Acórdão nº 3297/16.0T8LLE-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09-06-2022
Data de Julgamento | 09 Junho 2022 |
Número Acordão | 3297/16.0T8LLE-B.E1 |
Ano | 2022 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Processo n.º 3297/16.0T8LLE-B.E1
Juízo de Execução de Loulé
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que (…) move contra (…), falecido a 02-12-2010, deduziu a exequente o presente incidente de habilitação contra o Estado Português, pedindo a habilitação do requerido como sucessor do executado falecido.
Alega, para o efeito, que o executado faleceu no estado de divorciado, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, deixando os dois filhos que identifica, os quais repudiaram a herança, e não sendo conhecidos outros sucessores, como tudo melhor consta do requerimento apresentado.
O Estado Português, representado pelo Ministério Público, apresentou contestação, defendendo o indeferimento da requerida habilitação como sucessor do executado falecido, sustentando, em síntese, que o Estado só sucede, e só passará a ser herdeiro do executado falecido, após sentença que declare a herança vaga, no âmbito do processo especial previsto nos artigos 938.º a 940.º do Código de Processo Civil.
Por decisão de 29-11-2021, foi proferido despacho saneador, discriminaram-se os factos considerados provados e apreciou-se o mérito da causa, tendo-se decidido o seguinte:
Pelo exposto, julgo procedente a pretensão formulada pela Requerente/exequente (…) e, em consequência:
a) Declaro o Estado Português, habilitado em substituição nos autos de execução do executado (…);
b) Condeno o Requerido, Estado Português no pagamento das custas e demais encargos com o processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, sem prejuízo da isenção de que goza.
Registe e notifique, sendo também o (a) senhor (a) Agente de Execução.
Inconformado, o Estado Português, representado pelo Ministério Público, interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação e substituição por outra que o absolva da instância, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1- (…), exequente nos autos de execução, veio por apenso aos mesmos, deduzir incidente de habilitação de herdeiros requerendo fosse o Estado Português habilitado no lugar do executado falecido.
2- Em 29/11/2021 foi proferida no incidente de habilitação de herdeiros decisão que declarou o Estado Português habilitado autos de execução em substituição do executado (…).
3- Mesmo admitindo, o que não é ocaso, a admissibilidade da habilitação do Estado, enquanto sucessível, para prosseguir nos autos no lugar do executado falecido, em sede de incidente de habilitação de herdeiros, não é possível concluir nos mesmos pela inexistência de outros sucessíveis, sendo que o Estado apenas é chamado à herança na falta de cônjuge e de todos os parentes sucessíveis (artigo 2152.º do Código Civil).
4- O reconhecimento da posição de herdeiro do Estado tem lugar em processo próprio, no processo especial previsto nos artigos 938.º a 940.º do Código de Processo Civil, não ocorrendo de forma automática a vacatura da herança para o Estado.
5- É necessária uma sentença que declare a herança vaga para o Estado, nos termos das leis de processo, reconhecida que for judicialmente, a inexistência de sucessíveis que lhe prefiram (artigo 2155.º do Código Civil), o que se prende com a necessidade de acautelar a existência de herdeiros desconhecidos que prefiram ao Estado.
6- Ou seja, o Estado só sucede, e só passará a ser herdeiro do executado falecido após declaração de herança vaga, no âmbito do processo especial referido.
7- Até esse momento, a herança aberta por óbito do executado encontra-se jacente, uma vez que não foi aceite, e nem ainda declarada vaga para o Estado (artigo 2046.° do Código Civil).
8- Ao ser requerida a habilitação do Estado em incidente judicial de habilitação de herdeiros, foi utilizado um meio processual inadequado, verificando-se erro na forma do processo de conhecimento oficioso – artigos 193.°, n.º 2, 196.º, 546.°, n.º 2, 938.° a 940.° do Código de Processo Civil.
9- Deveria assim o Estado Português ter sido absolvido da instância, nos termos do disposto nos artigos 577.°, alínea b), 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, por se verificar uma excepção dilatória inominada.
