Acórdão nº 326-C/2002.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14-05-2015

Data de Julgamento14 Maio 2015
Número Acordão326-C/2002.E1
Ano2015
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO

Por apenso à acção declarativa sob a forma de processo ordinário que BB interpôs contra CC, DD e EE, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão com o nº. 326/2001, vieram os Réus, ao abrigo do disposto no artº. 771°, al. f) do Código de Processo Civil, na versão anterior à Lei nº. 41/2013 de 26/6, interpor recurso de revisão da sentença proferida naqueles autos, transitada em julgado em 17 de Outubro de 2011, que julgou procedente a impugnação da doação de metade indivisa de um prédio urbano sito em Q..., freguesia de QF..., concelho de Olhão, pertença da Ré CC, feita por esta a favor de sua filha EE, julgando-a ineficaz em relação à A. BB, determinando que o direito doado fosse restituído à medida do crédito da Autora, podendo esta executá-lo na medida da satisfação do seu crédito, alegando, em síntese, que CC apresentou no Tribunal de Comarca de Ravensburgo, na Alemanha, em 29/03/2005, um requerimento de instauração de processo de insolvência de pessoa singular, no qual foi relacionado o crédito da Autora, no montante de € 425 547, 50 com juros contabilizados até 31/12/2004, e do qual constava um plano de perdão da dívida apresentado pela insolvente CC.

Notificados os credores do requerimento, a maioria não aceitou o plano de perdão da dívida, neles se incluindo a A. BB, tendo sido proferido despacho, em 10/06/2005, a convidar os credores a reclamarem os seus créditos junto do Administrador da Insolvência até 1/07/2005, no qual o Tribunal da Insolvência estipulou o dia 12/07/2005 para apreciação das reclamações de créditos apresentadas pelos credores de CC.

A A. reclamou o seu crédito no âmbito do aludido processo de insolvência.

Na audiência de julgamento realizada em 24/11/2005 no Tribunal de Insolvência de Ravensburgo, a A. apresentou um requerimento para que fosse negado o perdão da dívida a favor de CC, que foi indeferido por despacho judicial proferido em 13/12/2005.

Em 11/01/2006 e 20/01/2006, o Tribunal de Insolvência proferiu despachos dos quais resulta a concessão do perdão da dívida a CC e que a fase de boa conduta de seis anos teria início em 10 de Junho de 2006.

Em 15/07/2011, a A. BB apresentou um requerimento no tribunal alemão onde constava a informação de que a sentença proferida em Portugal contra a insolvente CC, no âmbito do presente processo, ainda não tinha transitado em julgado, sendo que o Tribunal de Insolvência alemão decidiu em 16/09/2011 conceder o perdão da dívida decorrido o prazo de 6 anos, não tendo aquela decisão sido objecto de recurso pela A., para além de que a decisão do tribunal alemão é anterior à que viria a ser proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça Português.

Referem, ainda, que a Ré CC, desde 16 de Setembro de 2011, face ao perdão de dívida concedido, ficou exonerada de todo o passivo em dívida, pois que o despacho proferido nessa data abrange todas as dívidas relacionadas e reclamadas no âmbito do supra mencionado processo de insolvência e que inclui a dívida que a Ré CC tinha para com a A., tanto mais que a A. interveio activamente naquele processo e não apresentou qualquer requerimento contra a abertura do processo de “perdão da dívida da insolvente”, nem apresentou qualquer recurso contra o despacho de 16/09/2011, daí resultando que a doação em causa nos autos deixa de poder ser impugnada, por ter havido exoneração da dívida que a insolvente tinha para com a Autora - logo é válida e eficaz em relação à Autora.

Concluem, pedindo que o presente recurso de revisão seja admitido e revogada a decisão proferida no processo principal.

Notificada a Autora, a mesma veio pugnar pela improcedência do recurso de revisão, alegando que os RR. apenas divulgam uma parte do processo de insolvência que correu termos no Tribunal Alemão, omitindo deliberadamente peças essenciais do mesmo que põem em crise os fundamentos do presente recurso.

Refere, pois, que em 27/06/2005, no âmbito do processo de insolvência alemão, invocou o direito de separação com base no artigo 30° do Código da Insolvência Alemão, com vista a separar o bem em causa nos autos para fora da Massa Insolvente, o que foi aceite pelo Administrador da Insolvência no seu relatório final, resultando de forma inequívoca a possibilidade da Autora poder pugnar pelo pagamento em separado, ou seja, fora do processo de insolvência, excluindo-se, no entanto, de participar na eventual distribuição final ou distribuição durante o período de boa conduta a ocorrer no processo de insolvência.

Em 21 de Novembro de 2005, a Autora enviou requerimento ao Tribunal Alemão no qual consta como valor do direito de separação a quantia de € 160 000,00, sendo que o valor atribuído ao direito de separação em 14 de Março de 2002 foi de € 331 940,67.

