Acórdão nº 34/20.9YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça, 29-04-2021
Data de Julgamento | 29 Abril 2021 |
Case Outcome | JULGADA IMPROCEDENTE. |
Classe processual | AÇÃO ADMINISTRATIVA |
Número Acordão | 34/20.9YFLSB |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Processo n.º 34/20.9YFLSB
Acordam na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça
I. Relatório
1. O Sr. Juiz ...... Dr. AA intentou junto do STJ uma acção contra o Conselho Superior da Magistratura (CSM), em que impugna a Deliberação do Plenário da entidade demandada de 06-10-2020, que indeferiu o incidente de suspeição deduzido contra o instrutor no processo disciplinar n.° …….05.
Na acção invoca o vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito na apreciação dos pressupostos da arguição de suspeição de instrutor, fazendo os seguintes pedidos (transcrição):
A) A deliberação do CSM datada de 06/10/2020 – doc. 22 junto, independentemente de o CSM o vir a juntar – ser declarada nula, como o autor expôs e justificou no seu requerimento com remessa registada de 12/10/2020 – doc. 20, também sem prejuízo da junção que o CSM há de fazer;
B) Pelos factos e fundamentos aduzidos pelo Autor no incidente de suspeição contra o Exmº. Instrutor e na presente ação deve declarar-se que Ele nutre pelo Autor – visado no processo disciplinar – grave inimizade com o já evidente propósito e conseguir a sua expulsão da Magistratura Judicial Portuguesa, sem fundamento nem razões como aponta a parte final da acusação;
C) Em consequência, deve a deliberação em crise ser revogada, o identificado Instrutor afastado definitivamente da instrução do processo disciplinar com a advertência de que não pode direta ou indiretamente exercer qualquer ato no mesmo processo ou em qualquer outro em que o aqui Autor possa vir a ser visado, deixando ao CSM o encargo de proceder à substituição mostrando os critérios de seleção de maneira a possamos acreditar que tal escolha satisfaz os critérios de imparcialidade para o encargo de instrutor natural.
2. O CSM apresentou defesa na qual conclui no sentido da improcedência da acção.
3. O Ministério Público entendeu não se dever pronunciar.
Dispensada a realização de audiência prévia, nos termos do disposto no art. 87.º-B do CPTA, e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. Saneamento
4. O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território (art. 170.º, n.º 1, do EMJ).
O processo é o próprio e é válido (cf. artigos 66.º ss. do CPTA, ex vi art. 169.º do EMJ).
A petição inicial não é inepta.
III. Fundamentação
5. De facto
5.1. Factos Provados
Tendo em atenção a posição das partes expressas nos seus articulados e o acervo documental junto aos autos, está provada, com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos e de acordo com as várias soluções de direito plausíveis, a seguinte matéria de facto, a qual se passa a enunciar (de acordo com a sua ordem lógica, e, dentro desta, também cronológica) subordinada aos seguintes números:
1) Na sessão do Plenário Ordinário da entidade demandada de 03-03-2020, no âmbito de procedimentos aí autuados sob os n.os «……..06 e …..85», foi proferida deliberação com o seguinte teor:
C — Instaurar processo disciplinar ao Exmo. Sr. Juiz ......, Dr. AA, pelos factos constantes da certidão remetida pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta Coordenadora do Ministério Público, extraída dos autos de processo de inquérito crime n.º 19/16……, que deu entrada neste CSM em 12/02/2020 e pelos factos constantes do relatório elaborado pelo Exmo. Sr. Inspetor Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro, Dr. BB, datado de 27/02/2020, no âmbito da averiguação sumária a irregularidades na distribuição de processos no Tribunal da Relação ….., que constituem indícios suficientes da violação de deveres funcionais por parte do Exmo. Sr. Juiz ...... visado, suscetíveis de o constituir em responsabilidade disciplinar e porventura criminal.
Mais foi deliberado por unanimidade mandatar o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente deste Conselho, para designar os Exmos. Senhores Inspetores Judiciais Extraordinários que instruirão os respetivos processos disciplinares.
(cf. doc. 1 junto à petição inicial; vide também fls. 188 do processo administrativo instrutor apenso aos autos, cujo teor se dá igualmente por reproduzido)
2) O processo disciplinar instaurado pela deliberação referida em 1) foi autuado nos serviços da entidade demandada sob o n.º «…….05» (cf. processo administrativo instrutor apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido).
