Acórdão nº 3230/19.8T8STB.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 28-06-2023

Data de Julgamento28 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão3230/19.8T8STB.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório


1.1.AAA por si e, em representação legal de seu filho menor, BBB e CCC, menor, representado pela sua mãeDDD, intentaram com petições iniciais autónomas a presente acção declarativa de condenação, com processo especial, emergente de Acidente de Trabalho contra:
BESTFRIGER-Sistemas de Refrigeração Comercial e Industrial, Lda. e AGEAS Portugal – Companhia de Seguros de Vida, S.A.

Os dois primeiros AA. pediram a condenação das RR. no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a título de: a. dano morte, na quantia de 90.000,00€; b. sofrimento da vítima, na quantia de 30.000,00€; c. danos morais à 1.ª A na quantia de 40.000,00€; d. danos morais ao 2.º A na quantia de 20.000,00€, e. danos futuros, a quantia de 162.089,40 € a cada um dos AA; e f. a condenação das RR a pagar aos AA pensão por morte do sinistrado, e à 1.ª A. subsídios de morte e por despesas do funeral.

Por seu turno, o terceiro A. pediu na sua petição inicial a condenação: a. das RR. seguradora e empregadora (esta no montante da retribuição já assumida por ela e não transferida para a entidade seguradora) a pagar-lhe uma pensão por morte do seu pai; b. da R. empregadora no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da morte de seu pai na quantia de 90.000,00 €, por se considerar que o acidente resultou da falta de observação, por esta, das regras sobre segurança e saúde no trabalho; tudo acrescido de juros.

Para tanto alegaram, em síntese: que o marido da primeira A. e pai dos segundo e terceiro AA. foi vítima de um acidente de trabalho no dia 9 de Maio de 2019 quando se encontrava a trabalhar para a primeira Ré empregadora nas instalações da Trazcarnes, cliente da empregadora, do qual lhe resultaram lesões que lhe causaram a morte; que o acidente aconteceu quando o sinistrado era elevado num cesto acoplado a um empilhador conduzido pelo gerente da Trazcarnes e o cesto tombou, provocando a queda do sinistrado; que o acidente se deveu, ou a uma falta, por parte da Ré empregadora, da formação necessária em prevenção de acidentes de trabalho em altura, ou a uma falta dos meios de proteção para a realização dos trabalhos em altura, individuais e coletivos, necessários a evitar o acidente; que tal leva à responsabilização da empregadora ou à condenação da Ré seguradora por ter a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a sua esfera jurídica pela Ré empregadora.

A R. empregadora apresentou contestação a cada uma das petições iniciais alegando, em suma: que observou todos os procedimentos em ordem a, não só ter disponíveis os meios necessários de proteção coletiva e individual, como a informar e dar formação, nessa área, ao sinistrado; que o acidente ocorreu por exclusiva culpa do sinistrado; que já antes havia ocorrido um episódio no qual o sinistrado, em contradição com as regras da empresa, não tinha observado o cumprimento das regras de segurança; que antes do acidente optou por usar os meios de elevação da Trazcarnes nos trabalhos que ali realizou, por os considerar adequados à elevação de pessoas (cesto com sistema de encaixe nos garfos da empilhadora), mas no dia do acidente o gerente da Trazcarnes exigiu o acesso à zona de trabalho num cesto sem estrutura de encaixe e apenas colocado em cima das forquilhas, ao que o sinistrado acedeu, sem que a R. fosse informada, quer de que o sinistrado não usava o arnês que lhe forneceu, quer de que nesse dia os meios de acesso eram diferentes.

A Ré AGEAS Portugal – Companhia de Seguros de Vida, S.A. também apresentou contestações, pugnando pela sua ilegitimidade porquanto apenas se dedica aos seguros do ramo vida, segundo o seu objecto social, e não havia celebrado qualquer contrato de seguro de acidentes de trabalho com a Ré empregadora.
Notificados das contestações apresentadas vieram os AA. invocar ter havido erro/lapso na indicação da denominação da R. seguradora, requerendo o chamamento e citação da AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A.

Ouvidas as partes para se pronunciarem, com referência ao artigo 318.º, n.º 2 do CPC, foi determinada por despacho judicial a citação da AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A., o que foi feito (vide fls. 332 e 338).

