Acórdão nº 331/19.6T8FAF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 09-07-2024

Data de Julgamento09 Julho 2024
Case OutcomeNÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DA REVISTA NORMAL REMESSA DOS AUTOS À FORMAÇÃO PARA CONHECIMENTO DO PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE REVISTA EXCEPCIONAL.
Classe processualREVISTA
Número Acordão331/19.6T8FAF.G1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Processo n.º 331/19.6T8FAF.G1.S1


Revista – Tribunal recorrido: Relação de Guimarães, … Secção


Acordam em conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I) RELATÓRIO


1. AA, representada pela tutora BB, instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum contra CC e «Cruzarapostas Lda.», pedindo a respectiva procedência e, em consequência, que (a) seja declarada a nulidade da procuração junta como doc. n.º 4 da PI, (b) seja declarada a falsidade do mesmo documento, (c) uma vez declarada a nulidade requerida, seja declarado nulo o negócio de compra e venda entre os RR, (d) seja declarada a nulidade do registo predial e consequentemente seja ordenado o seu cancelamento na Conservatória de Registo Civil ....


Citada, veio a a Ré «Cruzarapostas» apresentar Contestação, invocando as excepções de falta de capacidade judiciária da Autora e de falta de autorização judicial da tutora da Autora para interposição da acção e pedindo a suspensão da instância e a absolvição da Ré da instância e de todos os pedidos.

A Autora apresentou articulado de Resposta à excepção de ilegitimidade, pugnando pela sua improcedência.

Foi proferido despacho de improcedência das excepções dilatórias invocadas

2. Foi prolatado despacho saneador, com identificação do objecto do litígio: “indagar da validade da procuração e contrato de compra e venda mencionados na petição inicial”.


Foi fixado o valor da causa em € 45.001,00, transitado em julgado.


3. Realizada audiência final de julgamento, foi proferida sentença (17/2/2023) pelo Juízo Local Cível ... (Tribunal Judicial da Comarca de Braga), julgando a acção procedente com o seguinte dispositivo:

“A) Declaro a anulabilidade da procuração emitida pela autora a favor do réu CC, em 15/02/2016, junta como doc. nº 4 da PI;

B) Declaro ineficaz, em relação à autora, o contrato de compra e venda junto como doc. de fls. 13-14, celebrado em 24/03/2016.

C) Em consequência, determino o cancelamento do registo do imóvel descrito em 3º dos factos provados a favor da ré Cruzarapostas.

D) Absolveu os réus do demais peticionado.”


4. Sem se resignar, a segunda Ré veio interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), que conduziu a ser proferido acórdão (7/12/2023), no qual se julgou parcialmente procedente a impugnação da decisão da matéria de facto (considerar como não provado o facto provado 12.; manter o facto provado 13.), e se julgou improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.


5. Novamente sem se resignar, a mesma Ré interpôs recurso de revista, normal a título principal (Conclusões J) a KK) e excepcional a título subsidiário (Conclusões LL) a QQ), com arguição de nulidade do acórdão recorrido por “omissão de pronúncia” (Conclusões A) a I).


A Autora apresentou contra-alegações, pugnando pela inadmissibilidade da revista normal por verificação de “dupla conformidade” ao abrigo do art. 671º, 3, do CPC.


6. Em conferência, o TRG proferiu acórdão (29/5/2024) que se pronunciou sobre a nulidade arguida (arts. 615º, 1, d), 666º, 2, CPC), declarando-a e, apreciando a questão suscitada, julgando improcedente a apelação quanto à condenação da Autora na restituição das quantias peticionadas e alegadamente pagas pela aquisição do imóvel (cfr. arts. 617º, 2, 666º, 1, CPC); ademais, admitiu o recurso e ordenou a subida dos autos ao STJ.


7. Compulsados os autos nesta instância para efeitos do art. 652º, 1, ex vi art. 679º, do CPC, verifica-se que ambas as partes se pronunciaram nas suas alegações sobre a verificação ou não no caso do art. 671º, 3, do CPC, como impedimento ou não à admissibilidade da revista.





Colhidos os vistos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir, enfrentando desde logo a questão prévia da admissibilidade da revista.


II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS


1. Factualidade apurada


Foram considerados provados os seguintes factos:


1.º) A A foi declarada interdita por Sentença proferida no processo n.º 685/17.9..., do Juízo Local Cível ..., transitada em julgado em 14 de Março de 2019, tendo-lhe sido nomeada tutora a sua irmã, BB (cfr. doc. de fls. 8-9, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).


2.º) Nessa sentença foi fixado o início da incapacidade no dia 31 de dezembro de 2012.