3) No âmbito do procedimento referido em 2), o aqui autor recebeu uma comunicação datada de 06-03-2020, subscrita pelo próprio Sr. Instrutor, Juiz Conselheiro jubilado, Dr. CC, subordinado ao assunto «Comunicação de início de instrução em processo disciplinar», notificando-o de nessa mesma data iniciara a instrução do aludido procedimento (cf. doc. 4 junto à petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
4) No âmbito do procedimento referido em 2), o Sr. Instrutor proferiu a 22-06-2020 despacho no qual consignou, além do mais, o seguinte:
Os presentes autos de inquérito disciplinar indiciam que foi cedida pelo então Presidente do Tribunal da Relação ....... a utilização das instalações do Tribunal da Relação ....... para a realização duma atividade ……, totalmente exógena à atividade daquele tribunal superior, presidida pelo anterior Presidente do mesmo Tribunal. Por tal forma se pretendeu beneficiar a existência e atividade daquele tribunal ….., bem como as partes que o constituíam, os quais, durante um período de tempo de mais de um ano, utilizaram as instalações do Tribunal da Relação ........
[…]
Relativamente ao crime de denegação de justiça, a que alude o artigo 382.º do Código Penal, a deliberação do Conselho Superior de Magistratura tem na sua génese certidão extraída de processo criminal pelo que nada há a determinar em relação ao artigo 83.º, n.º 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
No que concerne ao crime de abuso de poder verifica-se que os factos que o indiciam não constam daquela certidão pelo que, dando cumprimento ao normativo citado, se dá conhecimento dos mesmos ao Conselho Superior da Magistratura entendendo-se que os poderes de cognição do presente inquérito devem incluir tais factos.
Assim, extraia certidões de fls. 202 a 208; 365; 371 a 431; 462 a 467 e 668 a 674 […]
(cf. doc. 13 junto à petição inicial, cujo teor se dá igualmente por reproduzido)
5) No âmbito do procedimento referido em 2), o Sr. Instrutor proferiu a 01-07-2020 despacho no qual consignou, além do mais, o seguinte:
Iniciou-se o presente processo disciplinar […] no âmbito da averiguação sumária a irregularidades na distribuição de processos no tribunal da Relação ....... […]
Iniciado o procedimento disciplinar apurou-se que, para além dos factos relacionados com os referidos certidão e relatório, os autos indiciam, ainda, a existência de outros factos que são suscetíveis de tipificar a violação de deveres funcionais consubstanciados na irregular cessão das instalações do Tribunal da Relação ........ Por igual forma se constata que, para além dos processos indicados na certidão e relatório ali referidos, igualmente carece de justificação a distribuição processual a que foi sujeito o processo 188/11….. em que são recorrentes DD e outros e recorrido o Ministério Público e outros.
Relativamente a este último processo entende-se que o seu conhecimento e valoração se inscreve no propósito inscrito na deliberação do Conselho […] que visa apurar globalmente irregularidades existentes na distribuição processual no tribunal da Relação ....... e que esteve na origem da instauração do presente processo disciplinar.
Relativamente aos indícios de existência de violação do dever funcional consubstanciados na indevida cessão do espaço do Tribunal da Relação, e conforme se referiu em decisão anteriormente proferida nos autos (em 22 de junho de 2020), entendeu-se que, apontando os mesmos para a prática de um crime de abuso de poder a que alude o artigo 382.º do Código Penal, se deveria dar cumprimento ao disposto no artigo 83.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, remetendo-se certidão para os devidos efeitos., Igualmente se referiu que, não constando os mesmos factos da certidão que deu origem aos presentes autos, se entendia que os mesmos deveriam ser abrangidos nos limites de cognição do presente processo disciplinar.
Nessa conformidade, solicite-se ao Conselho Superior da Magistratura que se digne informar se o entendimento daquele órgão decisório é o de concordância no sentido de que o presente inquérito deve abranger os factos relativos à irregular cessão de utilização do espaço do Tribunal da Relação ........
(cf. doc. 8 junto à petição inicial, cujo teor se dá igualmente por reproduzido)
6) Na sessão do Plenário Ordinário da entidade demandada de 07-07-2020, «[…] foi deliberado por unanimidade concordar com o alargamento proposto, consubstanciado na indevida cessão do espaço do Tribunal da Relação ......., devendo notificar-se o Exmo. Senhor Juiz ......, arguido nestes autos, do ora deliberado» (cf. fls. 173 do processo administrativo instrutor).
7) A 08-07-2020 o aqui autor, representado por mandatário, apresentou requerimento dirigido ao Sr. Instrutor, no qual consignou, além do mais, o seguinte:
Dr. AA, juiz ......, tendo sido notificado […] do despacho […] como tendo sido proferido em 01/07/2020, vem:
I — Dizer:
[…]
4. O Excelentíssimo Conselheiro, Instrutor, na audição ao visado em 12/05/2020 questionou-o sobre a “cessão do espaço do Tribunal da Relação” […]; nos próprios dizeres do despacho, é legítimo deduzir que estava então sem cobertura ou poderes, daí estar agora a solicitá-los; além disso, decorre do mesmo despacho, o Excelentíssimo visado já foi alvo de «decisão anteriormente proferida nos autos (em 22 de junho de 2020), entendeu-se que (…) apontando os mesmos para a prática de um crime (…)», o que tudo é desconhecido do interessado/visado por não ter sido notificado, ficando, de facto, impedido de...
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