Ora, uma vez que se trata de um processo de insolvência de pessoa singular, nos termos do disposto no artº. 313° do Código da Insolvência Alemão, cabe ao credor, neste caso a Autora, o direito de liquidação relativo às quantias requeridas e sindicadas no processo de insolvência.

Uma vez que dúvidas não restam quanto ao reconhecimento e aceitação do direito de separação invocado pela recorrida, importa saber se o perdão de dívida concedido à recorrente CC, se impõe relativamente a esse direito de separação, exonerando a devedora também deste passivo e impossibilitando o credor de satisfazer o seu crédito através do património da devedora, neste caso dos seus bens sitos em Portugal.

Acrescenta, ainda, que no caso em apreço, a ora recorrida tem registado a seu favor um arresto sobre o prédio dos recorrentes, sito em Portugal e sobre o qual versa a sentença que ora se pretende ver revogada, tendo a existência deste direito real de garantia sobre o bem em causa também servido de fundamento ao direito de separação invocado pela ora recorrida, para além de que os credores com garantia no património do devedor podem executar o seu direito de crédito após a entrada em vigor do perdão de dívida e a imposição do direito de separação segue os trâmites da lei alemã independentemente do perdão da dívida.

Os credores detentores dum direito de garantia, ou dum direito adquirido no processo de insolvência proveniente dum acordo de separação, não são afectados pelo perdão de dívida.

Ainda assim, para que dúvidas não restassem sobre o direito da recorrida quanto à possibilidade de executar os seus bens, para satisfação do crédito que detém sobre CC, independentemente do perdão de dívida que lhe foi concedido, a recorrida requereu junto do Tribunal de Ravensburg, nos autos de insolvência, a confirmação/homologação do seu direito enquanto credora privilegiada e possuidora dum direito real de garantia sobre os bens da devedora insolvente.

Em 27 de Março de 2012, o Tribunal emitiu o despacho de confirmação do qual consta que:

- os direitos ao estatuto de credor privilegiado não são afectados pelo perdão de dívida concedido a CC e poderão continuar a ser invocados;

- os direitos de garantia sobre os bens imóveis mantêm-se a favor do credor após o perdão da dívida, podendo este prosseguir a sua execução;

- a receita proveniente da liquidação poderá ser objecto de compensação da dívida apurada no decurso do processo de insolvência;

- a qualidade de credor privilegiado da BB, com direito separado no que respeita à propriedade em Portugal, foi estipulada pelo Administrador da Insolvência e figura na respectiva tabela de insolvência sob o nº. 8.

Do supra exposto resulta que o perdão de dívida concedido não exonera a recorrente CC do pagamento da quantia em dívida (passivo), que respeita ao direito de separação invocado, reconhecido e aceite no âmbito da insolvência, podendo a recorrida prosseguir acção de execução tendente à satisfação do seu crédito, através da penhora do bem imóvel sito em Portugal, propriedade da recorrente CC, o que determina que a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Olhão, transitada em julgado, em nada é afectada pela decisão proferida pelo Tribunal de Ravensburg quanto à concessão do perdão de dívida à Ré CC, nem os pressupostos que determinaram a decisão proferida em Portugal se alteraram por virtude da decisão do Tribunal Alemão, uma vez que nunca ocorreu a exoneração da dívida para com a recorrida na parte respeitante ao direito de separação invocado.

Conclui, defendendo que a decisão proferida pelo Tribunal Português não é contrária à decisão proferida pelo Tribunal Alemão e apresentada pelos recorrentes no presente recurso de revisão, pelo que não tem aplicação no caso “sub judice” o disposto na al. g) do artº. 771º do Código Processo Civil, na redacção introduzida pelo DL 329-A/95 de 12 de Dezembro, carecendo o recurso de fundamento legal.

As partes juntaram aos autos pareceres nos termos do disposto no artº. 525º do Código de Processo Civil e pronunciaram-se sobre os mesmos.

Em 21 de Junho de 2013, foi proferida sentença que julgou improcedente, por não se verificarem os respectivos pressupostos legais, o recurso de revisão da decisão do processo nº. 326/2000 do 2° Juízo do Tribunal Judicial de Olhão da Restauração interposto por CC, DD e EE contra BB.

Inconformados com tal decisão, os RR. dela interpuseram recurso (fls. 341 a 343), o qual foi admitido por despacho de fls. 344, como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações que oportunamente apresentaram, os recorrentes pugnaram pela procedência do recurso de revisão e consequente revogação da decisão recorrida, formulando, para tanto, as seguintes conclusões [transcrição]:

«1º - A ora recorrente interpôs recurso de revisão fundamentando a existência de uma decisão proferida por um Tribunal Alemão que, na sequência da sua declaração de insolvência apresentada a 29 de Março de 2005, na qual foi relacionado o crédito da recorrida/autora no montante de €...

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