Acórdão nº 325/19.1PAESP.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 26-01-2022

Data de Julgamento26 Janeiro 2022
Ano2022
Número Acordão325/19.1PAESP.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 325/19.1PAESP.P1
Data do acórdão: 26 de Janeiro de 2022

Desembargador relator: Jorge M. Langweg
Desembargadora adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa

Sumário:
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Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto,
em conferência e por unanimidade,

nos presentes autos em que figura como recorrente o arguido AA…;

I – RELATÓRIO

1. Em 14 de Julho de 2021 foi proferido nos presentes autos o acórdão proferido na primeira instância que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido:
«Pelo exposto, por maioria, os juízes que constituem o Tribunal Colectivo:
- Condenam o arguido AA… da prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 171.º n.º1 e 177.º n.º 1 alínea b) do Código Penal, na na redacção Lei nº103/2015 de 24/8, numa pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, sujeita a regime de prova, com acompanhamento técnico pela DGRS, que promova a efectiva interiorização do desvalor da conduta e a atribuição interna de responsabilidade comportamental e de respeito pelas normas jurídicas, que implicará a avaliação clínica/terapêutica especializada para diagnosticar eventuais necessidades de intervenção no âmbito da desviância sexual - art. 53º, nº4, 54º, nº4 do Código Penal – absolvendo-o da agravante prevista no art. 177º, nº1 c) do Código Penal, introduzida pela Lei n.º 101/2019, de 06 de Setembro.
- Condenam o arguido nas penas acessórias de proibição do exercício de funções, proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidades parentais, previstas nos arts. 69º-B, nº 2 e 69º-C, nºs 2, 3 e 4, todos do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei 103/2015, de 24/8, por um período de 5 (cinco) anos.
- Julgam parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por BB…, representada pelo seu pai CC… e em consequência condenam o arguido / demandado AA… a pagar a quantia de €1000,00 (mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a presente decisão.
- Condenam o arguido no pagamento das custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC, sem prejuízo do apoio judiciário que possa beneficiar - arts. 3º, nº1, 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, por referência à Tabela III anexa a este Regulamento.
- Sem custas cíveis em face da isenção prevista no art. 4º, nº 1 n) do RCP.
(…)»

