Acórdão nº 3371/21.1T8VFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 09-05-2024

Data de Julgamento09 Maio 2024
Número Acordão3371/21.1T8VFR.P1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação 3371/21.1T8VFR.P1

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
AA e mulher BB intentaram ação declarativa na forma de processo comum contra CC, pedindo que seja declarada nula, ou se assim não se entender anulada, a procuração outorgada em 14.11.2018 por DD e EE a favor do Réu e a escritura de doação lavrada em 14.11.2018 pelo Notário do Primeiro Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, bem como seja determinado o cancelamento da inscrição de aquisição a favor do Réu, correspondente à Ap. ..., com todas as consequências legais.
Alegam, em síntese, que o pai do autor e réu (conjuntamente com a sua mãe), doou (por intermédio de procuração prévia) ao réu, por conta da quota disponível, a nua propriedade de um prédio urbano. Todavia, à data o pai de ambos sofria de demência de Alzheimer, num estádio avançado, pelo que não tinha capacidade para aquele ato, invocando a nulidade da procuração (com base na falsidade intelectual, nos termos do artigo 372º do Código Civil) ou a sua anulabilidade (com base na incapacidade acidental – art. 257.º, do CC).

O réu apresentou contestação, alegando, em síntese, que (para além da ilegitimidade ativa do autor), o direito do autor caducou uma vez que decorreu mais de um ano sobre a data em tomou conhecimento da escritura de doação. Por outro lado, o pai de ambos estava lúcido no momento da doação e tinha capacidade para entender a decisão que estava a tomar.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu anular o contrato de doação mencionado na alínea 9) dos factos provados.
*
Não se conformando com o assim decidido, veio o réu interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, formulando as seguintes conclusões:
“1) O Recurso vem interposto da Douta Sentença proferida nos Autos em 22/06/2023, nos termos da qual o Meritíssimo Juiz do tribunal a quo decidiu anular o contrato de doação mencionado na alínea 9) dos factos provados e condenar o Réu nas custas do processo, por o Recorrente discordar da mesma, entendendo que o Tribunal ad quo efetuou uma errada apreciação e valoração da prova documental e testemunhal existente nos autos e produzida na audiência de julgamento e efetuou uma errada apreciação da matéria de direito.
2) O Meritíssimo Juiz do Tribunal recorrido entendeu dar como provados e não provados determinados factos quando, em função da prova, efetivamente, produzida na audiência de julgamento se impunha, como se impõe, que a decisão vertida sobre a matéria de facto dada como provada fosse necessariamente outra e, consequentemente, que conduzisse à absolvição do Recorrente do pedido formulado pelos Autores.
3) Nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do CPC considera-se que foram, incorretamente, julgados provados, na medida em que se verifica que há factos incorretamente dados como provados, factos que padecem de erros, alguns dos quais grosseiros, e factos que carecem totalmente de prova, e outros que deveriam ter sido dados como provados, atenta a prova produzida, designadamente os seguintes: os Artigos 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º e 23.º dos factos dados como provados, os quais deverão ser dados como não provados ou ver a redação alterada/aditada no sentido que se deixará sumariamente explicitado, e alínea b) dos factos dados como não provados, o qual deverá ser dado como provado nos termos explanados infra.
4) Era o Recorrente e a sua companheira quem viviam diariamente com os falecidos, quem providenciavam e prestavam todo o tipo de apoio e cuidado, designadamente apoio financeiro e cuidados/acompanhamento a nível de consultas médicas e tratamentos, e outros, auxiliando-os na alimentação, na sua higiene pessoal, levando-os a consultas médicas, contratando os serviços de apoio domiciliário e pagando os respetivos serviços.
5) Foram os falecidos que quiseram, e inclusive insistiram, em fazer a procuração e a escritura de doação como compensação pelo facto de o Réu/Recorrente ter acedido aos seus pedidos para tomar conta deles até ao final da vida e fosse viver para a sua casa, sendo, assim, perfeitamente normal que o falecido DD fizesse a doação em causa nos autos ao Recorrente e não aos outros filhos que não o cuidavam, daí a sua declaração de vontade.
6) Tal facto consta até da Escritura de Doação que “disse ainda o outorgante, na qualidade de procurador dos doadores, que impõe ao donatário, ele próprio, o encargo de os tratar e zelar, tanto no estado de saúde, como no de doença, as expensas deles doadores até seiscentos euros por mês e a expensas do donatário em tudo o que exceder este valor”, conforme consta do documento n.º 3 junto à Petição Inicial.