3.º) Por escritura publica de Partilha realizada em 14 de março de 2013, foi adjudicado à autora, o prédio Urbano destinado a habitação composto por casa de rés do chão e garagem e logradouro, sito no lugar de ... concelho ... descrito na Conservatória de registo predial sob o numero ..65 da freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..72, com o valor patrimonial de 34.440 euros.


4.º) Em 15/02/2016 a autora emitiu procuração a favor do réu CC, seu irmão, para, entre o mais, prometer vender, e vender, o prédio identificado em 3º, recebendo o respetivo preço (cfr. doc. de fls. 15 v. que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).


5.º) A autora assinou a procuração, tendo a sua assinatura sido reconhecida e autenticada pela Drª DD (cfr. doc. de fls. 15 que aqui se dá por reproduzido).


6.º) O imóvel identificado em 3º foi vendido à 1ª ré por escritura pública de compra e venda celebrada em 24/03/2016, pelo preço de 25 mil euros (cfr. doc. de fls. 13-14 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).


7.º) Nessa escritura a autora esteve representada pelo réu CC, que apresentou a procuração referida em 4º.


8.º) O imóvel está registado na Conservatória do Registo Predial em nome da ré Cruzarapostas, pela Ap. ..17 de 24/03/2016 (cfr. doc. de fls. 20).


9.º) A autora reside, sempre residiu e continua a residir no imóvel referido em 3º.


10.º) O 1º réu CC reside no imóvel referido em 3º, conjuntamente com a autora e a mãe de ambos.


11.º) A ré, além do preço, pagou a quantia de € 824,12 a título de imposto de selo, custos notariais e registais pela aquisição do imóvel referido em 3º.


12.º) Eliminado pela Relação: considerado “não escrito”.


13.º) O réu CC conhecia o estado de saúde da autora, aquando da outorga da procuração.


Foram considerados não provados os seguintes factos:

a. O imóvel referido em 3º tinha um valor comercial de 45 mil euros na data da venda à 2ª ré.

b. À data [da] outorga da procuração a autora estava capaz, entendeu o conteúdo da mesma e o mesmo correspondia, pelo menos nessa altura, à sua vontade. – Aditado pela Relação.


2. Admissibilidade da revista normal


2.1. Estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade do recurso ordinário (arts. 629º, 1, 631º, 1, CPC) e os requisitos especiais de admissibilidade da revista enquanto espécie (art. 671º, 1, CPC).


2.2. O art. 671º, 3, do CPC, determina a existência de “dupla conformidade decisória” entre a Relação e a 1.ª instância como obstáculo ao conhecimento do objecto do recurso de revista normal ou regra junto do STJ, em relação aos segmentos decisórios e seus fundamentos com eficácia jurídica autónoma (objecto de impugnação) relativamente aos quais se verifica identidade de julgados sem voto de vencido, ou em que a decisão recorrida, no ou nos segmentos decisórios recorridos e seus fundamentos atendíveis, se revela mais favorável, qualitativa ou quantitativamente, à parte recorrente (ainda que vencida, total ou parcialmente).


2.3. Verifica-se que o objecto do recurso incide sobre o segmento decisório correspondente à anulabilidade da procuração outorgada pela Autora, enquanto negócio celebrado antes da publicidade da acção de interdição, de acordo com o regime da incapacidade acidental (art. 257º do CCiv.) determinado pela remissão do (anteriormente vigente1) art. 150º do mesmo CCiv. (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, do CPC.); com o consequente reflexo nos demais pedidos da Autora.


2.4. No que respeita ao objecto do recurso assim delimitado, verifica-se que a revista normal não é admissível, tendo em conta a existência de “dupla conformidade decisória” na fundamentação coincidente das instâncias no que toca ao segmento e questão de direito objecto de impugnação e de reapreciação pela Relação, sem voto de vencido, sem prejuízo de:


(i) ter havido modificação da matéria de facto, quanto ao facto provado 12. ser integrado (com outra redacção) no âmbito da materialidade não provada, mas sem que tal decisão tenha servido para uma modificação essencial ou uma alteração estrutural da motivação jurídica crucial e confirmativa que funda a reiteração pelo acórdão recorrido da sentença de 1.ª instância, sendo sempre este o cerne decisivo para controlar a conformidade ou não das decisões no que toca ao respectivo fundamento;


(ii) ter havido o aditamento de posição e fundamentação relativas ao ónus de alegação e prova do primeiro dos requisitos exigidos pelo regime ditado pelo art. 257º, 1, do CCiv. para a incapacidade acidental, em face de uma presunção de incapacidade de entendimento retirada do conteúdo da sentença de interdição (relativa à «data do começo da incapacidade»: art....

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