Acórdão nº 33/14.0T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 11-04-2019

Judgment Date11 April 2019
Acordao Number33/14.0T8PVZ.P1
Year2019
CourtCourt of Appeal of Porto (Portugal)
Apelação nº33/14.0T8PVZ.P1
Tribunal recorrido: Comarca do Porto
Póvoa de Varzim – Inst. Central – 2ª Secção Cível
Relator: Carlos Portela (923)
Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes
Des. Filipe Caroço
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
B…, casada, residente na Rua …, nº …, em …, intentou a presente acção comum contra C…, casado, residente na Rua …, nº …., em … – Vila do Conde, e D…, residente na Rua …, nº …., na Maia, pedindo que, na procedência da acção, seja a final declarada a nulidade do negócio de transmissão de 1.600 acções a favor dos Réus e a condenação solidária destes a indemnizá-la em €160.000,00, acrescidos de juros à taxa legal a contar da citação.
Para tanto e em síntese, alegou o seguinte:
Foi constituída a sociedade por quotas E…, Lda., tendo a mesma entretanto sido transformada em anónima, com aumento de capital.
Eram accionistas desta sociedade a sociedade F…, Lda., com 2.391 acções, a Autora, com 1.600 acções, os Réus com 3 acções cada, e G…, também com 3 acções, no valor nominal de €100,00 por unidade.
Após a transformação em anónima, a sociedade passou a ser gerida pelos Réus e pelo cedente das quotas à Autora, H….
A administração da sociedade comprometeu-se a entregar os títulos definitivos das acções aos accionistas, designadamente à Autora, no prazo de seis meses.
Em 20 de Outubro de 2010, o cedente das quotas à A. renunciou à administração, passando então a firma a ser administrada pelos RR., sendo que a administração não entregou os títulos definitivos, sendo todas as acções transferidas para a titularidade dos RR..
A Autora não transmitiu a titularidade das referidas 1.600 acções ao portador.
Não obstante, em 28.12.2011, os RR. procederam à inscrição no registo comercial da transformação da sociedade de novo em sociedade por quotas, bem como da titularidade por cada um deles de uma quota do valor nominal de €200.000,00.
Os RR. apropriaram-se, assim, das acções da A., as quais não se encontram em condições de restituir, dado que a E…” foi declarada insolvente em 24.2.2014.
Contestaram os RR., excepcionando que a Autora vendeu ela própria as acções em questão à sociedade E…, através de contrato de compra e venda por ela assinado.
Alegaram também que os réus compraram as acções em causa à E….
Mais alegaram factualidade susceptível de enquadrar abuso de direito por parte da A. na invocação de qualquer invalidade da venda em questão.
No mais impugnaram diversa factualidade e conclusões de direito, concluindo pela improcedência da acção e pela condenação da A., como litigante de má fé, em multa processual e indemnização a seu favor.
Em resposta, a Autora arguiu a nulidade do contrato de compra e venda das acções à E…, pedindo também a condenação dos RR. como litigantes de má fé.
Teve lugar a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, foi identificado o objecto do litígio, definidos os factos desde logo havidos por assentes, por não controvertidos, e enunciados os temas de prova.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento com observância do pertinente formalismo legal, no culminar da qual foi proferida sentença onde se julgou a acção totalmente improcedente por não provada e, em consequência, se absolveram os Réus de todos os pedidos formulados.
Na mesma decisão também se condenou a Autora como litigante de má fé em multa que se fixou em 4 UCs e em indemnização aos Réus a fixar após audição das partes nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do art.º543º do CPC.
A Autora veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo as suas alegações.
Os Réus contra alegaram.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal, admitindo-se o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre pois decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela autora/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor das mesmas conclusões:
1. Impugna-se com o presente recurso as decisões sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito, bem como a sobre a litigância de má-fé.
2. A relativa á matéria de facto fundamenta-se nas confissões que se extraem das declarações dos RR., ora recorridos, prestadas na sessão de 3 de Julho de 2017 da audiência de julgamento, gravadas no registo áudio digital de 00:35:23 a 00:43:55 (1); de 00:49:02 a 00:55:00 (2); e de 1:09:00 a 1:29:28 (3) quanto a C… e de 00:18:11 a 00:20:22 (4) quanto a D….
3. Confissões que determinaram a alteração da alínea x) e o aditamento das alíneas hh) e ii) no item dos factos assentes da douta sentença recorrida.
4. Quanto à alínea x) a confissão do R. C… encontra-se gravada de 00:22:27 a 00:26:31.
5. Quanto ao aditamento das alíneas hh) e ii) é relevante as assentadas consignadas na sessão de audiência de julgamento de 3 de Julho de 2017, as quais constam da respectiva ata.
