Acórdão nº 323/20.2T8LRA.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 07-06-2022
Data de Julgamento | 07 Junho 2022 |
Case Outcome | NEGADA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 323/20.2T8LRA.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
I – Relatório
I.1 – Questões a decidir
AA, autora, invocando ter garantido e pago uma dívida de natureza comercial que os réus contraíram perante o BNC, S.A, hoje Banco Popular de Portugal, S.A., formulou o pedido de condenação destes a pagarem-lhe a quantia de €1.681.942,53 (um milhão seiscentos e oitenta e um mil novecentos e quarenta e dois euros e cinquenta e três cêntimos), acrescida de juros vincendos, à taxa legal para as operações comerciais, contados sobre €1.200.584,00 (um milhão e duzentos mil e quinhentos e oitenta e quatro euros), desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
A acção veio a ser julgada totalmente improcedente com fundamento na não verificação dos pressupostos legais da sub-rogação invocada pela autora.
A autora interpôs recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, requerendo a revogação da sentença recorrida, apresentando as correspondentes alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
A. O tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei e da situação dos autos.
B. Inexistem factos não provados.
C. Pese embora os réus, ora recorridos hajam negado a existência do contrato de mútuo suprarreferido (cfr. 28.º; 29.º e 46.º da contestação), alegando não ter sido depositada na sua conta qualquer quantia por parte do BNC — Banco Nacional de Crédito, S.A., hoje denominado Banco Popular Portugal, S.A.., o certo é que tal não corresponde à verdade, de acordo com as informações prestadas nos autos pelo Banco Santander Totta, S.A., em 22.11.2020 (requerimento com a Ref.ª ...65); em 04.01.2021 (requerimento com a Ref.ª ...20) e em 29.01.2021 (requerimento com a Ref.ª ...83).
D. O mútuo foi dado como provado pelo tribunal a quo, em 6 e 7 dos factos provados.
E. Assim como foi dado como provado que o mútuo “foi liquidado segundo informação bancária, com data valor de 18 de julho de 2017” (facto provado n.º 27) pela autora, ora recorrente (cfr. e-mails com a referência ...65, de 22.12.2020 e ...83, de 29.01.2021).
F. O direito de sub-rogação traduz a substituição do credor na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento.
G. A sub-rogação pode ser voluntária, quando decorre de manifestação expressa da vontade do credor ou do devedor, designadamente quando, apesar de ser o devedor a cumprir, o faz com dinheiro ou outra coisa fungível emprestada por terceiro, ou legal, quando opera por determinação da lei, independentemente de declaração do credor ou devedor.
H. Fica sub-rogado nos direitos do credor, o terceiro que cumpra a obrigação alheia quando tiver garantido (previamente) o cumprimento, isto é, quando o cumprimento tenha em vista evitar a execução de garantia que prestou.
I. É o que se passa quando o terceiro tenha garantido o cumprimento do devedor, por ex., constituindo hipoteca ou penhor sobre coisa sua. Nestes casos, embora o terceiro, enquanto proprietário da coisa hipotecada ou empenhada, não esteja obrigado pessoalmente a pagar ao credor, pode fazê-lo, no seu próprio interesse, porquanto, se não cumprir, sujeita-se à respetiva execução, e, na sequência dela, pode sofrer a perda dos bens onerados, ou pode, ver a sua posição agravada em função de eventual indemnização decorrente do não cumprimento.
J. Foi precisamente o que aconteceu nos presentes autos, como, de resto, resulta dos factos provados n.ºs 9, 11, 13, 19, 20, 27, 28 e 29.
K. Nos termos da última parte do n.º 1 do artigo 592.º do C.C., fica, também, sub-rogado nos direitos do credor, o terceiro que cumpra a obrigação alheia, quando por outra causa estiver diretamente interessado na satisfação do crédito.
L. Exige-se um interesse direto, que a doutrina vem entendendo como sendo um interesse patrimonial e próprio, excluindo-se os casos em que o cumprimento se realize no exclusivo interesse do devedor ou por mero interesse «moral» ou «afetivo» do «solvens».
M. Esse interesse direto do próprio terceiro, verificar-se-á sempre que, com o cumprimento, o terceiro pretenda evitar a perda ou limitação dum direito que lhe pertence ou mesmo quando o «solvens» apenas pretende acautelar a consistência económica do seu direito, podendo, de um modo geral, dizer-se que tem interesse direto quem é ou pode ser atingido na sua posição jurídica pelo não cumprimento e pretenda, precisamente evitar essas consequências.
N. Face ao que ficou demonstrado, no caso dos autos estão reunidos os requisitos da sub-rogação, desde logo porque o cumprimento da obrigação dos réus, ora recorridos, partiu da iniciativa da autora, ora recorrente (factos provados n.ºs 19, 22, 23, 27).
