Acórdão nº 33/06.3JAPTM.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 11-12-2014

Data de Julgamento11 Dezembro 2014
Case OutcomePROVIDO PARCIALMENTE
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão33/06.3JAPTM.E2.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

I - Relatório:

1. No 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Silves, com intervenção do tribunal colectivo, foram julgados e, por acórdão publicitado em 19-04-2012, condenados os arguidos:

- AA, pela prática, como co-autor, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 10 (dez) anos de prisão;

- BB, pela prática, como co-autor, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 10 (dez) anos de prisão;

- CC pela prática, como co-autor, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-B e I-C a ele anexa, na pena de 7 (sete) anos de prisão;

- DD, pela prática, como co-autor, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 7 (sete) anos de prisão;

- EE, pela prática, como co-autor, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- FF, pela prática, como co-autor, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- GG, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.


2. Inconformados, os arguidos AA, BB, DD, CC e GG interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora que, por decisão de 03-12-2013, negou provimento aos recursos, mantendo na íntegra, o acórdão recorrido.


3. Ainda inconformados com esse acórdão, os arguidos AA e BB recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça.

3.1. O recorrente AA concluiu a sua motivação da seguinte forma:

1 – É nula a audiência de discussão e julgamento e todos os actos subsequentes, por se mostrarem violadas as normas constantes dos artigos 4.º, n.° 4, da Lei n.° 101/01, de 25 de Agosto, artigo 17.°, n.° 4, da Lei n.° 93/99, de 14 de Julho, artigos 41.°, n.° 3, 118.°, n.° 1, 119.°, corpo do artigo, 122.°, n.°s 1 e 2, e 139.°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Penal.

2 – O Acórdão recorrido não está fundamentado, sendo, por isso, nulo, nos termos do artigo 379.°, n.° 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

3 – É nulo o Acórdão recorrido, por não ter dado cumprimento integral ao disposto no artigo 358.°, n.° 1, por força do disposto no artigo 379.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Penal.

4 – O Tribunal recorrido omitiu uma diligência de prova essencial para descoberta da verdade material e a defesa do recorrente.

5 – O Acórdão recorrido não se pronunciou sobre o recurso da matéria de facto, não apreciou qualquer dos meios de prova indicados, nem o objecto de recurso da decisão em matéria de facto, sendo nulo ao abrigo do artigo 379.°, n.° 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

6 – É, ainda, nulo, por não se ter pronunciado quanto à questão da medida da pena, quanto à agravante do artigo 24.°, alínea c), do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, e, ainda, quanto à tentativa, pelo que também, por este motivo é nulo, nos termos do artigo 379.°, n.° 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

7 – O Acórdão recorrido também não se pronunciou sobre as inconstitucionalidades arguidas pelo recorrente, pelo que, ao abrigo do preceito legal supra referido, é nulo.

8 – O Acórdão recorrido sofre do vício de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo. 410.°, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, por ter valorado provas (depoimento do agente encoberto “HH” e relato da operação encoberta), que servem de fundamento a determinados factos dados como provados, que de acordo com a lei e os princípios da imediação, do contraditório e equidade, não é admitido, pelo que, deve determinar-se o reenvio do processo para novo julgamento.

9 – O Acórdão recorrido fundamentou o facto 1.º da matéria dada como provada no depoimento duma testemunha que depôs sem revelação da sua identidade, por videoconferência, com distorção de voz, ocultação de imagem e por intermédio do Juiz, violando desta forma o artigo 19.°, n.º 2, da Lei n.º 93/99, de 14 de Julho, o princípio do contraditório, da igualdade de armas, da oralidade e da imediação.

10 – O Tribunal “a quo” ao fundamentar a decisão da matéria de facto, na parte acima referida, no depoimento da testemunha “HH” incorreu em erro notório na apreciação da prova.

11 – Toda a operação foi controlada pela PJ, o recorrente aparece, apenas, como transportador da droga, não tendo o domínio da operação de importação/exportação, nunca chegou a existir um perigo real da cocaína poder ser utilizada em prejuízo da saúde pública.

12 – Apenas pode ser considerado como um autor da missão de transporte da droga, o que deve ser considerado relevante para efeitos da diminuição do grau da ilicitude – Acs. STJ, de 15.07.92, de 07.07.93, Proc. 44604, e de 29.04.98, CJ, II, 191.