2. Inconformado com a sua condenação, o arguido interpôs recurso do acórdão, terminando a motivação de recurso com a formulação das conclusões seguidamente reproduzidas:
"1ª Na decisão recorrida mostra-se violado o princípio da livre apreciação e, consequentemente, o princípio do in dubio pro reo;
2.ª O voto vencido é a forma mais evidente de caracterização da dúvida judicial, sendo que, no caso, quanto à factualidade pela qual o Recorrente foi condenado;
3.ª Se essa dúvida é favorável ao arguido, pela regra de decisão fundada em preceitos constitucionais, em especial o «in dubio pro reo», é este que deve prevalecer, devendo sucumbir a regra “matemática” da maioria que faz vencimento e a que aludem os n.os 1 e 2 do art.º 372.º do CPP.
4.ª Existe contradição insanável na decisão recorrida nos factos provados sob os n.os 8 e 17;
5.ª Com exceção do facto provado em 8., para o qual terá, de acordo com a decisão recorrida, contribuido o “acordo de promoção e protecção de fls. 138” e o “teor do auto de denúncia de fls. 7 e ss e 101 e ss”, não resulta claro da motivação, pela forma ampla e genérica como se apresenta, omitindo de que forma a “restante prova produzida” permitiu a demonstração da matéria provada em 17;
6.ª O que redunda na nulidade da sentença, por falta de exame crítico das provas, ao abrigo dos arts. 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 al. a), ambos do CPP;
7.ª Deverão considerar-se como incorrectamente julgados os pontos 11 a 16, 17 (na parte onde se refere «perante isso»), 19 a 21 e 58 a 62 dados como provados pelo Acórdão recorrido, devendo ser julgados em sentido diametralmente oposto, ou seja, como não provados, proferindo-se decisão jurídica em conformidade;
8.ª A matriz utilizada pelo Tribunal recorrido foram das declarações da ofendida e tudo o que se encaixou nas mesmas mereceu credibilidade e tudo o que não se encaixou não mereceu credibilidade, não tendo assim existido uma verdadeiro “exame crítico” das provas;
9.ª O Tribunal recorrido fez uma valoração da prova pouco fundamentada, pouco coerente, absolutamente discricionária e nada vinculada aos princípios jurídicos que a deverão nortear, seguindo a lógica de que tudo o que é dito pela ofendida corresponde à verdade e tudo o mais não merece credibilidade;
10.ª A aplicação automática das penas acessórias previstas nos artigos 69.º-B e 69.ºC e aplicadas ao recorrente é inconstitucional por violação do disposto no artigo 30.º n.º 4 da CRP, nomeadamente no entendimento de que a pena acessória prevista no n.º 3 do art.º 69.º-C do CP afeta a relação de parentalidade do Recorrente com a sua filha HH… que nada tem a ver com os factos em discussão nos autos;
11.ª Sempre com o devido e merecido respeito, acentuamos a discordância com a condenação do Recorrente enquanto autor material da prática de um crime de abuso sexual agravado p. e p. pelos arts. 171.°, n° 1 e 177.°, n.° 1 al. b), do CP;
12.ª O Recorrente sempre afirmou que tudo o que consta da Acusação é falso e sobre o crime que vem condenado, sempre negou e afirmou veementemente e sem qualquer hesitação que eram falsos os factos ali alegados;
13.ª Inexistem quaisquer provas físicas e/ou corporais da prática dos factos;
14.ª São contraditórias as declarações prestadas pela ofendida em declarações para memória futura - depoimento prestado no dia 09.09.2019 - ata de declarações para memória futura de - identificação do ficheiro áudio: 20190909145935_3878865_2870289 – 36mns:42sgs e na audiência de discussão e julgamento - depoimento prestado no dia 29.06.2021 - ata de declarações para memória futura - identificação do ficheiro áudio: 20210629145010_4037454_2870450 – 01h:07mns:30sgs;
15.ª A decisão recorrida não faz qualquer exame crítico do relatório pericial, redundando assim numa nulidade da sentença;
16.ª A própria Perita admitiu em audiência de julgamento que não ouviu a progenitora quanto á matéria e caso o tivesse feito, os resultados poderiam ser diferentes - depoimento prestado no dia 02.06.2021 — cfr. ata da audiência de julgamento do dia 02/06/2021 — identificação do ficheiro áudio: 20210602111559_4037454_2870450 – 32mns:53sgs - minutos 1:40-3:40; 005:30-06:30; 07:00-09:40; 28:35-30:05;
17.ª Admite o Relatório a hipótese de a suposta vítima ter relatado à Ex.ª Perita exatamente o que esta «queria ouvir»;
18.ª Da perícia realizada não resulta que os factos efetivamente ocorreram na forma como vem descrita na decisão recorrida, nem muito menos permite que se conclua que foi o Recorrente quem supostamente os praticou;
19.ª O relatório bastou-se somente com a versão da vítima, que não é corroborada por qualquer elemento de prova que vá no mesmo sentido;
20.ª Quanto ao depoimento da testemunha DD…, convém ter presente também o Doc. de fls. 139 porquanto é neste que é supostamente relatado o teor de uma suposta conversa havida entre a ofendida com a referida testemunha, o que a testemunha, de forma absolutamente sincera e espontânea, designadamente quando confrontada na audiência de julgamento no dia 22/06/2021 com o aludido documento, negou que alguma vez tivesse ocorrido da forma descrita - depoimento prestado no dia 22.06.2021 — cfr. ata da audiência de julgamento do dia 22/06/2021 — identificação do ficheiro áudio: 20210622160110_4037454_2870450 – 42mns:38sgs - minutos 0:160:31; 02:55-06:50; 07:30-11:56;
21.ª Confunde o Tribunal recorrido o que é «convicção» com «exaltação»;
22.ª Revelou o Tribunal Recorrido, uma flagrante apreciação viciosa com respeito ás declarações prestadas por esta testemunha;
23.ª A credibilidade do depoimento da ofendida é, ainda, abalada pelo facto de esta mentir quanto ao conteúdo do Doc. de fls. 147 ao admitir que um dos parágrafos é da sua autoria, a assinatura ser sua, reconhecer a letra;
24.ª Não sendo nem versosímel ou sequer verdadeira a versão apresentada pela ofendida quanto ao documento em causa;
25.ª É evidente que todo o Doc. de fls. 147 foi escrito pelo seu punho, mas, dado que o conteúdo do mesmo é suscetível de minar a sua credibilidade, a ofendida, atenta as suas características de personalidade - desejabilidade social - preferiu mentir e dizer que não se lembrava;
26.ª Da mesma forma, não nos merece razão o fundamento invocado na decisão recorrida para não dar relevância ao documento em si, designadamente para efeitos da credibilidade da suposta vítima porquanto a expressão constante do documento de fls. 147 com o teor “eu vou tomar uma decisão este ano” é em tudo semelhante com a mensagem “EE…, é hoje que decido se vou para o meu pai ou não” recebida pela testemunha EE… e que a ofendida lhe terá enviado no dia em que o seu pai a retirou de casa da mãe conforme depoimento prestado por esta no dia 02.06.2021 — cfr. ata da audiência de julgamento do dia 02/06/2021 — identificação do ficheiro áudio: 2021062122351_4037454_2870450 - minuto – 04:45 a 06:10;
27.ª Optando o tribunal por desconsiderar a importância desta prova e do seu conteúdo, o que fez sempre em desfavor do arguido;
28.ª Destaca-se o facto de os depoimentos das testemunhas EE… - depoimento prestado no dia 02.06.2021 — cfr. ata da audiência de julgamento do dia 02/06/2021 — identificação do ficheiro áudio: 2021062122351_4037454_2870450 -37mn:15sgs, de CC… - depoimento prestado no dia 02.06.2021 — cfr. ata da audiência de julgamento do dia 02/06/2021 — identificação do ficheiro áudio:
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