Acórdão nº 33/14.0 GBADV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15-12-2016

Data de Julgamento15 Dezembro 2016
Número Acordão33/14.0 GBADV.E1
Ano2016
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora:

I
No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 33/14.0 GBADV, da Comarca de Beja, Instância Local de Almodôvar, Secção de Competência Genérica, J1, mediante pronúncia, precedendo pedido de indemnização civil [por banda da ofendida Fátima Palma Guerreiro, que se constituiu Assistente nos autos], e contestação [por banda do arguido/demandado, na qual nega o cometimento dos factos/crime por que está pronunciado], foi submetido a julgamento o arguido F [filho de …, natural da freguesia e concelho de Almodôvar, nascido em 20.05.1969, divorciado, mineiro e residente na Rua …, Almodôvar], e por sentença proferida e depositada em 16.10.2015, foi decidido:
“(…)

A) Absolver o arguido F, do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º/n.º1, alínea a) e n.º2 do Código Penal;

B) Operando a respectiva convolação, condenar o arguido F, pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de 7,00€ (sete euros), no montante global de 560,00€ (quinhentos e sessenta euros);

C) Julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e condenar o arguido/demandado F, no pagamento à demandante FG da quantia de 300,00€ (trezentos euros), absolvendo do demais peticionado;

D) Condenar o arguido no pagamento das custas criminais do processo, nos termos dos artigos 513.º e 514.º. n.º1 do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º9 do Regulamento das Custas Processuais (Tabela III anexa ao referido diploma legal), fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s;

E) Custas civis a cargo de ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º do CPC aplicável ex vi artigo 523.º do CPP).
*
Fixo o valor do enxerto cível em 8.500,00€ (oito mil e quinhentos euros).
(…)”.

Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:

1- O Tribunal a quo, após ter dado cumprimento ao estatuído no artigo 358º, nºs 1 e 3 do CPP, acabou por absolver o arguido da prática de um crime de violência doméstica mas condenou-o pela prática de um crime de injúria, numa pena de multa de 80 dias à taxa diária de 7,00€ num total de 560,00€.

2- E ainda no pagamento da quantia de 300,00€ a título de indemnização civil.

3- Não obstante, carecendo o Ministério Público de legitimidade para acusar quanto a factos autonomamente integrados num crime de injúria, não podia o Tribunal a quo ter condenado o recorrente pela prática desse crime, por falta de acusação particular.

4- Mostram-se assim postergadas as normas contidas nos artigos 181º e 188º do Código Penal e 50º,nº1do Código de processo Penal;

5- Mesmo que assim não se entenda, perante a absolvição do recorrente, pela prática de um crime de violência doméstica, e consequente autonomização do crime de injúria, o Tribunal recorrido deveria ter dado cumprimento ao disposto no artigo 359º do Código de Processo Penal, considerando que a mencionada convolação implicou não uma mera alteração da qualificação jurídica, mas uma verdadeira alteração substancial dos factos.

6- Omitido que foi o cumprimento do disposto no artigo 359º do CPP entende o recorrente, salvo o devido respeito, que a sentença sofre de nulidade nos termos do nº1 alínea b)do artigo 379º do CPP, já que o Tribunal a quo conheceu de factos diversos dos descritos na pronúncia (mesmo quanto aos factos relativos aos elementos subjectivos do tipo

7- Assim, entende o recorrente salvo o devido respeito, que a sentença do Tribunal a quo agora posta em crise sempre será nula nos termos do nº1 alínea b) do artigo 379º do CPP,

Pelo exposto, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva o recorrente da prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, nº1, do Código Penal ou caso assim não se entenda, deverá a douta sentença recorrida ser declarada nula, ordenando-se a reabertura da audiência para, com o mesmo tribunal e nos termos do artigo 359º do CPP, se proceder à comunicação ao arguido/recorrente da alteração substancial dos factos, seguindo-se os ulteriores termos do processo.
Com o que se fará
JUSTIÇA”.

Admitido o recurso interposto pelo arguido [cfr. fls. 335], notificados os devidos sujeitos processuais, apresentaram articulado de resposta:

[i] A Assistente, alegando em síntese conclusiva que:
“a) O recurso interposto pelo arguido é manifestamente infundado.
b) A douta sentença não merece qualquer reparo.
c) Deve manter-se a sentença proferida.”

