Acórdão n.º 331/2016

Data de publicação14 Junho 2016
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 331/2016

Processo n.º 1155/2014

Acordam, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - Nos presentes autos vindos do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em que é recorrente o Ministério Público e é recorrida Jakeline Alves da Silva Couto de Sousa, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), foi interposto recurso obrigatório para o Ministério Público, em 17 de fevereiro de 2014 (fls. 111 e 112), da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 31 de janeiro de 2014 (fls. 95 a 106), que julgou «improcedente a ação de oposição e, em consequência, ordeno[u] o prosseguimento do processo, pendente na Conservatória dos Registos Centrais, com vista ao reconhecimento à Ré do direito à aquisição da nacionalidade portuguesa e à realização dos competentes registos» (fl. 105).

2 - Notificado para o efeito, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal produziu alegações (fls. 119 a 143), tendo concluído o seguinte:

«[...]

1 - O Ministério Público interpôs recurso obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor da douta sentença de fls. 95 a 106, dos presentes autos, proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, "nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.os 1, alínea a) e 3,da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15.11, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 143/85, de 26.11, 85/89, de 01.09 e 13-A/98, de 26.02) [...]»

2 - Este "recurso tem como objeto a expressa recusa de aplicação da alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade e do n.º 2 do artigo 56.º do Regulamento da Nacionalidade, no sentido de que a simples verificação de facto da condenação do requerido nos citados autos pela prática de crime punível com pena de prisão cujo limite máximo seja igual ou superior a 3 anos não importa, de per si e sem um concreto juízo de indesejabilidade, impedimento à aquisição/mudança de nacionalidade [...]".

3 - Os parâmetros constitucionais cuja violação é invocada são identificados, no requerimento de interposição de recurso, nos seguintes termos:

O "[...] "princípio da proporcionalidade nos seus elementos necessidade e adequação", por referência ao disposto nos artºs 3.º, n.º 2, 204.º e 277.º, todos da Constituição da República Portuguesa".

4 - Para além destes, todavia, a douta decisão judicial impugnada desaplicou as identificadas normas da Lei da Nacionalidade e do Regulamento da Nacionalidade, essencialmente com fundamento na violação do disposto nos artigos 26.º, n.º 1, e 30.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, do plasmado no n.º 4 do artigo 30.º da Lei Fundamental.

5 - Quanto à questão de fundo dir-se-á que, distintamente do julgado na douta decisão impugnada, que entendeu que o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra, para além do direito de não perder a nacionalidade portuguesa de que se é titular, o direito, dos não nacionais, a adquirir ex novo, a nacionalidade portuguesa, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 599/05, decidiu que o direito enunciado naquele preceito se reporta, meramente, ao direito negativo, dos que já são nacionais portugueses, a exigirem do Estado que não atente contra o seu estatuto de cidadãos portugueses.

6 - No tocante aos cidadãos não portugueses que pretendam obter a cidadania portuguesa, são meros titulares da expectativa jurídica da obtenção desse estatuto, mediante o preenchimento de condições estabelecidas pelo legislador ordinário.

7 - Assim, contrariamente ao decidido pela douta decisão recorrida, não se nos afigura que as normas legais plasmadas na alínea b), do artigo 9.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade), na redação da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, e na alínea b), do n.º 2, do artigo 56.º, do Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro (Regulamento da Nacionalidade), violem, sem mais, o disposto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

8 - Discordamos, igualmente, do teor da douta decisão impugnada, no que concerne à invocada violação do parâmetro constitucional plasmado no artigo 30.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, por parte das normas acima mencionadas, na medida em que o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, previsto na alínea b), do artigo 9.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade), na redação da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, e na alínea b), do n.º 2, do artigo 56.º, do Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro (Regulamento da Nacionalidade), não constitui uma pena ou uma medida de segurança, muito menos privativa ou restritiva da liberdade e, consequentemente, a previsão da norma constitucional é inaplicável ao caso vertente.

9 - Por fim, também no que concerne à discrepância das normas sob escrutínio com o disposto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa, se nos afigura, no caso concreto, não ocorrer a violação de tal parâmetro constitucional.

10 - Acontece, no caso vertente, distintamente do que ocorreu no aparentado Processo n.º 757/13, em que o Mm.º Juiz "a quo", apesar de munido de um considerável acervo factual respeitante à situação criminal do requerido, optou por desconsiderar esse capital circunstancial, formulando, mecanicamente, o seu juízo quanto à indesejabilidade da aquisição da nacionalidade portuguesa; que o juízo de subsunção da matéria factual ao direito, efetuado pela douta sentença impugnada, e que habilitou o tribunal recorrido a constatar a desconformidade constitucional invocada, tomou em consideração a totalidade dos factos apurados, respeitantes à condenação do recorrente, suscetíveis de fundamentar um juízo de desejabilidade ou indesejabilidade da aquisição da nacionalidade portuguesa, o que implicou uma concreta ponderação dos factos, afastando a aplicação mecânica das normas contestadas.

11 - Há que concluir, assim, que as normas contidas na alínea b), do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade e na alínea b), do n.º 2, do artigo 56.º, do Regulamento da Nacionalidade, não violam o disposto no n.º 4, do artigo 30.º, da Constituição da República Portuguesa, devendo, em caso de dúvida, ser interpretadas no sentido de a sua aplicação não ser automática, constituindo um "mero índice ou circunstância indiciadora da indesejabilidade a valorar perante cada situação concreta".

12 - A não automaticidade do efeito atribuído à condenação criminal, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, evidencia a não violação do parâmetro de constitucionalidade plasmado no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa.

Por força do explanado, não deverá ser declarada a inconstitucionalidade das normas contidas na alínea b), do artigo 9.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade), na redação da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, e na alínea b), do n.º 2, do artigo 56.º, do Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro (Regulamento da Nacionalidade), por violação do disposto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, ser concedido provimento ao presente recurso.»

Posto isto, cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

a) Delimitação da questão a apreciar

3 - Nos autos ora em apreciação, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa desaplicou as normas contidas na alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade (aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na redação dada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril) (doravante, «LN») e na alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro) (seguidamente, «RNP»), por violação dos artigos 26.º, n.º 1, e 30.º, n.os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa («CRP»).

O teor das normas extraídas dos preceitos legais acima mencionados (na versão vigente à data da decisão judicial recorrida) é o seguinte:

Artigo 9.º da Lei da Nacionalidade Portuguesa

«(Fundamentos)

Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:

[...]

b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;

[...]»

Artigo 56.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa

«(Fundamento, legitimidade e prazo)

[...]

2 - Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adoção:

[...]

b) A...

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