Acórdão nº 3425/19.4T8VLG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 15-12-2021
Data de Julgamento | 15 Dezembro 2021 |
Número Acordão | 3425/19.4T8VLG.P1 |
Ano | 2021 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Proc. nº 3425/19.4T8VLG .P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Valongo - Juiz 2
Recorrente: B…, S.A.
Recorrida: C…
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
A A., B…, S.A., com sede na Praça…, nº …, …. Lisboa, pessoa colectiva n.º …….., intentou acção declarativa com processo comum contra a R., sua trabalhadora, C…, solteira, maior, portadora do cartão do cidadão n.º …….., contribuinte fiscal n.º ……… e residente na Rua…, Bl…, ….-… Valongo, com os fundamentos que constam da petição que terminou com o pedido de que, “deverá a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada, e em consequência ser declarado que a Autora aceitou o pedido de trabalho em regime de flexibilidade de horário apresentado pela Ré e que, consequentemente, não tem esta direito a escolher os dias de descanso semanais devendo por isso trabalhar em qualquer dia da semana que a Autora indique”.
Alegou, em síntese, que o seu objecto social abrange a exploração, administração, gestão e desenvolvimento de espaços comerciais, bem como de todas as actividades com estes estabelecimentos relacionadas, nomeadamente o comércio, importação, distribuição e armazenagem de artigos não especificados, estabelecimentos esses que são caracterizados por terem uma área comercial ampla e situarem-se em centros comerciais, os quais estão em funcionamento durante os sete (7) dias de semana e com horário de abertura às 10:00 horas e encerramento entre as 23:00 e as 24:00 horas, todos os dias, estando a autora obrigada a manter as lojas abertas todos os dias e durante o horário de funcionamento dos respectivos centro comerciais, sob pena de lhe serem aplicadas penalizações comerciais em caso de incumprimento.
Mais, alega que a ré é sua trabalhadora desde 25.08.2014, tendo sido contratada para exercer as funções de operador de loja, que ainda exerce, na loja da autora sita no Centro Comercial D…, tendo um período normal de trabalho semanal de 25 horas e diário de 5 horas. Sucede que a ré, no dia 04.10.2019, remeteu uma carta à autora, cuja cópia juntou aos autos, carta essa através da qual, e em suma, a ré, invocando o disposto nos art.s 56.º e 57.º do CT e demais normas aplicáveis, solicitou a atribuição de um horário de trabalho flexível, para prestar assistência à sua filha, com um ano de idade e que vive consigo, pretendendo que lhe seja atribuído, o seguinte horário “fixo”: das 07:00 às 12:00 horas, de forma ininterrupta, de segunda-feira a sexta-feira (folgando ao sábado e ao domingo).
Continua, alegando que respondeu a esta carta da ré comunicando-lhe, em suma, que lhe fixava o horário de trabalho das 07:00 às 12:00 horas, mas de segunda-feira a domingo, com folgas rotativas (não aceitando “a fixação de descansos fixos”), pelo período de 4 anos, e entrando em vigor no dia 18.11.2019. Que a esta sua carta respondeu a ré, em síntese, opondo-se à posição da autora, persistindo na pretensão de que o horário de trabalho apenas compreenda os dias de segunda-feira a sexta-feira, sem prestação de trabalho ao sábado e ao domingo. E, então a autora solicitou à CITE que emitisse o competente parecer, tendo esta entidade emitido parecer desfavorável à intenção da autora de recusar o regime de horário apresentado pela ré.
Por fim, alega que não recusou o pedido de trabalho em regime de horário flexível, quer porque o “horário flexível” solicitado pela ré não se enquadra no conceito de horário flexível previsto nas próprias normas legais (art.s 56.º e 57.º do CT) em que a ré baseia o seu pretenso direito, quer porque, nos termos legais, compete ao empregador elaborar o horário de molde a que o trabalhador possa “escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.”.
Para fundamentar o pedido reconvencional, alega que, após ter solicitado a atribuição de um horário flexível, a autora adoptou um comportamento que lhe causou “angústia, preocupação, desassossego e incerteza quanto ao futuro” e, ainda, que teve de suportar os custos inerentes a um processo judicial, designadamente com o recurso aos serviços de um advogado, com o que já despendeu a quantia de 615,00€.
