Acórdão nº 3321/15.4T9AVR.1.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 01-02-2023
Data de Julgamento | 01 Fevereiro 2023 |
Case Outcome | JULGAMENTO ANULADO |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 3321/15.4T9AVR.1.P1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
1. O arguido AA, de 41 anos, identificado nos autos, não se conformando, interpôs recurso do acórdão do Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., de 11.05.2022, que, reformulando o cúmulo jurídico das penas correspondentes aos crimes em concurso, lhe aplicou a pena única de 17 anos de prisão.
Formulou as seguintes conclusões (transcrição):
“A) O Acórdão recorrido violou os princípios da adequação e proporcionalidade das penas, ao aplicar ao arguido, em cúmulo jurídico, uma pena de dezassete (17) de prisão.
B) O Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 374º, n.º2, do Código de Processo Penal, incorrendo assim na nulidade cominada no artigo 379º, n.º1, alínea a), do mesmo Código; salvo o devido respeito, limitou-se a tecer considerações de cariz genérico e algo abstracto, quando se impunha que fosse mais concretizador.
C) Violado se mostra também o artigo 77º do Código Penal, sobretudo porque o Acórdão recorrido fixou uma pena elevada, sem ter em devida consideração o conjunto dos factos atinentes à personalidade e à culpa do arguido.
D) O acórdão recorrido não deu uso ao método e à prática jurisprudencial corrente de aplicação do princípio de exasperação ou agravação que consiste, fundamentalmente no aditamento à pena parcelar mais grave de uma dada porção ou fracção das restantes penas.
E) Por último, cremos que a pena a aplicar, em cúmulo jurídico, não deverá ultrapassar os quinze (15) anos de prisão.
F) No caso vertente resulta provado que o recorrente se encontra perfeitamente inserido social e familiarmente, tem mantido um bom comportamento desde a data da prática dos factos objecto dos presentes autos, sendo que os factos dados como provados e a postura por si adotada nos autos permitem efectuar um juízo de prognose favorável quanto ao mesmo.
G) É que, ao fixar-se um juízo de censura jurídico-penal haverá que ser ponderado o futuro do agente numa perspectiva de contribuição para a sua recuperação como individuo dentro dos cânones da sociedade. Ao invés, o cumprimento de seis anos e nove meses de prisão, longe de ajudar a reinserção do agente estará a atirá-lo irremediavelmente para a marginalidade – com o que a sociedade só virá a perder.”
2. O Ministério Público, na 1.ª Instância, em resposta e, no Tribunal da Relação do Porto, em parecer que acompanhou o expendido na referida peça, pugnou pelo não provimento do recurso.
3. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, em douto parecer que, quase integralmente, se transcreve, também pelo interesse para a decisão do rigoroso levantamento da situação efetuado, defendeu a revogação do acórdão recorrido, “devendo determinar-se que os autos baixem à 1.ª instância em ordem ao suprimento da assinalada nulidade por omissão de pronúncia (5.3. supra) e à elaboração de novo acórdão em concordância com o disposto nos artigos 77.º, n.º 1, e 78.º, n.º 1, do Código Penal (5.4. supra)”:
“(…) 5.2. De acordo com a factualidade provada, o historial dos crimes em que o recorrente foi condenado pode ser resumido no seguinte quadro:
(com referência ao n.º do facto provado)
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Entre 29mar2006 e 08fev2007 |
4 anos (suspensa – revogada por despacho de 24jan2014) |
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Um abuso de confiança (205/1/4/b CP)
Um abuso de confiança (205/1/4/b CP)
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(pena única: 2 anos – suspensa sem condições)
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Entre 11 e 13jul2011
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Entre 23mar2012 e 12out2012 |
Dezassete penas de 2 anos e 1 mês |
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19mar2018 |
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Entre 27ago2014 e 21nov2014 |
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23mar2018 |
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Trinta e uma burlas (222/1/3 e 218/2/b CP)
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Entre 14dez2012 e 11jan2014
Entre 16jun2013 e 24jul2013 |
Trinta e uma penas de 2 anos e 1 mês
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22nov2018 |
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Entre 06 e 26Nov2014 |
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Entre 05 e 06ago2014 |
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1.11. 14293/15.... | Seis falsificações de documentos (256/1/a/d/e/f/3 CP) |
Entre jun2009 e 12out2009 |
