Acórdão nº 329/05.1TCSNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 05-07-2012

Data de Julgamento05 Julho 2012
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão329/05.1TCSNT.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA e mulher, BB, CC e mulher, DD, EE e mulher, FF, GG e mulher, HH, II e mulher, JJ, KK e mulher, LL, MM e mulher, NN, OO e mulher, PP, QQ e mulher, RR, SS e mulher, TT, e UU e mulher, VV, intentaram acção declarativa, com processo ordinário, contra XX e mulher, ZZ, pedindo que sejam reconhecidos como donos e legítimos proprietários do prédio rústico sito nos limites de G................, concelho de Sintra, denominado “T.......” ou “V.......”, com a área de 15.700 m2, e a condenação dos Réus a entregarem o mesmo prédio, bem como as construções que edificaram no mesmo, livre e devoluto de pessoas e bens.

Alegaram, em síntese, serem donos e legítimos possuidores do identificado prédio, inscrito na matriz cadastral sob o artº 66-K e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº 0000; que os Réus foram comproprietários do mesmo prédio na proporção de 1.316/15.800 avos, tendo ocupado uma parcela de terreno correspondente a tais avos e nela tendo procedido à edificação de construções; que - no âmbito de uma execução - a quota-parte dos RR. no imóvel indiviso foi adquirida por MM, OO e AAA, tendo este vendido posteriormente 1/3 de tais avos a SS e UU – sendo que os Réus até à presente data nunca procederam à entrega aos Autores da parcela de terreno indevidamente ocupada.

Contestaram os Réus, por impugnação, pedindo a sua absolvição do pedido; e, por via de reconvenção, caso a acção seja julgada procedente, no que respeita às benfeitorias realizadas pelos Réus, serem os Autores condenados a pagar-lhes, a título de indemnização por essas benfeitorias, a quantia de €69.884,59 , devendo ser reconhecido, até ao recebimento dessa quantia, o direito de retenção sobre o prédio em litígio; pedem ainda subsidiariamente, para o caso de se entender que as referidas obras se não enquadram no conceito de benfeitorias, que os Réus sejam reconhecidos donos da citada parcela de terreno, por a terem adquirido por acessão industrial imobiliária, alegando, em síntese:

- o prédio rústico em causa integra-se numa Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI), denominada Bairro Novo de Godigana, relativamente à qual decorre um processo de reconversão urbanística, com vista à legalização desse “loteamento clandestino”, faltando emitir o alvará de loteamento;

- em 1981 adquiriram 1.316/15.800 avos do prédio rústico em causa e, por se tratar de compropriedade, cada um dos comproprietários passou a ocupar uma parcela do terreno na proporção dos avos de que era proprietário;

- em 1986 aí construíram, de boa fé, uma moradia unifamiliar e um armazém, sendo que neste momento estão implantadas em terreno alheio, pelo que deverão ser consideradas benfeitorias:

- actualmente a moradia e armazém valem € 199,519,15.

Responderam os Autores, pronunciando-se pela improcedência da reconvenção.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença :

-julgando a acção procedente e reconhecido o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio identificado, com todas as construções nele edificadas, condenando os Réus a restituírem, de imediato, aos Autores, o referido prédio e as construções nele edificadas, que vêm ocupando, livre de pessoas e bens.

- e julgando procedente a reconvenção, condenando os Autores/Reconvindos no pagamento aos Réus/Reconvintes do montante de € 51.117,00, reconhecendo-se aos Réus o direito de retenção sobre o prédio em litígio até ao recebimento da referida importância, nos termos do art. 754º do CC.

Desta sentença vieram os Autores/Reconvindos interpor recurso de apelação, relativamente à parcela decisória que julgou a reconvenção procedente, tendo a Relação concedido provimento ao recurso.

Começando por se pronunciar sobre a aplicabilidade ao presente litígio do regime estatuído no art. 1273º do CC, considerou , nomeadamente o acórdão recorrido:

Ora, a verdade é que está apurado que o prédio rústico em causa integra-se numa Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI), denominada Bairro Novo de Godigana, relativamente ao qual decorre processo de reconversão urbanística, com operação de loteamento da iniciativa dos proprietários com a criação de 15 lotes.

E mais se provou que não foi emitido alvará de loteamento e as construções edificadas, em particular, as edificadas pelos Réus, foram-no sem licença ou autorização da Câmara Municipal de Sintra. E, por decisão do Vereador da Câmara Municipal de Sintra, de 7 de junho de 2004, foi ordenada a notificação para proceder à demolição das obras efetuadas e embargadas a 13 de fevereiro do mesmo ano, sob pena de demolição coerciva.