Conclui a requerer que:
“a) Se digne considerar totalmente improcedente, por não provado o pedido formulado pela A., sendo a R. absolvida, pelos fundamentos alegados e com as legais consequências;
b) Ser fixado, agora por Sentença, o horário solicitado pela R. e que foi devidamente considerado como legítimo pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego;
c) Ser julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional e a reconvinda condenada a pagar à reconvinte:
c.1) ser condenada ao pagamento de uma indemnização nunca inferior €1.500,00, a título de danos não patrimoniais;
c.2) ser condenada ao pagamento de uma indemnização nunca inferior €615,00, a título de danos patrimoniais, isto é, por procuradoria condigna e demais encargos com o processo”.
“3. Que atenta a falta de fundamento jurídico da contestação apresentada,
4. e a actuação absolutamente legal da Autora,
5. nunca nenhum valor a título de indemnização seria devido à Ré.
6. Não se podendo deixar de sublinhar que a indemnização por pagamentos efectuados a mandatários judiciais têm uma sede própria, que se chama de “custas de parte”, não se entendendo a que título é que os mesmos são peticionados autonomamente nesta sede”.
“Nos termos e pelos fundamentos expostos julgo procedente a presente acção, declarando-se que a autora aceitou o pedido de horário apresentado pela ré no que tange às horas de entrada e de saída, e que a ré não tem direito a escolher os dias de descanso semanais.
Custas pela ré.
Registe e notifique.”.
“a) Nunca em momento algum, ficou provado que “a autora sempre que lhe foi possível fez coincidir os dias de descanso semanais da ré com os fins de semana”, muito pelo contrário, mal foi proferida a decisão, tratou de retirar as folgas ao sábado e domingo à aqui Apelante.
b) Resultou provado de forma inequívoca a impossibilidade de a autora deixar a filha numa creche, ou pré-escola, antes das 7h30 e depois das 19h, e aos dias não úteis, quer por via documental quer testemunhal.
c) A Autora procedeu à imediata alteração das folgas semanais da aqui Apelante, fixando prontamente folgas rotativas e não fixas (excluindo assim os dias não úteis, durante os quais não tem com quem deixar a sua filha menor), assim que conheceu a sentença.
………………………………….
………………………………….
………………………………….
Deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, dar sem efeito a douta sentença do tribunal a quo, que condene a Autora a aceitar a decisão da C.I.T.E., absolvendo a Ré da instância.
Assim se fazendo a costumada Justiça!”.
Notificadas, nenhuma das partes respondeu a este parecer.
Assim, a questão suscitada e a apreciar consiste em saber se o Tribunal “a quo” errou na decisão de direito, devendo a acção ser julgada improcedente, como defende a recorrente.
A) OS FACTOS:
- A 1ª instância considerou os seguintes:
“Factos provados:
a) A autora é uma sociedade comercial cujo objecto abrange a exploração, administração, gestão e desenvolvimento de espaços comerciais, bem como de todas as...
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Valongo - Juiz 2
Recorrente: B…, S.A.
Recorrida: C…
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
A A., B…, S.A., com sede na Praça…, nº …, …. Lisboa, pessoa colectiva n.º …….., intentou acção declarativa com processo comum contra a R., sua trabalhadora, C…, solteira, maior, portadora do cartão do cidadão n.º …….., contribuinte fiscal n.º ……… e residente na Rua…, Bl…, ….-… Valongo, com os fundamentos que constam da petição que terminou com o pedido de que, “deverá a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada, e em consequência ser declarado que a Autora aceitou o pedido de trabalho em regime de flexibilidade de horário apresentado pela Ré e que, consequentemente, não tem esta direito a escolher os dias de descanso semanais devendo por isso trabalhar em qualquer dia da semana que a Autora indique”.