(pena única: 2 anos – suspensa sem condições)
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(pena única: 1 ano e 2 meses – suspensa sem condições)
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9 meses (suspensa por 1 ano sem condições) |
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Uma burla continuada (30/2 e 222/1 CP) |
Entre 21nov2013 e 30dez2013 |
3 anos e 6 meses (suspensa sem condições) |
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Sete burlas (222/1/3 e 218/2/b CP) | Entre 03set2014 e nov2014 |
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Duas burlas (217/1 CP) |
Entre 19 e 29set2011
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Duas penas de 3 meses |
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Uma burla tentada (22 e 222/1/3 CP) |
12nov2014
Data posterior a 01nov2012 |
10 meses |
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31jan2012 14mar2013 27mar2013 |
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Entre 03 e 09mai2012 |
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Entre 14out2012 e 16dez2014 |
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Uma burla (217/1 CP)
Uma burla (217/1 CP)
Uma burla tentada (22 e 217/1 CP) |
Entre dez2011
Dez2011e 27jan2012
22dez2011
Dez2011 |
6 meses
5 meses
2 meses |
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Quatro burlas (222/1 CP)
Uma burla (222/1 CP)
Duas burlas (222/1 CP) |
Entre 04 e 12mar2012
19dez2011
12out2012
20fev2013 |
Quatro penas de 1 ano
7 meses
Duas penas de 7 meses |
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05mar2013 e 11mar2013 |
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15out2014 |
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Duas burlas tentadas (22, 222/1/3 e 218/2/b CP) |
Entre 2012 e 2013 |
Duas penas de 1 ano |
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Uma burla (217/1 e 218/2/b CP)
Uma burla (217/1 e 218/2/b CP)
Uma falsificação (256/1/a/e CP)
Uma falsificação (256/1/a/e CP) |
2012 |
2 anos e 6 meses
2 anos e 3 meses
9 meses
9 meses |
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06dez2012 |
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Uma burla tentada (22 e 222/1 CP) |
Entre a Pás-coa2012 e 12mai2012
Entre 09 e 12mai2012 |
8 meses
(pena única: 2 anos e 6 meses suspensa por 5 anos) |
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18 e 19nov2013 |
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06jul2015 |
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No que respeita às decisões cumulatórias, é consensualmente aceite que diante do disposto no artigo 77.º, n.º 1, parte final, do Código Penal, «o tribunal que procede ao cúmulo jurídico de penas, não deve limitar-se a enumerar os ilícitos cometidos pelo arguido de forma genérica, mas descrever, ainda que resumidamente, os factos que deram origem às condenações, “por forma a habilitar os destinatários da decisão a perceber qual a gravidade dos crimes, bem como a personalidade do arguido, modo de vida e inserção social”» (ANTÓNIO ARTUR RODRIGUES DA COSTA, O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ, Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2016 – I, página 87).
«Como tem sido afirmado no STJ (…) se não é necessário nem útil que a decisão que efectue o cúmulo jurídico de penas, aplicadas em decisões já transitadas, enumere exaustivamente os factos dados por provados nas decisões anteriores, já é imprescindível que contenha uma descrição, ainda que sumária, desses factos, de modo a permitir conhecer a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos e a personalidade do arguido neles manifestada» sob pena de nulidade [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de maio de 2010, processo 708/05.4PCOER.L1.S1, 5.ª Secção, MARIA ISABEL PAIS MARTINS (relatora), cujo sumário se encontra reproduzido no citado estudo de ANTÓNIO ARTUR RODRIGUES DA COSTA].
Para acautelar quaisquer falhas de fundamentação, observa TIAGO CAIADO MILHEIRO, o processo que procede ao cúmulo jurídico deve solicitar «as certidões das decisões condenatórias dos julgamentos parcelares, com nota de trânsito, que permite identificar desde logo a data dos factos, quais os crimes cometidos e em que termos foram praticados, penas parcelares aplicadas, bem como factos relativos à personalidade do arguido e condições de vida, provados nesses julgamentos parcelares». Não basta, assim, acrescenta o mesmo autor, «a consulta do certificado de registo criminal, não só pelas incorreções que pode conter, mas também porque a ausência de tais certidões implicará a insuficiência de facto e de direito para a determinação da pena única (e o mesmo se diga das certidões das decisões cumulatórias), já que impede o...
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