10-Violou a decisão recorrida o disposto nos artigos 2155° do Código Civil, 193°, nº 1, 196, 546º, nº 2, 351°, nºs 1 e 2, 938º a 940, 576°, nºs 1 e 2, 5779 al. b), 578° e 278°, n.º 1, al. e), todos do Código de Processo Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que absolva o Estado Português da instância.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar se o Estado Português pode, no âmbito do presente incidente de habilitação, ser considerado sucessor do executado falecido.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
2. Fundamentos
2.1. Decisão de facto
A 1.ª instância considerou provados os factos seguintes:
1. (…) intentou no dia 26 de Outubro de 2016 contra (…), acção executiva sob a forma de processo comum, a qual corre termos neste Juízo de Execução de Loulé do Tribunal Judicial da Comarca de Faro sob o n.º 3297/16.0TT8LLE;
2. O executado (…) faleceu no dia 02 de Dezembro de 2010, no estado de divorciado de (…);
3. Foi elaborado o escrito que faz fls. no essencial com o seguinte teor “Conservatória do Registo Civil de Amadora. Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros e Registos. Habilitação de Herdeiros n.º …/2011. Autor da Herança, (…), nascido a 28 de Agosto de 1946, falecido no estado de Divorciado (…) com última residência habitual em Rua da (…), Edifício (…) – Apartamento n. (…), 2.º-D, (…), Loulé, com o NIF (…). Cabeça-de-casal e Herdeiro, (…), de 41 anos de idade (…) no estado de solteiro, natural de República de Moçambique, filho de (…) e de (…); Herdeiro, (…), de 36 anos de idade (…) no estado de solteiro, natural de freguesia de São Jorge de Arroios, concelho de Lisboa, filho de (…) e de (…). Presente: O cabeça-de-casal acima identificado. Declarações prestadas pelo cabeça-de-casal. O autor da herança, faleceu no dia 2 de Dezembro de 2010, na freguesia de Campo Grande, concelho de Lisboa. O autor da herança não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade. Declarados herdeiros do falecido: Filho: (…) e Filho: (…). Que não há quem lhes prefira ou com eles possa concorrer na sucessão. O cabeça de casal foi advertido de que incorre nas penas aplicáveis ao crime de falsidade de depoimento ou declaração se,...
Juízo de Execução de Loulé
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que (…) move contra (…), falecido a 02-12-2010, deduziu a exequente o presente incidente de habilitação contra o Estado Português, pedindo a habilitação do requerido como sucessor do executado falecido.
Alega, para o efeito, que o executado faleceu no estado de divorciado, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, deixando os dois filhos que identifica, os quais repudiaram a herança, e não sendo conhecidos outros sucessores, como tudo melhor consta do requerimento apresentado.
O Estado Português, representado pelo Ministério Público, apresentou contestação, defendendo o indeferimento da requerida habilitação como sucessor do executado falecido, sustentando, em síntese, que o Estado só sucede, e só passará a ser herdeiro do executado falecido, após sentença que declare a herança vaga, no âmbito do processo especial previsto nos artigos 938.º a 940.º do Código de Processo Civil.
Por decisão de 29-11-2021, foi proferido despacho saneador, discriminaram-se os factos considerados provados e apreciou-se o mérito da causa, tendo-se decidido o seguinte:
Pelo exposto, julgo procedente a pretensão formulada pela Requerente/exequente (…) e, em consequência:
a) Declaro o Estado Português, habilitado em substituição nos autos de execução do executado (…);
b) Condeno o Requerido, Estado Português no pagamento das custas e demais encargos com o processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, sem prejuízo da isenção de que goza.
Registe e notifique, sendo também o (a) senhor (a) Agente de Execução.
Inconformado, o Estado Português, representado pelo Ministério Público, interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação e substituição por outra que o absolva da instância, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1- (…), exequente nos autos de execução, veio por apenso aos mesmos, deduzir incidente de habilitação de herdeiros requerendo fosse o Estado Português habilitado no lugar do executado falecido.
2- Em 29/11/2021 foi proferida no incidente de habilitação de herdeiros decisão que declarou o Estado Português habilitado autos de execução em substituição do executado (…).
3- Mesmo admitindo, o que não é ocaso, a admissibilidade da habilitação do Estado, enquanto sucessível, para prosseguir nos autos no lugar do executado falecido, em sede de incidente de habilitação de herdeiros, não é possível concluir nos mesmos pela inexistência de outros sucessíveis, sendo que o Estado apenas é chamado à herança na falta de cônjuge e de todos os parentes sucessíveis (artigo 2152.º do Código Civil).
4- O reconhecimento da posição de herdeiro do Estado tem lugar em processo próprio, no processo especial previsto nos artigos 938.º a 940.º do Código de Processo Civil, não ocorrendo de forma automática a vacatura da herança para o Estado.
5- É necessária uma sentença que declare a herança vaga para o Estado, nos termos das leis de processo, reconhecida que for judicialmente, a inexistência de sucessíveis que lhe prefiram (artigo 2155.º do Código Civil), o que se prende com a necessidade de acautelar a existência de herdeiros desconhecidos que prefiram ao Estado.
6- Ou seja, o Estado só sucede, e só passará a ser herdeiro do executado falecido após declaração de herança vaga, no âmbito do processo especial referido.
7- Até esse momento, a herança aberta por óbito do executado encontra-se jacente, uma vez que não foi aceite, e nem ainda declarada vaga para o Estado (artigo 2046.° do Código Civil).
8- Ao ser requerida a habilitação do Estado em incidente judicial de habilitação de herdeiros, foi utilizado um meio processual inadequado, verificando-se erro na forma do processo de conhecimento oficioso – artigos 193.°, n.º 2, 196.º, 546.°, n.º 2, 938.° a 940.° do Código de Processo Civil.
9- Deveria assim o Estado Português ter sido absolvido da instância, nos termos do disposto nos artigos 577.°, alínea b), 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, por se verificar uma excepção dilatória inominada.
10-Violou a decisão recorrida o disposto nos artigos 2155° do Código Civil, 193°, nº 1, 196, 546º, nº 2, 351°, nºs 1 e 2, 938º a 940, 576°, nºs 1 e 2, 5779 al. b), 578° e 278°, n.º 1, al. e), todos do Código de Processo Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que absolva o Estado Português da instância.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar se o Estado Português pode, no âmbito do presente incidente de habilitação, ser considerado sucessor do executado falecido.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
2. Fundamentos
2.1. Decisão de facto
A 1.ª instância considerou provados os factos seguintes:
1. (…) intentou no dia 26 de Outubro de 2016 contra (…), acção executiva sob a forma de processo comum, a qual corre termos neste Juízo de Execução de Loulé do Tribunal Judicial da Comarca de Faro sob o n.º 3297/16.0TT8LLE;
2. O executado (…) faleceu no dia 02 de Dezembro de 2010, no estado de divorciado de (…);
3. Foi elaborado o escrito que faz fls. no essencial com o seguinte teor “Conservatória do Registo Civil de Amadora. Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros e Registos. Habilitação de Herdeiros n.º …/2011. Autor da Herança, (…), nascido a 28 de Agosto de 1946, falecido no estado de Divorciado (…) com última residência habitual em Rua da (…), Edifício (…) – Apartamento n. (…), 2.º-D, (…), Loulé, com o NIF (…). Cabeça-de-casal e Herdeiro, (…), de 41 anos de idade (…) no estado de solteiro, natural de República de Moçambique, filho de (…) e de (…); Herdeiro, (…), de 36 anos de idade (…) no estado de solteiro, natural de freguesia de São Jorge de Arroios, concelho de Lisboa, filho de (…) e de (…). Presente: O cabeça-de-casal acima identificado. Declarações prestadas pelo cabeça-de-casal. O autor da herança, faleceu no dia 2 de Dezembro de 2010, na freguesia de Campo Grande, concelho de Lisboa. O autor da herança não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade. Declarados herdeiros do falecido: Filho: (…) e Filho: (…). Que não há quem lhes prefira ou com eles possa concorrer na sucessão. O cabeça de casal foi advertido de que incorre nas penas aplicáveis ao crime de falsidade de depoimento ou declaração se,...
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