Alegou, em síntese, que o seu objecto social abrange a exploração, administração, gestão e desenvolvimento de espaços comerciais, bem como de todas as actividades com estes estabelecimentos relacionadas, nomeadamente o comércio, importação, distribuição e armazenagem de artigos não especificados, estabelecimentos esses que são caracterizados por terem uma área comercial ampla e situarem-se em centros comerciais, os quais estão em funcionamento durante os sete (7) dias de semana e com horário de abertura às 10:00 horas e encerramento entre as 23:00 e as 24:00 horas, todos os dias, estando a autora obrigada a manter as lojas abertas todos os dias e durante o horário de funcionamento dos respectivos centro comerciais, sob pena de lhe serem aplicadas penalizações comerciais em caso de incumprimento.
Mais, alega que a ré é sua trabalhadora desde 25.08.2014, tendo sido contratada para exercer as funções de operador de loja, que ainda exerce, na loja da autora sita no Centro Comercial D…, tendo um período normal de trabalho semanal de 25 horas e diário de 5 horas. Sucede que a ré, no dia 04.10.2019, remeteu uma carta à autora, cuja cópia juntou aos autos, carta essa através da qual, e em suma, a ré, invocando o disposto nos art.s 56.º e 57.º do CT e demais normas aplicáveis, solicitou a atribuição de um horário de trabalho flexível, para prestar assistência à sua filha, com um ano de idade e que vive consigo, pretendendo que lhe seja atribuído, o seguinte horário “fixo”: das 07:00 às 12:00 horas, de forma ininterrupta, de segunda-feira a sexta-feira (folgando ao sábado e ao domingo).
Continua, alegando que respondeu a esta carta da ré comunicando-lhe, em suma, que lhe fixava o horário de trabalho das 07:00 às 12:00 horas, mas de segunda-feira a domingo, com folgas rotativas (não aceitando “a fixação de descansos fixos”), pelo período de 4 anos, e entrando em vigor no dia 18.11.2019. Que a esta sua carta respondeu a ré, em síntese, opondo-se à posição da autora, persistindo na pretensão de que o horário de trabalho apenas compreenda os dias de segunda-feira a sexta-feira, sem prestação de trabalho ao sábado e ao domingo. E, então a autora solicitou à CITE que emitisse o competente parecer, tendo esta entidade emitido parecer desfavorável à intenção da autora de recusar o regime de horário apresentado pela ré.
Por fim, alega que não recusou o pedido de trabalho em regime de horário flexível, quer porque o “horário flexível” solicitado pela ré não se enquadra no conceito de horário flexível previsto nas próprias normas legais (art.s 56.º e 57.º do CT) em que a ré baseia o seu pretenso direito, quer porque, nos termos legais, compete ao empregador elaborar o horário de molde a que o trabalhador possa “escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.”.
*
Realizada a audiência de partes, nos termos documentados na acta, datada de 28.01.2020, frustrou-se a conciliação daquelas, tendo a ré sido notificada para contestar, o que fez e deduziu reconvenção, nos termos que constam do seu articulado, em síntese, reitera ter necessidade de lhe ser fixado um horário nos exactos termos que pediu, sem trabalhar ao sábado e ao domingo, alegadamente por não ter onde deixar a sua filha de um ano de idade, que vive consigo, e porque a atribuição do horário pretendido não impede o bom funcionamento do estabelecimento da autora onde presta trabalho.Para fundamentar o pedido reconvencional, alega que, após ter solicitado a atribuição de um horário flexível, a autora adoptou um comportamento que lhe causou “angústia, preocupação, desassossego e incerteza quanto ao futuro” e, ainda, que teve de suportar os custos inerentes a um processo judicial, designadamente com o recurso aos serviços de um advogado, com o que já despendeu a quantia de 615,00€.
Conclui a requerer que:
“a) Se digne considerar totalmente improcedente, por não provado o pedido formulado pela A., sendo a R. absolvida, pelos fundamentos alegados e com as legais consequências;
b) Ser fixado, agora por Sentença, o horário solicitado pela R. e que foi devidamente considerado como legítimo pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego;
c) Ser julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional e a reconvinda condenada a pagar à reconvinte:
c.1) ser condenada ao pagamento de uma indemnização nunca inferior €1.500,00, a título de danos não patrimoniais;
c.2) ser condenada ao pagamento de uma indemnização nunca inferior €615,00, a título de danos patrimoniais, isto é, por procuradoria condigna e demais encargos com o processo”.
