Acórdão Nº 331/18 de Tribunal Constitucional, 27-06-2018

Número Acordão331/18
Número do processo1404/17
Data27 Junho 2018
Classe processualRecurso

ACÓRDÃO Nº 331/2018

Processo n.º 1404/2017

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. No âmbito do processo de expropriação por utilidade pública n.º 314/12.7T2MFR, que correu os seus termos na (então designada) secção cível de Mafra – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi proferido despacho de adjudicação de determinado imóvel, datado de 11/09/2015, no qual se decidiu pela ilegitimidade da interessada A., Lda. (a ora Recorrente), em síntese, por se apresentar como arrendatária com base em contrato de arrendamento nulo.

1.1. Desta decisão apelou a interessada para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando, inter alia, que “[…] a interpretação dos artigos 220.º, 289.º e 1069.º do Código Civil no sentido de que, por não ter sido reduzido a escrito o contrato de arrendamento, o arrendatário de prédio expropriado por utilidade pública não tem direito a indemnização, é inconstitucional por violação dos direitos fundamentais de propriedade privada e a uma justa indemnização, bem como dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da igualdade (artigos 62.º, 13.º e 266.º da Constituição)”.

1.1.1. No Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferido acórdão, datado de 20/09/2016, negando provimento ao recurso (a esta decisão acabou por se referir o presente recurso, na sequência relatada nos itens 1.1.2. e 1.2. infra). Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte, após se ter concluído pela falta de prova documental do contrato de arrendamento:

“[…]

Na tese da Recorrente, ainda que seja formalmente nula (por não observar a forma legal), a relação locatícia intercedente entre ela e os locatários financeiros do imóvel expropriado deve ser atendida para efeitos indemnizatórios, pois envolve sempre a exploração de um estabelecimento comercial e, portanto, uma situação de vantagem económica (art. 62.º da Constituição).

[…]

A tese propugnada pela Apelante não tem a menor sustentabilidade.

Se o invocado arrendamento ajustado entre ela e os locatários financeiros do imóvel expropriado é formalmente nulo (nos termos do art. 220.º do Cód. Civil), essa nulidade é de conhecimento oficioso (art. 286.º do Cód. Civil) e não se sana pelo mero decurso do tempo, irrelevando que o Município expropriante tenha, eventualmente, feito propostas indemnizatórias à putativa arrendatária. ‘a lei atual [o cit. art. 1069.º do Cód. Civil, na redação emergente da Lei n.º 6/2006] (bem) não permite repescagens por via de nulidades mistas, pelo que se aplica [plenamente] o regime legal [da nulidade dos negócios jurídicos que não observem a forma a que estão sujeitos]’ – António Menezes Cordeiro in ‘Leis do Arrendamento Urbano Anotadas’, coordenação de António Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2014, p. 159.

Na falta dum arrendamento formalmente válido, a arrendatária não pode opor essa sua putativa qualidade a terceiros, nomeadamente à entidade expropriante, para o efeito de dela exigir uma indemnização pela ablação do seu (inexistente) direito de gozar temporariamente o imóvel arrendado.

É certo que “a boa-fé pode, em casos muito particulares, permitir o (re)aproveitamento de arrendamentos nulos por falta de forma” (António Menezes Cordeiro, ibidem). “Assim sucederá quando se mostrem reunidos os requisitos postos, pela jurisprudência, para as inalegabilidades formais, de tal modo que se jogue uma necessidade ético-jurídica forte de tutela da confiança da parte que não tenha originado a invalidade ([art.] 334.º [do Cód. Civil]” (António Menezes Cordeiro, ibidem).

“Em síntese, a falta de formação não pode ser invocada por uma das partes contra a outra nem, consequentemente, ser declarada de ofício pelo tribunal, quando: a) exista uma situação de confiança na consistência do arrendamento; b) justificada objetivamente; c) originando um investimento de confiança; d) sendo a confiança imputável à contraparte; e) não sendo prejudicados terceiros de boa-fé; f) sendo a imputação de confiança acompanhada por um juízo de censura; g) e surgindo o investimento de confiança como sensível” (António Menezes Cordeiro, ibidem).