7) No que respeita aos artigos 9.º e 10.º dos factos dados como provados, para cujo teor remete e dá aqui por integralmente reproduzido, deveria ter sido dado como provado que, aditando a seguinte matéria ao artigo 10.º dos factos dados como provados: “disse ainda o outorgante, na qualidade de procurador dos doadores, que impõe ao donatário, ele próprio, o encargo de os tratar e zelar, tanto no estado de saúde, como no de doença, as expensas deles doadores até seiscentos euros por mês e a expensas do donatário em tudo o que exceder este valor”, conforme consta do documento n.º 3 junto à Petição Inicial.
8) Quanto aos artigos 11.º a 23.º dos factos dados como provados, para cujo teor remete e dá aqui por integralmente reproduzido, a matéria de facto dada como provado não tem correspondência com a prova documental e testemunhal produzida nos autos.
9) O falecido DD era seguido em consulta de neurologia desde 2015.
10) Nas consultas médicas de 07/04/2015 e de 09/07/2015, o médico verificou que o falecido DD se encontrava nas condições relatadas nos artigos 12.º e 14.º, respetivamente, dos factos dados como provados.
11) Ao contrário do que consta no artigo 13.º dos factos dados como provados, o falecido DD não foi, nessa altura, diagnosticado com “demência vascular e depressão”.
12) Consta do relatório de 07/04/2015 que, após o exame do falecido, o médico coloca no relatório um campo denominado “Impressão”: colocando, assim, a hipótese de haver “demência vascular e depressão ou DA (Doença de Alzheimer) interposta?”, mas em nenhum lado desse relatório consta que o falecido tenha sido, nessa altura, diagnosticado com qualquer doença.
13) O facto constante do artigo 13.º encontra-se em manifesta contradição com o facto constante do artigo 15.º, pois o falecido DD não pode ter sido “diagnosticado com demência vascular e depressão” em 07/04/2015 e depois em 03/12/2015 ter sido diagnosticado com “doença de Alzheimer”.
14) O Dr. FF questionado enquanto testemunha nos presentes autos, refere, em primeiro lugar, após ter sido confrontado com os relatórios médicos juntos aos autos em 01/01/2023, que os relatórios não tinham sido feitos por ele, mas antes por colegas seus que passaram receitas ao doente.
15) O médico, no seu depoimento, que supra se deixou transcrito, e que se dá aqui por integralmente reproduzido, é claro ao relatar que, inicialmente o estado da doença do falecido DD estava agravado pela toma de medicamentos e que quando se retirou os medicamentos o senhor melhorou temporariamente e depois assistiu-se à degradação natural e típica da doença, tendo referido que “houve uma melhoria grande do estado de atenção dele”, explicando que levantava a dúvida a ele próprio em 03/12/2015, que “se ele melhorou muito com a retirada da medicação, isto normalmente prova que as demências podem estar agravadas pela medicação” (cfr. Depoimento de Dr. FF, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 31/03/2023, com Início: 10:52:26h e Fim: 11:14:03h, (Minutos 00:00:00 a 00:21:37 por referência à Ata de Audiência de Julgamento), gravação com referência: 20230331105224_4107376_2870481, Minutos 00:01m a 08:12m e Minutos 14:01m a 21.23m supra transcritos e que aqui se deixam integralmente reproduzidos).
16) No relatório de 03/12/2015 juntos aos autos em 01/01/2023 é referido o seguinte “muito melhor. Vem de cadeira”, “tem períodos em que caminha pelo pé dele”. “já muito acordado, colaborante”, “sabe onde está, que estamos em dezembro”, “Muito melhor!”, “Fez muita fisioterapia, acupuntura”.
17) No relatório seguinte de 09/06/2016, o médico não relata que o estado de saúde do falecido DD se tenha agravado, pelo contrário refere que além de um pouco de sonolência “mantém o resto”.
18) Esse quadro mantém-se em 20/10/2016, pois apesar de ser referido que “vem de cadeira de rodas”, só é aí aludido que está “bem cuidado. Bem disposto”, e que “mantemos tudo”.
19) Tal quadro se mantém em 10/05/2017, 03/11/2017 e 07/09/2018, sendo referido, nesses relatórios que o falecido DD está “bem acordado, diz me bom dia”, “diz que anda muito, que sabe o que está a fazer”, “de resto tem andado bem. Mantemos”.
20) No seu depoimento que supra se deixou transcrito, e que se dá aqui por integralmente reproduzido, o médico referiu, a este propósito, quando questionado acerca da expressão constante do relatório de 03/11/2017 “diz que anda muito, que sabe o que está a fazer”, (relatório esse elaborado em data próxima à realização da escritura em causa nos autos), o falecido DD foi capaz de dizer a este médico como se encontrava, que caminhava muito, que andava muito a pé e que sabia o que estava a fazer – facto que permite atestar que o mesmo se encontrava lúcido e tinha capacidade de compreensão (cfr. Depoimento de Dr. FF, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 31/03/2023, com Início: 10:52:26h e Fim: 11:14:03h, (Minutos 00:00:00 a 00:21:37 por referência à Ata de Audiência de Julgamento), gravação com referência: 20230331105224_4107376_2870481, Minutos 00:01m a 08:12m e Minutos 14:01m a 21.23m supra transcritos e que aqui se deixam
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