Após citada, a R. AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A. deduziu contestações a cada uma das petições iniciais apresentadas alegando nas mesmas, em suma: que o acidente de trabalho em causa nos presentes autos foi consequência do incumprimento, por parte da 1.ª R. empregadora, de regras de segurança no trabalho e, consequentemente, deve a 2.ª Ré ser integralmente absolvida de todos os pedidos contra si formulados; que, caso venha a ser a 2.ª Ré condenada no pagamento de uma pensão provisória, deve a 1.ª Ré ser condenada na restituição da quantia que vier a ser paga a esse título, acrescida dos respetivos juros de mora; que deve ainda a 1.ª Ré ser condenada a restituir à 2.ª Ré os valores que esta venha, eventualmente, a despender por força do acidente em discussão nos presentes autos, acrescidos dos respetivos juros de mora, e que, caso se venha a concluir que o acidente ocorreu por força do incumprimento, por parte do trabalhador, de regras de segurança no trabalho, deve a 2.ª Ré ser absolvida de todos os pedidos formulados nos autos.

Proferiu-se despacho de saneamento do processo e foi fixada uma pensão provisória a favor de cada um dos AA. e a cargo do FAT (fls. 357 e ss.).

Foi fixado o objecto do litígio e enunciados os factos assentes e os temas da prova.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«[…]
Pelo exposto, ao abrigo dos arts. 33º e 278º, nº 1, alª d) do CPC, aplicáveis por força do art. 1º, nº 2, alª a) do CPT e 18º da LAT o Tribunal, decide absolver da instância as Rés BESTFRIGER-Sistemas de Refrigeração Comercial e Industrial, Lda. e AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A.
Custas pelos Autores, sem prejuízo dos pedidos de apoio judiciário concedidos.
Valor da ação: fixo à ação o valor de €30.001,00.
[…]»

1.2.O Digno Magistrado do Ministério Público, invocando que actua em nome próprio, na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei, intervindo como parte acessória, interpôs recurso desta sentença e apresentou as competentes alegações, culminando as mesmas com as seguintes conclusões:
(...)
1.4.Também a 1.ª R. empregadora Bestfriger, Sistemas de Refrigeração, Comercial e Industrial, Lda. apresentou recurso da sentença concluindo que:
(...)
1.2.Apenas a R. AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A. apresentou as competentes contra-alegações ao recurso dos AA., defendendo a sua improcedência.
1.4.Mostra-se lavrado despacho que admitiu os recursos interpostos.
1.5.A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer no sentido de aderir ao recurso apresentado pelo Ministério Público.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
2. Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim, vistas as conclusões do recurso, verificamos que a este tribunal se colocam, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes questões:
1)-da excepção de ilegitimidade das RR. empregadora e seguradora por preterição de litisconsórcio necessário passivo;
2)-se no tribunal da 1.ª instância deveria ter sido determinada a intervenção na acção da sociedade Trazcarnes – Transporte, Comércio de Carnes Frescas, Lda. nos termos do artigo 127.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho;
3)-da impugnação da matéria de facto, o que suscita a questão prévia do cumprimentos dos ónus legais para o efeito;
4)-da descaracterização do acidente por violação de regras de segurança por parte do sinistrado;
5)-da responsabilidade agravada da empregadora por violação de regras de segurança no trabalho;
6)-das prestações devidas para reparação do acidente.

*
Antes de prosseguir, há que precisar um aspecto.

O Mmo. Juiz a quo não conheceu expressamente do erro material na identificação da R. seguradora invocado pelos AA. (seria AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A., e não AGEAS Portugal – Companhia de Seguros de Vida, S.A., como ficou a constar da petição inicial), nem da ilegitimidade da AGEAS Portugal – Companhia de Seguros de Vida, S.A. arguida por esta contestação que apresentou após citada, sendo ainda certo que o acima referido despacho em que determinou a citação da AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A. não se mostra fundamentado, nem nele é invocado qualquer preceito legal.

Nada foi arguido, contudo, a tal propósito por qualquer uma das partes, nem quanto à eventual falta de fundamentação do despacho de citação da AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A., nem quanto a uma eventual omissão de pronúncia relativamente à suscitada ilegitimidade da AGEAS Portugal – Companhia de Seguros de Vida, S.A.

Simplesmente os autos prosseguiram passando a figurar na posição de R., a par da R. empregadora, a AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A., a qual apresentou a sua defesa em articulado de contestação, sendo neste momento pacífico que a mesma é a seguradora com quem a R. empregadora celebrou um contrato de seguro de acidentes de trabalho que abrange o sinistro sub judice.

É certo que a notificação inicialmente efectuada para as partes se pronunciarem sobre o pedido de citação da R. AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A. o foi nos termos do artigo 318.º do CPC, preceito aplicável à intervenção provocada, mas é igualmente certo que nenhuma intervenção foi
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