13 – A aplicar-se alguma pena ao arguido esta terá de ser especialmente atenuada atendendo à inexistência de perigo de disseminação da droga apreendida;

14 – Não é punível a conduta de quem, após ter planeado o transporte de cocaína do alto mar para próximo da costa portuguesa e daqui para a Galiza, propõe a outrem ajuda para a execução desse plano, mediante pagamento de determinado montante, que entrega, quando o contactado só aparentemente aceita a proposta e altera todo o plano de transporte da droga, sem este ter conhecimento, retirando-lhe todo o poder de decisão.

15 – O recorrente não teve o domínio de facto sobre a operação de importação, nunca teve possibilidade de encaminhar, deter ou interromper a operação. Tem domínio do facto, desde logo, o autor singular imediato que realiza o ilícito típico directamente, isto é, por si próprio, com domínio da acção. Autor é também aquele que domina o facto e a realização típica mesmo sem nela participar por si mesmo, porquanto domina o executante por coacção, erro, ou através de um aparelho organizado de poder: é o autor mediato que tem o domínio da vontade. É co-autor quem, dividindo as tarefas, realiza uma parte necessária da execução do plano conjunto, com domínio funcional do facto.

16 – O Acórdão recorrido ao dar como provado a matéria constante dos pontos 3, 4, 12, 13, 15, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 29, 30, 31, 35, 36, 48 e 53, e concluir que:

– o recorrente praticou um crime de tráfico de estupefacientes, como co-autor; e

– a actuação dos agentes encobertos não provocou o crime, é fazer uma errada qualificação jurídica dos factos, existindo, por isso, um erro de julgamento.

17 – A actuação dos agentes encobertos integra-se no conceito de autoria mediata, na medida em que detêm o domínio da acção, elaboram o plano de introdução da droga em Portugal e controlam esse plano, impedindo os traficantes de executarem o plano deles e o delineado pela PJ, embora ambos pratiquem actos de execução do ilícito é a PJ que detém o domínio da vontade.

18 – O volume de droga apreendido pressupõe um negócio de grande montante, mas não se sabe para quem são os lucros e fundamentalmente se revertia para o recorrente e os outros arguidos e a quantidade de produto não é por si só qualificativa do tráfico de estupefacientes, não releva em nenhuma das enunciações das alíneas daquele normativo – Acs. STJ, de 15.03.2006, Proc. n.° 4421/05-3.°, de 12.04.2007, Proc. 4680/07, e de 05.12.2007, Relator: Raul Borges, in www.dgsi.pt.

19 – A ignorância sobre o quantitativo dos lucros, quem os cativa, caso o arguido recebesse esses mesmos lucros, em que proporções, não são suficientes para enquadrar o seu comportamento na agravante qualificativa da alínea c), pelo que padece o Acórdão do vício previsto no artigo 410.°, n.° l, alínea a), fazendo errada interpretação da alínea c) do artigo 24.° do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro – Acs. STJ, de 15.10.1997, Proc. 586/97, CJ, 1997, T3, 194, de 11-3-1998, CJ, VI, T I, pág. 220, de 17-5-2000, CJ, T II, pág. 193, e de 4-10-2001, CJ, T III, pág. 178.

20 – A actuação dos agentes encobertos contende com os princípios da presunção de inocência, do “in dubio pro reo” e “nemo tenetur se ipsum accusare”.

21 – O Tribunal “a quo” não apurou todos os factos que constam do relato da operação encoberta, apesar da contradição com os constantes do despacho de pronúncia.

22 – O Tribunal “a quo” não apurou qual o lucro dos arguidos, qual a posição deles na organização, que rendimento tirariam com esta operação, por isso, o Acórdão recorrido sofre do vício da insuficiência da matéria de facto.

23 – Não fora a actuação da Polícia Judiciária e não se sabe em que termos prosseguiria a operação de tráfico em curso, nem sequer se a mesma se chegaria a concluir e, na afirmativa, em que termos, tendo em conta, por exemplo, que os suspeitos pretendiam levar a droga para a Galiza, tendo em conta que não era intenção dos traficantes transportar a droga para território português, tendo em conta que o barco dos traficantes necessitava de combustível, tendo em conta que existiu um largo período de tempo que os traficantes não sabiam da droga, sendo que é a polícia que domina,...

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