Acórdão nº 338/14.0JAFAR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 13-01-2021
Data de Julgamento | 13 Janeiro 2021 |
Case Outcome | NEGADO PROVIMENTO |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 338/14.0JAFAR.E1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
§1. – RELATÓRIO.
§1.a) – SINTESE DA CONDENAÇÃO.
Por imputação, em autoria, e em concurso efectivo, da prática de três (3) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º nº 1 e 218.º nº 2 al. a), ambos do Código Penal, na redacção dada pela Lei nº 5/2006 de 23/02; e de um (1) crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A,º nº 1, 2 e 3 do Código Penal, veio a ser submetido a julgamento, AA, com os sinais constantes do processo, tendo vindo a ser absolvido (sic): “(…) da prática de um crime de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, alínea a) do Código Penal”; e condenado pela “prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 217º e 218º, n.º 2, alínea a), a pena de 5 (cinco) anos de prisão;
- Pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 217º e 218º, n.º 2, alínea a), a pena de 5 (cinco) anos de prisão;
- Pela prática de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368º-A, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares acabadas de indicar, condenamos o arguido AA na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.”
Foi ainda condenado, no pedido de indemnização civil, que havia sido formulado, pelo demandante BB, no montante total de €320.000,00, “a pagar ao demandante/queixoso a quantia de € 199.100,00 (cento e noventa e nove mil e cem euros) a titulo de danos patrimoniais e a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) a titulo de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora vincendos sobre essa quantia desde a data do trânsito em julgado desta sentença até integral e efetivo pagamento, absolvendo o demandado do demais pedido.”
Em desinência da petição formulada pelo Ministério Público, da Perda das Vantagens do facto Ilícito típico a favor do Estado e bem assim a liquidação do património incongruente (perda ampliada), decidiu o tribunal condenar “o arguido no pagamento ao estado da quantia de € 251.500,00, com desconto da quantia de € 46.594,90 (apreendida) e a quantia de €4.900,00 e do valor da viatura de matricula …-QA-…., ou seja, €65.100,00, que são declaradas perdidas a favor do Estado, nos termos do artigo 110.º n.ºs 1, als. a) e b), e 4 do Código Penal”; e declarar “perda alargada a favor do Estado do valor de € 745.081,81 (setecentos e quarenta e cinco mil e oitenta e um euros e oitenta e um cêntimos), perdido a favor do Estado por corresponder ao valor do património incongruente, nos termos dos artigos 7º, 9º e 11º da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro e 111º do Código Penal, determinando-se que o Arguido proceda ao seu pagamento.”
Em dissensão com o julgado, recorre o arguido, tendo dessumido, a motivação no epítome conclusivo que a seguir queda transcrito:
§1.b). – QUADRO CONCLUSIVO.
“A - DA INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
1. Tratando-se de alegados crimes de burla ocorridos no estrangeiro (antes das transferências, não há crime), caímos na alçada do art. 5º do Código Penal.
2. Analisando o acórdão recorrido, vê-se que não houve qualquer cuidado em analisar se os factos imputados ao arguido são puníveis em ….
3. Neste processo, é possível que Portugal esteja a condenar criminalmente um cidadão …, o aqui arguido (que tem dupla nacionalidade) por factos praticados em …., e que não são punidos nessa jurisdição, correndo o risco de efetivar, na prática, uma condenação violadora do princípio “nulla poena sine lege”.
4. Outro requisito fundamental para a punibilidade dos factos em território nacional é o da al. iii) do referido art. 5º “Constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida ou seja decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português”
5. O acórdão recorrido não faz qualquer análise ao facto de estarem em causa crimes que admitam extradição e essa não possa ser concedida, ou que tenha sido decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu.
6. Existe, assim, nulidade insanável a que alude o art. 119º al. e) do CPP, a qual desde já se deixa arguida.
B - DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA APLICAÇÃO DA LEI MAIS FAVORÁVEL
7. É direito do arguido ser julgado pela lei que lhe for mais favorável, entre a portuguesa e a …., nos termos do art. 6º nº 2 do Código Penal.
8. Nos termos do art. 29º nº 4 da CRP, “Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.”
9. Ainda que se admitisse que a lei penal portuguesa pode ser aplicada à situação dos presentes autos, é indiscutível a conexão da factualidade em análise ao ordenamento jurídico …. Aliás, a conexão da factualidade assente é muito mais forte com o ordenamento jurídico …. do que com o português, em razão da nacionalidade dos intervenientes, da sua residência, do local em que se conheceram, ou do local em que foram publicados os anúncios. Quer os lesados quer o arguido tinham a expectativa de ver as suas posições reguladas pelo direito …., e não pelo direito português.
