Acórdão nº 3322/22.6T8LRA-A.C1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 29-02-2024
Data de Julgamento | 29 Fevereiro 2024 |
Case Outcome | NEGADA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 3322/22.6T8LRA-A.C1-A.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. Relatório
1. BB intentou acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra, AA, pedindo que o filho de ambos, o menor CC, seja entregue à sua guarda e cuidados e fixada a residência no Dubai, Emirados Árabes Unidos.
Alegou, em suma que, o menor e a requerida se mudaram em 2019 para os Emirados Árabes Unidos, onde o requerente se encontrava a trabalhar e ali fixaram residência.
Após a separação do casal, em 2021, acordaram que o filho passaria uma semana com cada progenitor, o que se verificou desde Abril de 2021, e o exercício conjunto das responsabilidades parentais.
Em Julho de 2022, a requerida viajou para Portugal com o menor para passar as férias escolares, mas decidiu unilateralmente não regressar ao Dubai.
Frustrado o acordo na conferência de pais, também não foi então fixado regime provisório. 1
Em 16/10/2022, o requerente veio aos autos arguir a incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da acção, uma vez que os progenitores e o menor tinham residência nos Emirados Árabes Unidos, aqui frequentava a escola, não podendo verificar-se alteração de competência pela circunstância ocorrida, de retenção em Portugal, à sua revelia ou ordem judicial; subsidiariamente, declarou desistir da instância, pedindo a sua homologação.
A requerida, em contrário, sustentou que aquando da entrada da acção, o filho residia consigo em ... e, desde Julho de 2022 frequenta o Colégio..., nunca tendo existido guarda partilhada.
Mais alegou que, o progenitor aproveitando uma ocasião em que lhe foi permitido estar com o menor, no dia 16 /10/2022, não o entregou nesse dia conforme fora combinado, saiu do país, levando-o para os Emirados Árabes Unidos, sem sua autorização.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da pretensão do requerente, seguindo-se a solicitação de informação ao ISS sobre o resultado da audição técnica especializada.
Foi proferida decisão que julgou internacionalmente competente o tribunal português e indeferiu o pedido de desistência da instância pelo requerente.
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2. Da Apelação
Inconformado, o requerente interpôs recurso de apelação, pugnando pela procedência da excepção da incompetência, atentas as razões anteriormente expendidas.
A requerida, na resposta, defendeu a competência do tribunal português.
O Tribunal da Relação de Coimbra julgou improcedente o recurso, concluindo também pela competência absoluta do tribunal português para julgar na causa, consignando ainda no dispositivo “(…) impõe-se ao tribunal recorrido que diligencie pelo cumprimento desta decisão e pelo regresso do menor, utilizando os meios coercivos ao seu dispor com vista a este desiderato ou que, diligencie pela aplicação das sanções devidas ao progenitor que raptou o menor. Dos autos resulta ainda que a atitude processual do recorrente, acima explanada, constitui violação grave dos deveres de boa-fé previstos nos artºs 8 e 9 do C.P.C., pelo que entende este tribunal ser de notificar o progenitor para se pronunciar querendo (cfr. artº 3, nº3 do C.P.C.), sobre a sua intenção de sancionar esta conduta nos termos previstos no artº 542 do C.P.C.”.
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3. A Revista
De novo inconformado, o requerente interpôs recurso de revista, extraindo no final das alegações as conclusões que seguem:
«1. A douta decisão ora em crise é passível de recurso para este Supremo Tribunal por resultar da conjugação dos arts. 629.º, n.º 2, al. a) e 671.º, n.º 2, al. a), ambos do CPC, que é sempre admissível recurso com fundamento na violação das regras de competência internacional,
2. Cabendo igualmente recurso de revista excecional, por estar em causa questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e por estarem em causa interesses de particular relevância social, nos termos das als. a) e b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC.
3. Além do presente recurso ter por fundamento a violação de regras de competência internacional, em especial os arts. 2.º, n.º 2, 11), al. b), 7.º, n.º 1, 9.º e 10.º do Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho, fundamenta-se ainda nas nulidades previstas nos arts. 615.º e 666.º do CPC, cf. art. 674.º, n.º 1, do mesmo Código.
4. Enfermando a decisão revidenda de nulidade, por omissão de pronúncia; 5. Assim, o tribunal a quo não analisou os argumentos de direito deduzidos pelo Recorrente, nomeadamente no que tange à ilegitimidade da Recorrida para, unilateralmente, deslocar a residência da criança do Dubai para Portugal, 6. Ou os argumentos do Recorrente no sentido de não se poder retirar, sem mais, da instauração do processo vontade unívoca de atribuir competência internacional aos tribunais portugueses.