6. A alínea x) deve passar a ter a seguinte redacção:
X) A divida ao credor I… originou o pedido de insolvência e a insolvência da E….
7. Deve aditar-se aos factos provados as alíneas hh) e ii) com a seguinte redacção:
hh) Em esclarecimento dos factos constantes das anteriores alíneas j) e l), os títulos representativos da E… nunca foram emitidos, segundo o que sabe o Réu/accionista C…, e que a E… nunca entregou qualquer titulo representativo do capital aos accionistas designadamente aos Réus C… e D… e à A.
ii) A entrega de acções declarada no facto 3 do contrato referido na alínea o) dos factos provados não vale no sentido de ter existido a entrega física de qualquer titulo representativo do capital social da E….
8. A revogação da douta sentença recorrida quanto à matéria de direito fundamenta-se na qualificação do contrato da alínea o) como contrato-promessa e no direito à resolução dele, por um lado, e na anulação desse contrato por não ter sido realizada a Assembleia Geral a deliberar a aquisição de ações próprias pela E…, por outro.
9. Face aos factos dados como provados o contrato referido na alínea o) não pode ser qualificado como contrato definitivo de transmissão de acções ao portador.
Para merecer a qualificação do contrato definitivo era necessário que os títulos representativos das acções ao portador tivessem sido emitidos pela E….
Na realidade, só se pode transmitir o que existe, sendo que, como resulta dos factos constantes das alíneas i), j) e das hh) e ii) a aditar à matéria de facto assente, os títulos representativos dessas acções nunca foram emitidos.
Daí que do aludido contrato da alínea o) apenas resulta a obrigação da A. entregar esses títulos definitivos representativos das acções ao portador quando e após a respectiva emissão pela E….
10. E isto porque, a necessidade de existir a emissão dos títulos representativos das acções para se poder exigir a respectiva entrega e, assim, validar o contrato da alínea o) como definitivo, emerge claramente do disposto nos art.95º a 102º e 104º do Código dos Valores Mobiliários, com especial realce para este último.
11. Face ao exposto, é imperativo concluir que dos factos provados resulta que a A. não podia exercer o direito de transmitir as acções ao portador enquanto não tivessem sido emitidos os respectivos títulos pela E… e, assim, permitir que a Autora, ora recorrente, os entregasse ou exigisse a sua entrega, designadamente pela via judicial.
Deste modo, restará concluir que o contrato da alínea o) apenas pode ser qualificado como CONTRATO PROMESSA DE TRANSMISSÃO DE AÇÕES AO PORTADOR
12. Isto posto, acontece que dos aludidos factos provados resulta que a E… não emitiu esses títulos representativos de acções ao portador nem, consequentemente, que os tenha entregue à A. (cfr. alínea i), j), hh) e ii)), e que, como consta dos factos n) e x), foi declarada insolvente.
Esta circunstância da insolvência, torna impossível, absoluta e definitiva, a emissão dos títulos representativos das acções ao portador a que a E… estava obrigada em cumprimento do disposto no art.º 95º do Código dos Valores Mobiliários.
Impossibilidade essa que confere à A. o direito à resolução do contrato da alínea o), ao abrigo do disposto no nº 2 do art.º 801º do C. Civil.
13. Resolução que aqui se declara com os efeitos retroactivos previsto no art.º 434º do C. Civil, a determinar que a transferência das acções a favor dos RR., ora recorridos, referida na alínea l) dos factos assentes não tenha suporte legal, com a consequente condenação dos Réus, ora recorridos, no pagamento à A., ora recorrente, da quantia referida na alínea q) dos factos assentes, ou seja, na quantia de €87.076,41.
14. Ao ter absolvido os RR. deste pedido, na douta sentença recorrida violaram-se os normativos supra indicados (art. 95º, 102º e 104º do Código dos Valores Mobiliários, art.801º-2, 434º, do C. Civil).
15. Tendo presente os factos provados nas alíneas o), y), ff), hh) e ii), a demonstrar a não emissão dos títulos representativos das acções, e o disposto no art.104º do Código dos Valores Mobiliários, apenas se pode concluir que a Assembleia Geral para deliberar a aquisição de acções próprias não se realizou.
16. Com efeito, essa Assembleia Geral apenas se poderia realizar com os accionistas que tivessem na sua posse os respectivos títulos representativos do capital, como claramente se extrai do disposto no art.104º do Código dos Valores Mobiliários e está implícito no art.º 319º-1 do Código das
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