Assim sendo, e porque a presente ação foi proposta em 17/2/2005, ou seja, cerca de 8 meses após essa ordem de demolição, evidente se torna não terem aumentado o valor do prédio rústico, sendo muito provável a sua demolição. E, se assim é, não podem também os Réus afirmar que a construção ilegal da moradia e armazém acrescentaram valor ao dito prédio rústico. Ou, pelos menos, não alegaram e demonstraram que apesar da sua ilegal construção é seguro que virão a ser legalizadas e não demolidas.

De acordo com o estabelecido no art.º 473º, nº 1, C. Civil, "Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou", acrescentando o nº 2, que "a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que foi indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou".

Daí que também não se possa falar de enriquecimento sem causa, visto não estar demonstrada a suscetibilidade do levantamento/demolição dessas benfeitorias sem detrimento da coisa (terreno), faltando os requisitos do empobrecimento dos Réus e do correspetivo enriquecimento dos Autores, desde logo pela elevada probabilidade da sua demolição, como se disse.

Passando de seguida a abordar as consequências jurídicas da venda em acção executiva do direito dos RR no imóvel indiviso, considerou a Relação:

Finalmente, importa referir ainda que ficou provado que os Réus foram titulares de l.316/15.800 avos do referido prédio. E, por acordo entre todos os anteriores comproprietários, cada um deles passou a ocupar uma parcela de terreno correspondente à proporção dos avos cuja aquisição tinha inscrita a seu favor. No âmbito de tal acordo, os ora Réus ocuparam uma parcela de terreno e construíram nela uma moradia unifamiliar de rés do chão, destinada a habitação com três assoalhadas, cozinha, casa de banho e dois terraços, com a área coberta de 100 m2, e construíram ainda um armazém com a área coberta de 300 m2, construção essa, de acordo com a versão dos Réus, terá acontecido em 1986.

Porém, os l.316/15.800 avos, de que os Réus eram donos, foram adquiridos em hasta pública, por MM, OO e AAA pelo valor de Esc.: 7.001.000$00 no processo de execução nº 000000000 que correu termos na 9ª Vara Cível de Lisboa, sendo essa aquisição inscrita na Conservatória do Registo Predial através da Ap. 000000000.

E, posteriormente, AAA vendeu 1/3 dos referidos l.316/15.800 avos a SS e UU.

E decorre dos factos assentes que as construções realizadas pelos Réus no dito prédio rústico são anteriores à venda dos avos em hasta publica, pelo que, com a referida venda, as mesmas passaram a ser propriedade dos adquirentes.

Assim sendo, pela aquisição em hasta pública desse direito, em 26 de julho de 2000, transmitiu-se igualmente o eventual direito à indemnização pelas benfeitorias, ou seja, pela transferência desse direito, com base no qual os Réus edificaram, transmitido foi o direito às benfeitorias, por força do disposto no art.º 824º do C. Civil, que prescreve: “A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida”.

Donde, os Réus não teriam o direito à indemnização pelas benfeitorias, porque já não são titulares de direito de crédito.

Ademais, os Réus efetuaram as referidas construções na qualidade de comproprietários do prédio rústico em causa, sendo a sua quota de l.316/15.800 avos, ocupando parcela de terreno correspondente, pelo que eram possuidores em nome próprio, sendo comproprietário em relação a todo o prédio. E assim sendo, o comproprietário tem a posse exclusiva da sua quota e participa nas vantagens e encargos da coisa, na proporção da sua quota – art.ºs 1405/1 e 1406.º do C. Civil.

Ora, o direito à indemnização por benfeitorias a que alude o art.º 1273.º do C. Civil, exige, como pressuposto, que aquele que a reclama tenha uma posse em nome próprio que cede perante o direito sobre a coisa, maxime o proprietário ( Acs. do S. T.J. de 28/5/2002, Proc. 0000443 e de 6/2/2007, Proc. 06A4036, in www.dgsi.pt/jstj.

E a verdade é que os Réus atuaram na qualidade de comproprietários sobre o prédio rústico, sendo a respetiva posse correspondente a esse direito, ou seja, a sua posse foi exercida de forma correspondente ao exercício do direito real de propriedade, de que era também contitular, não se tratando de uma construção em terreno alheio.

O direito à indemnização por benfeitorias previsto no citado art.º 1273.º do C. Civil, tem como pressuposto que quem as realizou ( o possuidor em nome próprio) não seja também o titular do direito real correspondente. Quem constrói naquilo que é seu não pode invocar o direito de indemnização por benfeitorias.

E transmitindo, como transmitiram, em 26 de julho de 2000, essa quota parte no prédio rústico comum, transmitiram não só esse direito, mas também todos os demais inerentes a esse exercício, não obstante, até à presente data, e apesar de interpelados para o efeito, continuarem a ocupar a parcela de terreno em causa, recusando-se a entregá-la.

Com efeito, “Se...

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