7. A isto acresce, que o Acórdão enferma de nulidade por excesso de pronúncia,8. Conhecendo de factos sem relevo para a decisão da questão sub judice e inclusivamente decidindo contrariamente ao regime provisório atualmente fixado (!)9. Dando ordens diretas ao tribunal de 1.ª instância, ordens essas sem qualquer relação com a decisão revidenda, como se este se encontrasse numa relação de dependência hierárquica relativamente ao Tribunal da Relação. 10. Na verdade, no âmbito de um despacho que se limita a decidir serem os tribunais portugueses absolutamente competentes para conhecer do pleito, não cabe ao Tribunal da Relação instruir o tribunal a quo para tratar de diligenciar pelo regresso do menor quando tal regresso jamais foi judicialmente ordenado…
11. Além das referidas nulidades, que se arguem para todos os legais efeitos, enferma ainda o acórdão recorrido em erro de julgamento quanto à matéria de direito.
12. Fazendo uma interpretação incorreta do conceito de residência habitual, e, por essa via, do art. 7.º, n.º 1, do Regulamento (EU) 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019,13. Decidindo que a criança tinha a sua residência habitual em Portugal, apesar desta se encontrar, ao tempo da propositura da ação, apenas há um mês e meio neste país.
14. Esta deslocação a Portugal era inicialmente ocasional, em férias, prevendo-se o regresso da criança aos Emirados Árabes Unidos, país onde já residia há dois anos e meio,15. Primeiro no contexto da relação afetiva dos progenitores e, posteriormente, cerca de um ano e meio após a sua separação.
16. Em face destas circunstâncias, sempre haverá de se afirmar que a criança, por acordo de ambos os progenitores, tinha no Dubai o país da sua residência habitual, sendo aí que a sua vida se encontrava organizada em condições de estabilidade,
17. Não podendo nenhum dos progenitores, unilateralmente, deslocar a residência habitual da criança para outro país, constituindo esta questão de particular importância nos termos e para os efeitos do art. 1901.º, n.ºs 1 e 2, do CC, aqui aplicável ex vi do disposto no art. 1912.º, n.º 2, do mesmo Código,18. Sendo a lei portuguesa a aplicável, nos termos do art. 57.º, n.º 1, 1ª parte, ex vi art. 31.º, n.º 1, ambos do CC.
19. Não operando a deslocação do país da residência da criança por vontade unilateral da Recorrida, a mesma também não se poderia afirmar à luz da factualidade existente.
20. Desde logo por a curtíssima duração da estadia neste território ao tempo da propositura da ação (excluindo o tempo que a criança aqui passaria de férias, constata-se que o menino apenas se encontrava neste território há pouco mais de 10 dias, entre 23 de agosto e 3 de setembro p.p.) ser incompatível com a afirmação de que a vida da criança passou a estar organizada, em condições de estabilidade, em ....
21. Aliás, o tribunal a quo apenas chega a conclusão diversa porque valoriza elementos de facto não dados como provados e ulteriores ao do momento da interposição da ação;
22. Mais confundindo critérios de fixação do regime de responsabilidades parentais com critérios de interpretação do conceito de residência habitual, como figura de principal referência e disponibilidade dos progenitores para a criança.
23. À luz do exposto, deveria o Tribunal a quo ter considerado que, ao tempo da propositura da ação, o menino tinha a sua residência habitual nos Emirados Árabes Unidos.
24. Tendo procedido a uma incorreta interpretação deste conceito e assim infringido o art. 7.º, n.º 1, do Regulamento n.º 2019/1111, e, bem assim, do art. 9.º, n.º 1 do RGPTC, aplicável por força do art. 62.º, al. a), do CPC.
25. Na fundamentação da sua decisão, refere o Tribunal a quo que, de qualquer modo, a competência internacional dos tribunais portugueses sempre decorreria da aplicação do art. 10.º, n.º 1, als. a) a c) do Regulamento (UE) n.º 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019,26. Considerando que, pela circunstância de a ação ter sido instaurada pelo Recorrente, este sempre teria atribuído a competência aos tribunais portugueses, nos termos do referido preceito.
27. Porém, in casu, o Recorrente não tinha como objetivo atribuir tal competência, pretendendo apenas obter decisão de regresso do seu filho aos Emirados Árabes Unidos e tendo assim agido por acreditar que esta era a forma mais expedita de o fazer.
28. Crendo-se a interpretação do tribunal a quo, no sentido de que a instauração da ação implica presunção inilidível dessa atribuição da competência, manifestamente afastada do espírito da lei, que baseia a atribuição da competência numa escolha livre e esclarecida das partes.
29. Neste sentido, o art. 10.º, n.º 1, al. b), ii), em articulação com o art. 10.º, n.º 3, todos do referido Regulamento Europeu, refere expressamente que a não oposição à competência apenas vale como aceitação implícita da competência depois das partes terem sido devidamente informadas do seu direito de não a aceitar.
30. Sendo a interpretação de que tal dever de informação só vale relativamente à Recorrida violador da igualdade das partes, por ser mais exigente para com a parte que intenta a ação do que com aquela que na...
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