Acórdão nº 3356/16.0T8LRA.C2 de Tribunal da Relação de Coimbra, 17-03-2020

Data de Julgamento17 Março 2020
Número Acordão3356/16.0T8LRA.C2
Ano2020
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra
Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
A Autora intentou a presente acção pedindo:
- a declaração de ineficácia em relação a si da doação efectuada pelo 1º ao 2º Réu, condenando-se este a restituir o bem ao 1º Réu;
Ou
- a declaração de nulidade da doação efectuada e consequente restituição a si do prédio urbano objecto da mesma.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese:
- O 1º Réu foi declarado insolvente por sentença de 18.12.2014.
- No respectivo processo de insolvência encontram-se reconhecidos créditos no valor total de €1.212.704,05, tendo a maioria dos mesmos origem em avales prestados pelo insolvente em data anterior àquela em que efectuou a doação ao 2º Réu.
- Na data da concessão dos créditos referidos foi relevante a sua situação patrimonial que era integrada, quanto ao 1º Réu, pelo prédio que em 14.3.2012 doou ao 2º Réu, reservando para si o direito de usufruto.
- No processo de insolvência não foram encontrados quaisquer bens imoveis propriedade do 1º Réu, só tendo sido penhorado o usufruto do prédio doado.
- Ao doar o prédio ao 2º Réu, seu filho, o 1º Réu pretendeu evitar a recuperação dos créditos dos seus credores.
- O 1º Réu ao declarar doar o prédio ao 2º Réu teve, exclusivamente em vista evitar a penhora do seu património e não a vontade rela de transmitir o bem.

Os Réus contestaram, excepcionando a legitimidade da Autora para os pedidos formulados, impugnado ainda a versão dos factos apresentada na p. inicial.
Concluíram pela procedência da excepção.
A Autora respondeu à excepção invocada, defendendo a sua improcedência.
Foi proferida decisão que julgou a causa nos seguintes termos:
Nos termos e fundamentos expostos,
1. Julgo verificada a falta de legitimidade da Autora MASSA INSOLVENTE DE J... para pedir a declaração de ineficácia do negócio jurídico de doação em relação àquela,
2. Com consequente absolvição dos Réus J... e D... da instância.
3. E julgo verificada a impossibilidade da lide relativamente ao pedido subsidiário de declaração de nulidade do mesmo negócio por simulação,
4. Com consequente extinção da instância.