10. Nestes termos, o acórdão recorrido viola o art. 6º, nº 2 do Código Penal, ao não ponderar a pena que ao arguido caberia se fosse aplicado o direito …. Qualquer interpretação do art. 6º nº 2 do Código Penal que negue ao recorrente a ponderação e eventual aplicação da lei penal …., caso esta se venha a revelar mais favorável, viola o art. 29º nº 4 da CRP, sendo, por isso, inconstitucional.
11. Uma interpretação no referido sentido também viola o art. 15º do Pacto Internacional sobre os Direito Civis e Políticos, ratificado pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho, publicada no Diário da República, I Série A, n.º 133/78. Rege o referido artigo que “Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituíam delitos segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não poderá ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que o delito foi cometido.”
C – INEXISTENCIA DA PRÁTICA DO CRIME DE BURLA
12. Analisando a factualidade provada e enquadrando-a no crime de burla, verifica-se a manifesta ausência de factos que se possam subsumir à astucia que a lei exige para o preenchimento deste tipo legal.
13. Como é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, a astucia exigida para o preenchimento do tipo legal não pode resumir-se ao convencimento de que a outra parte vai cumprir a sua prestação no contrato. No entanto, analisada a factualidade, não se vislumbram quais os factos que possam encaixar nesta astucia.
D – DA REALIZAÇÃO DE JULGAMENTO NA AUSENCIA DO ARGUIDO
14. Analisando as actas, verificamos que o Tribunal não realizou qualquer diligência necessária e legalmente admissível para obter a comparência do arguido, em flagrante violação do disposto no art. 333º nº 1 do CPP.
15. O art. 331º nº 1 do CPP é claro ao afirmar: Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência;
16. O tribunal violou o art. 331º nº 1 do CPP, sendo inconstitucional, por violação do art. 32º nº 6 da CRP, qualquer interpretação do referido artigo 331º do CPP feita no sentido de que, fora dos casos em que o arguido se encontra dispensado da presença em actos processuais, o juiz pode oficiosamente dispensar a presença do arguido sem tomar qualquer medida para assegurar a sua presença.
E – MEDIDA DA PENA DO CRIME DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
17. A pena aplicada ao arguido pelo crime de branqueamento de capitais é de compreensão difícil. Não só pelo manifesto exagero, mas também porque se encontra absolutamente destituída de fundamentação.
18. Ao contrário do que é afirmado no acórdão recorrido, no que tange ao branqueamento de capitais, o arguido nunca foi condenado por idênticos ilícitos criminais, não tendo quaisquer antecedentes a este nível.
19. O grau de ilicitude dos factos relacionados com a prática deste crime, enunciados no acórdão recorrido, não se coaduna com a pena aplicada.
20. As operações realizadas são de enorme simplicidade – levantamentos em dinheiro, compra de veículos, e transferências bancárias para sociedade comercial sedeada em Portugal.
21. Paralelamente, o crime de branqueamento de capitais nunca pode ser punido com pena superior às penas aplicadas aos crimes precedentes.
22. Apesar de o art. 368º-A nº 10 do Código Penal se referir aos limites das penas, e não às penas concretamente aplicadas, há um princípio que, claramente, decorre dessa norma: o crime de branqueamento de capitais nunca pode ser considerado mais grave do que os crimes precedentes.
23. Não ocorre qualquer justificação para que ao arguido seja aplicada, pelo branqueamento de capitais, pena parcelar superior ao mínimo legal de 2 anos de prisão, sendo manifesto o exagero da pena aplicada.
24. A pena aplicada viola, portanto, o art. 71º do Código Penal e o art. 368º-A nº 10 do mesmo Código.
F – MEDIDA DA PENA DOS CRIMES DE BURLA
25. A medida da pena nos crimes de burla viola o art. 71º do Código Penal, sendo exagerada perante o grau de culpa do agente.”
§1.(b). – RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (SÍNTESE CONCLUSIVA).
“1 - O âmbito do recurso retira-se das respectivas conclusões as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal, veja-se, a título de exemplo, o sumário do douto Acórdão do STJ de 15-4-2010, in www.dgsi.pt, Proc.18/05.7IDSTR.E1.S1.
2 - “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido...
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