*
A Autora respondeu, impugnando a matéria em que a ré baseou o pedido reconvencional e, em síntese, dizendo:“3. Que atenta a falta de fundamento jurídico da contestação apresentada,
4. e a actuação absolutamente legal da Autora,
5. nunca nenhum valor a título de indemnização seria devido à Ré.
6. Não se podendo deixar de sublinhar que a indemnização por pagamentos efectuados a mandatários judiciais têm uma sede própria, que se chama de “custas de parte”, não se entendendo a que título é que os mesmos são peticionados autonomamente nesta sede”.
*
Designada, realizou-se uma audiência prévia, onde foi proferido despacho, a não admitir a reconvenção, saneador tabelar e a fixar os factos que as partes consideraram assentes e os temas de prova. *
Os autos seguiram para julgamento e realizada a audiência, nos termos documentados na acta datada de 19.10.2020, conclusos para o efeito, foi proferida sentença que, terminou com a seguinte Decisão:“Nos termos e pelos fundamentos expostos julgo procedente a presente acção, declarando-se que a autora aceitou o pedido de horário apresentado pela ré no que tange às horas de entrada e de saída, e que a ré não tem direito a escolher os dias de descanso semanais.
Custas pela ré.
Registe e notifique.”.
*
Inconformada com a sentença a R., nos termos das alegações juntas, interpôs recurso, finalizando com as seguintes CONCLUSÕES: “a) Nunca em momento algum, ficou provado que “a autora sempre que lhe foi possível fez coincidir os dias de descanso semanais da ré com os fins de semana”, muito pelo contrário, mal foi proferida a decisão, tratou de retirar as folgas ao sábado e domingo à aqui Apelante.
b) Resultou provado de forma inequívoca a impossibilidade de a autora deixar a filha numa creche, ou pré-escola, antes das 7h30 e depois das 19h, e aos dias não úteis, quer por via documental quer testemunhal.
c) A Autora procedeu à imediata alteração das folgas semanais da aqui Apelante, fixando prontamente folgas rotativas e não fixas (excluindo assim os dias não úteis, durante os quais não tem com quem deixar a sua filha menor), assim que conheceu a sentença.
………………………………….
………………………………….
………………………………….
Deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, dar sem efeito a douta sentença do tribunal a quo, que condene a Autora a aceitar a decisão da C.I.T.E., absolvendo a Ré da instância.
Assim se fazendo a costumada Justiça!”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.*
O recurso foi admitido, com efeito devolutivo e ordenada a sua remessa a esta Relação, nos próprios autos.*
O Ex.mº Sr.º Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso, no essencial, por considerar que entendendo-se que, “a Autora aceitou este pedido, submeteu-o a apreciação da CITE, colocando as duas posições, da Ré pedindo o horário de entrada às 07,00 e de saída às 12,00 horas, de segunda a sexta-feira, e a da própria Autora aceitando este horário, mas de segunda-feira a Domingo. E, pronunciando-se a CITE desfavoravelmente à proposta da Autora, esta, enquanto empregadora, só podia recusar o pedido após decisão judicial que reconhecesse a existência de motivo justificativo – art.º 57º, n.º 7 do CT. Mas o motivo não poderá ser uma interpretação das normas legais plicáveis, artigos 55º, 56º e 57º do CT., como já referido, mas antes, com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa – art.º 57º, n.º 2, do CT.”.Notificadas, nenhuma das partes respondeu a este parecer.
*
Cumpridos electronicamente os vistos, há que apreciar e decidir.*
É sabido que, salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT).Assim, a questão suscitada e a apreciar consiste em saber se o Tribunal “a quo” errou na decisão de direito, devendo a acção ser julgada improcedente, como defende a recorrente.
*
II – FUNDAMENTAÇÃOA) OS FACTOS:
- A 1ª instância considerou os seguintes:
“Factos provados:
a) A autora é uma sociedade comercial cujo objecto abrange a exploração, administração, gestão e desenvolvimento de espaços comerciais, bem como de todas as...
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