Desta decisão foi interposto recurso para este Tribunal que decidiu:
‘Pelo exposto, julgando-se parcialmente procedente o recurso revoga-se a decisão recorrida, na parte respeitante ao pedido subsidiário, devendo os autos prosseguir para apreciação desse pedido, confirmando-se no que respeita ao pedido de impugnação pauliana’.
Na sequência do decidido prosseguiu a acção para apreciação do pedido subsidiário, vindo a ser proferida sentença que julgou nos seguintes termos:
1. Julgo a acção totalmente improcedente e, em consequência,
2. Absolvo os Réus J... e D... do pedido formulado pela Autora MASSA INSOLVENTE DE J...
A Autora interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
Matéria de facto
A. Existe uma clara e óbvia incorrecta apreciação da matéria de facto (art.º 640.º do CPC), com relevância para a decisão da causa, quer por confronto dos documentos juntos aos autos, quer por depoimentos testemunhais que seguidamente se indicarão e que impõe:
a) A eliminação da matéria dada como provada do facto referido sob o n.º 15, Em 28/12/2011 foi inscrito o prédio urbano no respetivo serviço de finanças”
b) O aditamento à matéria dada como provada dos seguintes factos:
15.Que o negócio jurídico subjacente ao contrato de doacção referido não corresponde uma qualquer vontade real do 1.º R de celebrar aquele ou qualquer outro negócio jurídico. - actual alínea a) da matéria não provada,
16.Que o 1.º R ao declarar doar a seu filho o bem imóvel em questão, apenas e só, teve em vista evitar a penhora e venda do seu património e não uma verdadeira e real vontade de transmitir aquele bem, àquele seu filho. – actual alínea b) da matéria não provada
17.O prédio urbano referido em 6 foi edificado pelo 1.º R e por G... após o casamento.
Vejamos:
a) A eliminação da matéria dada como provada do facto referido sob o n.º 15,
Em 28/12/2011 foi inscrito o prédio urbano no respetivo serviço de finanças”
1. O descritivo que consta da caderneta predial junta aos autos apenas e só prova que no dia 28/12/2011 foi apresentada – não sabemos por quem – a modelo 1 do IMI n.º ... e que esta deu origem à ficha de avaliação n.º ...
2. Se o prédio a que essa modelo 1 do IMI se reporta estava omisso, foi melhorado, ou o seu Valor Patrimonial estava desatualizado, nada, rigorosamente nada resulta daquele documento.
3. A data de inscrição de um prédio na matriz apenas e só pode ser provada pela junção aos autos de certidão ou da Modelo 129, se anterior a 2004, ou da modelo 1 do IMI se posterior.
4. Não tendo nenhum destes documentos sido junto aos autos não pode tal facto ser dado como provado pelo que se impõe a sua eliminação da matéria assente
b) O aditamento à matéria dada como provada dos seguintes factos:
15.Que o negócio jurídico subjacente ao contrato de doação referido não corresponde uma qualquer vontade real do 1.º R de celebrar aquele ou qualquer outro negócio jurídico. - actual alínea a) da matéria não provada,
16.Que o 1.º R ao declarar doar a seu filho o bem imóvel em questão, apenas e só, teve em vista evitar a penhora e venda do seu património e não uma verdadeira e real vontade de transmitir aquele bem, àquele seu filho. – actual alínea b) da matéria não provada
5. O depoimento da testemunha ... é muito claro no que respeita à vontade do 1.º R ao declarar doar ao filho o prédio urbano objecto dos presentes autos:
Advogada: Mas eu perguntava-lhe era se a doação tinha sido antes ou depois da insolvência da L... prédios
Testemunha: Foi antes a insolvência da L… prédios (…)
Advogada: Não (..) eles fizeram a doação ao filho e eu estou a perguntar lhe é se essa escritura foi antes ou depois da empresa ter sido declarada insolvente
Testemunha: Foi antes. A doação ao filho foi antes. Ele estava com medo de não conseguir fazer a doação e depois..
Advogada: E depois ser apanhado pela insolvência?
Testemunha: Pois…
Testemunha: Estava com medo porque não conseguia pagar … ora bem, não conseguia libertar o bem para a família
6. Note-se que a testemunha usa expressamente o termo libertar, ou seja tornar o prédio livre
7. Ora, se conjugarmos este receio (“medo”) do 1.º R de não conseguir a tempo tornar o prédio livre, o com os factos dados como provado sob os n.º 1 a 5, muito em particular este último, ou seja “E tais avais foram prestados pelo R em data muito anterior àquela em que celebrou a escritura de doação infra referida.”
Facilmente concluímos que
a) “Que o negócio jurídico subjacente ao contrato de doacção referido não corresponde uma qualquer vontade real do 1.º R de celebrar aquele ou qualquer outro negócio jurídico”.
8. Pois a vontade do 1.º R ao doar o bem ao filho foi apenas e só a de evitar que o bem fosse “apanhado” “aprisionado” pelos credores e, consequentemente que a família não pudesse usufruir desse mesmo bem
b) Que o 1.º R ao declarar doar a seu filho o bem imóvel em questão, apenas e só, teve em vista evitar a penhora e venda do seu património e não uma verdadeira e real vontade de transmitir aquele bem, àquele seu filho.
9. Dado que o 1.º R ao declarar doar o bem ao filho apenas e só teve em vista libertar o bem para a família evitando que o mesmo fosse apanhado” “aprisionado” pelos credores, seja pela realização de penhora seja pela apreensão à massa insolvente
10. Termos em que podiam e deviam os factos referidos sob as alíneas a) e b) dos factos dados como não provados terem sido dados como assentes, ao não fazê-lo, o Tribunal “a quo” fez uma clara e óbvia incorrecta apreciação da matéria de facto (art.º 640.º do CPC), impondo-se a eliminação de tais factos da matéria dada como não provada e consequente adição de dois novos factos com os n.º 15 e 16 com a seguinte redacção supra mencionada
c) O aditamento à matéria dada como provada do facto:
17.O prédio urbano referido em 6 foi edificado pelo 1.º R e por G... após o casamento.
11. As testemunhas do 1.º R foram unanimes em dizer que a casa objecto dos autos foi construída pelo 1.º R em conjunto com a ex-esposa após o casamento:
- O depoimento da testemunha:
“Sim fizeram uma casa. Ele contou-me que não tinha dinheiro para a casa a sogra ajudou-o, a mãe e conseguiram fazer a casa”
- O depoimento da testemunha ...:
Acho que era a mulher ou a sogra que lá tinha posto o dinheiro na casa
(…)
- O depoimento da testemunha ...:
Advogado: (…) fizeram uma casa
Testemunha: sim fizeram (…) A casa não estava legal para ser partilhada na altura, que eu até ajudei depois à legalização dela (…) a G...
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT