ACÓRDÃO N.º 329/2020
Processo n.º 1147/18
3.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrente a Autoridade Tributária e Aduaneira e recorrida A., Lda., a primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), da decisão daquele Tribunal de 19 de novembro de 2018 (de fls. 3 a 20), na parte em que se decidiu que «o segmento da regra que se extrai do art. 93º, nº 5, do CIEC [Código dos Impostos Especiais de Consumo], no sentido de impor ao proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público o pagamento de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado por omissão da violação de registo no sistema eletrónico de controlo ou de faturação em nome do titular de cartão, independentemente das vendas terem sido efetuadas a pessoas com direito ao benefício fiscal e mesmo que feitas a estas, é inconstitucional por violação do princípio da tipicidade dos tipos sancionatórios inerente ao princípio do Estado de Direito democrático, do princípio ne bis in idem e, ainda, do princípio da proibição do excesso» e consequentemente recusou a aplicação da norma (cf. fls. 17-verso e 18).
2. O requerimento de interposição de recurso tem o seguinte teor (cf. fls. 23-24):
«A Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada do douto acórdão arbitral, por e-mail datado de 19/11/2018, proferido no processo que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa sob o nº 58/2018-T, o qual julgou parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado por A., Lda, NIPC ……, não se conformando, estando em tempo e tendo legitimidade, vem dele interpor
RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
ao abrigo do artigo 280.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa (CRP), dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), 72º, nº 1, alínea b), 75º, 75.º-A e 76.º, n.º 1 da Lei n.º 28/82, de 15.11 (LTC) e do artigo 25.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 21.01 (RJAT), o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. Previamente cumpre referir que o presente recurso é apresentado junto do tribunal recorrido, porquanto, não obstante o disposto no artigo 25.º, n.º 4 do RJAT, determina-se no artigo 76.º, n.º 1 da LTC (lei de valor reforçado nos termos do artigo 212.º, n.º 3 da CRP) que o recurso para o Tribunal Constitucional deve ser interposto perante o tribunal que tiver proferido a decisão recorrida, cabendo a este apreciar a admissão do mesmo (cf. diversos acórdãos do Tribunal Constitucional, vg, n.ºs 42/2014, nº 262/2015 e nº 112/2016).
2. Posto isto, visa-se através do presente recurso, interposto nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a fiscalização concreta da constitucionalidade da norma contida no nº 3 do artigo 95.º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC).
3. A questão da inconstitucionalidade foi suscitada oficiosamente pelo meritíssimo árbitro nos autos em referência, e foi contraditada pela então Requerida, ora Recorrente, vindo a ser decidida pelo Tribunal Arbitral, que julgou parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, considerando que a liquidação "que respeita às vendas referentes ao gasóleo colorido e marcado registadas no sistema eletrónico de controlo em nome de titulares de cartão mas faturadas a "consumidor final", bem como as vendas faturadas a titulares de cartão sem que a Requerente tenha procedido ao registo dessas vendas no sistema eletrónico de controlo” se encontra ferida de ilegalidade, com fundamento em inconstitucionalidade.
4. Com efeito, o douto acórdão arbitral proferido julgou, designadamente:
“[...] nos casos subsumíveis ao art. 93.º, nº 5, do CIEC, em que apesar da violação de obrigações formais, a venda do gasóleo colorido e marcado seja feita a quem é titular do direito à sua aquisição, o efeito positivo da norma a favor da justiça fiscal, a existir, é manifestamente inferior aos efeitos negativos.
Na verdade, ainda que numa perspetiva de prevenção, o rigorismo da norma possa contribuir para a consecução do objetivo que lhe está subjacente, compelindo os operadores à observação das formalidades e nesse medida contribuir para um ambiente de rigor, propiciador a que a venda do produto em causa seja efetuada apenas aos titulares do beneficio fiscal, nestes casos em que o evento lesivo que se pretende evitar não ocorre, o efeito positivo da norma é manifestamente inferior ao efeito negativo, pois este traduz-se no pagamento duma importância na aparência a titulo de imposto mas que, na realidade, é uma sanção punitiva, consequentemente lesiva da justiça fiscal e dos princípios materiais da tributação, excedendo claramente a margem de livre conformação do legislador.
Acresce que a sanção contraordenacional, que prossegue idênticas finalidades, será já um elemento indutor da observação das formalidades, diminuindo, por isso, o efeito da norma em causa nesta vertente.
Conclui-se, por isso, numa ponderação dos efeitos positivos e negativos da norma, face ao sub-princípio da racionalidade ou proporcionalidade em sentido estrito, que os positivos são manifestamente inferiores aos positivos pelo que, não pode deixar de se considerar violado, também, o princípio constitucional da proibição do excesso.
[…] Assim, considera-se o segmento da regra que se extrai do art. 93.º, nº 5, do CIEC, no sentido de impor ao proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público o pagamento de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gas61eo colorido e marcado por omissão da violação de registo no sistema eletrónico de controlo ou de faturação em nome do titular de cartão, independentemente das vendas terem sido efetuadas a pessoas com direito ao benefício fiscal e mesmo que feitas a estas, é inconstitucional por violação do princípio da tipicidade dos tipos sancionatórios inerente ao princípio do Estado de Direito democrático, do princípio ne bis in idem e ainda do princípio da proibição do excesso pelo que, nesta vertente, não pode deixar de ser desaplicada, nos termos do artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa" - cfr. págs. 29, 30 e 31.
5. Contudo, salvo melhor opinião, andou mal Tribunal ao decidir assim, porquanto o nº 3 do artigo 95.º do CIEC não ofende qualquer princípio constitucional, vg, o principio da tipicidade dos tipos sancionatórios, o princípio ne bis in idem ou o princípio da proporcionalidade.
6. Por fim, requer-se que seja ordenada a remessa para o Tribunal ad quem de cópia do processo arbitral, com a consequente dispensa da apresentação de cópia do processo arbitral, prevista no nº 4 do art. 25º do RJAT.
7. Nestes termos, conclui-se, peticionando-se a admissão do presente recurso contra o acórdão arbitral proferido nos autos em...