O. Esse “cumprimento” foi efetivado no interesse direto e próprio da autora, ora recorrente (terceira garante), com vista a evitar males e prejuízos maiores para si, especialmente, para conseguir obter a extinção das garantias referidas em 19, 22 e 23 dos factos provados.
P. Constituindo o pagamento (parcial) que a autora, ora recorrente, suportou um cumprimento interessado da obrigação dos réus, ora recorridos, resulta indubitável que aquela não pode deixar de ser sub-rogada e receber destes, a quantia de €1.200.584,00, acrescida de juros de mora peticionados.
Q. A sub-rogação legal é a que resulta diretamente da lei.
R. Quando a sub-rogação se encontra prevista na lei é desnecessária qualquer declaração do credor ou do devedor, para que o solvens fique sub-rogado no direito de crédito satisfeito, passando a ocupar a posição do credor originário. Essa substituição da pessoa do credor decorre ope legis da satisfação do crédito, ocorrendo a sub-rogação por “vontade” da lei e não pela vontade manifesta nesse sentido pelo credor ou pelo devedor.
S. Assim, deverá ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que, julgando a ação procedente por provada, condene os réus no pedido.
T. A douta sentença recorrida violou, assim, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 592.º, n.º 1 e 593.º do C. C.
U. No presente recurso, nas suas alegações, a recorrente discute apenas questões de direito.
V. O valor da causa é superior à alçada da Relação.
W. Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 678.º do Código de Processo Civil, requer-se que o mesmo (per saltum) suba diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça.
Os Réus em suporte da decisão recorrida apresentaram contra-alegações que terminam com as seguintes conclusões:
I. O Réus/Recorridos entendem que, na mui douta sentença, no que concerne à improcedência do pedido, por o mesmo não emergir de uma sub-rogação legal, foi, efetivamente, feita a apreciação proporcional, cabal e adequada da factualidade apresentada e bem assim do Direito, conduzindo à venerada justiça.
II. Os factos provados e a prova carreada nos autos não é suficiente para procedência do pedido, e causa de pedir da Autora/Recorrente.
III. Inexiste qualquer indício que sequer permita aferir, com o rigor e segurança jurídica que se impõe, que existe uma obrigação contraída pelos Réus, em que estes se obriguem a pagar qualquer montante ou cumprir qualquer obrigação perante a Autora (ou qualquer outra entidade).
IV. Não foi dado por provado que os Réus/Recorridos tenham incumprido as obrigações a que estavam adstritos por via do contrato de mútuo celebrado em 30.11.2004, sendo também falso que, por via do alegado incumprimento, a Autora tenha efectuado uma adenda ao contrato de penhor, subscrição de letra em branco, constituído procurações irrevogáveis, constituído registo e depósito de instrumentos financeiros e de intermediação financeira.
V. Mas mais importante, é o facto de resultar confessado, e provado, que a Autora/Recorrente assinou, em 30.05.2011, livre e expressamente o contrato de assunção de dívida com caracter liberatório, no qual exonerou os terceiros contraentes – neste caso os Réus – de quaisquer responsabilidades relativa ao referido contrato de mútuo. E fê-lo por uma única razão, porque nessa mesma data lhe foram transmitidos pelos Réus (através da sociedade P..., S.A.) imóveis que asseguraram o pagamento de quaisquer montantes que ainda permanecessem por regular por via da compra e venda de participações da sociedade P..., S.A.
VI. Adicionalmente, a Autora não alega, nem prova, o credor pignoratício tivesse executado tal penhor, que existisse incumprimento, que a Autora tivesse sido devidamente interpelada e mais importante que tivesse pago directamente qualquer montante a este título em data anterior ou contemporânea com a assunção liberatória de dívida – e não o fez porquanto inexistiu qualquer incumprimento por parte dos Réus. Aliás, o alegado pagamento ocorreu em 18.07.2017 – ou seja mais de seis anos após a assunção de dívida.
VII. Por via do contrato de assunção de dívida, outorgado em 30.05.2011, a exequente assumiu a totalidade da dívida dos executados perante o o Banco Popular (anteriormente BNC – Banco Nacional de Crédito, SA (cláusula primeira do contrato de assunção de dívida). A referida assunção teve ainda carácter liberatório, exonerando os executados de quaisquer responsabilidades inerentes ao contrato de mútuo (Cláusula quinta do contrato de assunção de dívida).
VIII. Nos termos da cláusula sétima do referenciado contrato de assunção de dívida a Autora e os Réus, bem como as restantes partes envolvidas, declararam: “que nada mais foi convencionado, directa ou indirectamente, relacionado com a matéria do presente contrato, para além do que fica escrito nas suas cláusulas.” Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 595.º, n.º 2 do CC, a referida transmissão de dívida tem carácter manifestamente liberatório – o Banco liberou expressamente da dívida os antigos devedores (Réus).
IX. Com a exoneração concedida aos antigos devedores, a Recorrente passou a ser a única...
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