Venerandos Conselheiros, certamente decidirão, não tendo o relatório de autópsia integrado o Despacho de acusação proferido (como, de facto, atesta o próprio Acórdão recorrido),

XX. Verifica-se a existência de nulidade por insuficiência do inquérito, decorrente do artigo 120.º, n.º 2, al. d), do C.P.P, a qual deve ser determinada e, nessa sequência, revogado o Acórdão proferido, pois, só assim, se fará inteira Justiça Material!

XXI. Para além disso, a acusação proferida pelo Ministério Público, no caso em apreço, configura uma acusação insuficiente,

XXII. Nela sendo feitas meras referências genéricas e inconclusivas, já que o relatório da autópsia, elemento que, de facto, integra os esclarecimentos probatórios necessários para o efeito, ainda não tinha sido, sequer, elaborado à data em que o Despacho de acusação foi proferido.

XXIII. Assim, por se encontrar, o Despacho de acusação, notoriamente desprovido de qualquer elemento de prova – relatório da autópsia - que permita, assim, uma fundada narração dos factos imputados ao Arguido, aqui Recorrente,

XXIV. Violando, assim, o disposto no artigo 283.º, n.º 3 al. f), do Código de Processo Penal, no que à indicação dos meios de prova diz respeito e o preceituado nos artigos 18.º, n.º 2 e n.º 3 e 32.º, n.º 5 da CRP, no que aos direitos de defesa do Arguido diz respeito.

XXV. No entanto, e, mais uma vez, fazendo tábua rasa de tudo o alegado pelo Recorrente em sede de motivação por si apresentada, refere o Acórdão recorrido que inexiste, também, a nulidade da acusação,

XXVI. Pois, para além do Recorrente confundir os factos que lhe foram imputados e de que tem direito a defender-se, com os meios de prova adequados a demonstrar tal ação,

XXVII. Os factos imputados ao Arguido foram concretos e objetivos e não podiam deixar de ser claramente percebidos por este, que, assim, teve toda a oportunidade de deles se defender,

XXVIII. Nesta senda, entende o aqui Recorrente ser de extrema essencialidade referir que, assumindo o despacho de acusação uma componente delimitativa e informativa, o conjunto de elementos presentes no artigo 283.º, do C.P.P.,

XXIX. Configuram elementos essenciais à validade da acusação, sendo a narração dos factos constitui o ponto fulcral do despacho acusatório.

XXX. Isto a revelar que os factos essenciais são aqueles que fundamentam a aplicação de uma pena ou medida de segurança,

XXXI. Ou seja, a narração dos factos essenciais deve ter como norteador a configuração legal do crime em apreço. Com efeito, é esta que nos transmite os elementos que devem constar na acusação.

XXXII. Ora, reportando-nos, agora, ao caso em concreto, certo é que, como é de lógica assunção, e do perfeito conhecimento do aqui Recorrente, não se deve confundir o acontecimento histórico (factos) com os meios de prova,

XXXIII. Sendo que o que releva, nesta sede, é a descrição dos factos e não das provas que os sustentam.

XXXIV. O que, de facto, não pode ocorrer é o que sucedeu no caso sub judice, no qual foi elaborado um Despacho de acusação, nele tendo sido incluídas meras conclusões genéricas e conclusivas.

XXXV. E diz-se meras conclusões genéricas e conclusivas, pois, contrariamente ao defendido no Acórdão recorrido, a factualidade descrita no despacho de acusação nunca pode ser considerado como concreta ou objetiva,

XXXVI. Desde logo porque tais conclusões, à data da elaboração da acusação, nem sequer existiam formalmente!

XXXVII. A este propósito, há que atentar ao mais do que reiterado facto de que à data da elaboração do Despacho de acusação não tinha sido elaborado o relatório de autópsia,

XXXVIII. Logo, não se pode concluir de outro modo que não seja, como é óbvio, que as conclusões médicas que integram tal despacho ainda nem sequer existiam.

XXXIX. Saliente-se que na situação em apreço, não se confunde, como refere o Acórdão recorrido, a narração da factualidade imputada ao Arguido com os meios de prova adequados a demonstrar tal ação,

XL. Mas, ao invés, acentuadamente aponta-se a mais do que clara e evidente realidade que brota da mesma que é a não existência de relatório de autópsia à data da elaboração do Despacho de acusação,

XLI. Tendo, até, sido revelado, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento pela Exma. Sra. Dra. BB, que tais informações nunca foram transmitidas,

XLII. O que, mais uma vez, revela a clara e evidente inexistência força probatória de tal elemento documental,

XLIII. E, como tal, as conclusões tecidas não mais podem ser configuradas como...

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