[ii] A Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância, concluindo nos termos seguintes:

1.º A falta de acusação particular não inutiliza a acusação por quem, à data, detinha exclusiva legitimidade para o efeito, visto que o Ministério Público acusou por factos relativamente aos quais tinha legitimidade e os pressupostos processuais relativos a tal acusação estabilizara-se nesse preciso momento.

2.º A ofendida, assistente nos autos, manifestou a sua vontade quanto ao prosseguimento da acção penal ao constituir-se assistente e acompanhar a acusação pública, não sendo exigível que a assistente tivesse deduzido uma acusação particular nos termos do disposto no art. 285.º CPP, tanto o mais que nem nesses termos foi a mesma notificada, nem o deveria ter sido.

3.º A alteração substancial é uma alteração dos factos que releve a imputação de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

4.º Uma vez que não houve no caso qualquer agravação das sanções aplicáveis (antes pelo contrário, cabe apenas questionar o que se entente por crime diverso, sendo que nesta sede, temos não haver crime diverso quando os factos novos pertencem ao mesmo facto histórico.

5.º No caso dos autos temos que os factos em causa correspondem a um todo, motivo pelo qual não se está, forçosamente, no campo de aplicação do disposto no art. 359.º CPP.

6.º Na douta sentença recorrida foram acrescentados factos que foram dados como provados e que não constavam da acusação e que foram comunicados aos intervenientes processuais, na audiência em que se procedeu à leitura da sentença, sem que a assistente, o Ministério Público ou até o arguido, ao abrigo do disposto no art. 358.º, n.º 1 CPP, se pronunciassem ou tivessem requerido prazo para preparação da defesa.

7.º Por último, há ainda que ter em conta que foi comunicada a alteração da qualificação jurídica nos termos do disposto no art. 358.º, n.º 3 CPP, conforme consta da acta da audiência de leitura e bem assim do despacho proferido pela Meritíssima Juíza e que se encontra devidamente gravado no suporto informático.

8.º Dada a palavra ao arguido, o mesmo não pediu prazo e nada requereu, não arguido qualquer nulidade nem requereu prazo para preparar a sua defesa.

9.º Assim, entende o Ministério Público que não assiste razão ao recorrente, porquanto foi se verifica a nulidade por si invocada nenhuma censura merecendo a decisão recorrida, motivo pelo qual deve improceder o recurso interposto pelo arguido.

Contudo, V. Exas. Farão Justiça.”.

Remetidos os autos a esta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer, alegando, em síntese, que “(…) Analisados os fundamentos do recurso, nada nos resta acrescentar à correcta e bem fundamentada argumentação oferecida pela digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal de 1ª instância na resposta apresentada às motivações do arguido, resposta essa que acompanhamos e, integralmente, subscrevemos (…)” e, em consequência, pugna pela improcedência do recurso.

Foi efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais.
Foi realizada a Conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II
Como é sabido, as Relações conhecem de facto e de direito – artigo 428º, do Código de Processo Penal – sendo certo que o âmbito do recurso – seu objecto e poderes de cognição – afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no artigo 410º, nº 2, do aludido diploma, as cominadas como nulidade da sentença (cfr. artigo 379º, nºs 1 e 2, do mesmo Código) e as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3, 119º e 123º, nº 2, do Código de Processo Penal; a este propósito v.g. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242, de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P2583, disponível em www.dgsi.pt e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).

Vistas as conclusões do recurso em apreço, as questões suscitadas ao conhecimento desta instância, resumem-se às seguintes (agora ordenadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas):

(i) - Se a decisão recorrida padece de nulidade nos termos prevenidos no artigo 379º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, por inobservância do preceituado no artigo 359º, do mesmo compêndio legal;

(ii) - Se o Ministério Público carece de legitimidade para prosseguir na acção penal relativamente a crime de natureza particular, ante a ausência de acusação particular e atento o disposto nos artigos 50º, nº 1, do Código de Processo Penal e 188º, nº 1, do Código Penal.

III
Com vista à apreciação das suscitadas questões, a sentença recorrida encontra-se fundamentada nos seguintes termos (que se transcrevem na parte pertinente
...

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