‘Por esta via, consegue-se uma proteção paralela à que a usucapião poderia conseguir, se o direito do locatário fosse reconhecido como real’ (António Menezes Cordeiro, ibidem).

Porém, no caso dos autos, a situação invocada pela putativa arrendatária ora Apelante não apresenta nenhum dos contornos acima enunciados.

Tudo quanto ela ousa alegar é que o arrendamento verbalmente ajustado a seu favor pelos locatários financeiros do imóvel expropriado esteve em vigor durante alguns anos (entre 2008 e 2011 – data da publicação da publicação da Declaração de Utilidade Pública da Expropriação com carácter urgente: 11/05/2011), sem que nenhuma das partes o tivesse posto em crise durante esses cerca de 3 anos.

Por outro lado, a entidade expropriante ter-lhe-á mesmo feito uma proposta indemnizatória, na fase pré-contenciosa.

Estes dois singelos factos – o 1.º dos quais controvertido entre as partes no processo expropriativo – são manifestamente insuficientes para se poder concluir que, in casu, teria existido uma situação de confiança na consistência do arrendamento, justificada objetivamente, a qual teria originado um investimento de confiança, sendo essa confiança imputável à contraparte (os senhorios da arrendatária), daí não advindo quaisquer prejuízos para terceiros de boa-fé e sendo a imputação de confiança acompanhada por um juízo de censura ao comportamento (omissivo) da contraparte (os senhorios da arrendatária).

Consequentemente, a Apelação também improcede, quanto a esta 2.ª questão.

3)Se a interpretação dos arts. 220.º, 289.º e 1069.º do Cód. Civil no sentido de que, por não ter sido reduzido a escrito o contrato de arrendamento, o arrendatário de prédio expropriado por utilidade pública não tem direito a indemnização, é inconstitucional por violação dos direitos fundamentais de propriedade privada e a uma justa indemnização, bem como dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da igualdade (art. 62.º, 13.º e 266.º da Constituição).

[…]

Quid juris?

A tese propugnada pela Recorrente não pode prosperar.

Ela tem como pressuposto que mesmo quem não seja afinal arrendatário – por não ser válido (substancial ou apenas formalmente) o negócio jurídico que celebrou com o proprietário do imóvel expropriado – tem, ainda assim, direito a ser indemnizado pela ablação do seu (inexistente) direito ao arrendamento, consequente à expropriação do prédio que constituiria o objeto do (inexistente) arrendamento.

A negação do direito que a Apelante se arroga a uma indemnização constitui um simples corolário da invalidade ‘erga omnes’ do contrato (de arrendamento) no qual se funda o seu putativo direito de indemnização.

Consequentemente, a interpretação – subjacente ao Despacho recorrido – segundo a qual a nulidade formal do contrato de arrendamento que tem por objeto o imóvel expropriado (decorrente da sua não redução a escrito) priva o putativo arrendatário do direito a uma justa indemnização não viola o direito de propriedade privada consagrado no art. 62.º da CRP, nem o direito de indemnização consagrado em tal preceito, tão pouco ofendendo os princípios da proporcionalidade, da justiça e da igualdade consagrados nos arts. 13.º e 266.º da CRP.

Eis por que a Apelação também improcede, quanto a esta derradeira questão.

Assim sendo, nenhuma censura merece o Despacho recorrido, cujo acerto e legalidade a ora Apelante não logrou pôr fundadamente em causa.

[…]”.

1.1.2. A Recorrente pretendeu interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de 04/05/2017, decidiu não admitir o recurso. A Recorrente arguiu a nulidade desta decisão, que foi indeferida por acórdão de 28/06/2017.

1.2. A Recorrente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional – recurso que deu origem aos presentes autos – nos termos seguintes:

“[…]

[V]em, nos termos dos arts. 70.º, n.º 1, alínea b), e 75.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), requerer a admissão de recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.09.2016 proferido neste processo, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

1. Nos termos dos arts. 70.º, n.º 1, alínea...

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