Acórdão nº 3218/19.9T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 19-05-2020

Data de Julgamento19 Maio 2020
Número Acordão3218/19.9T8LSB.L1-7
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A [ Rodrigo…. ] residente na Rua Professor Egas Moniz, nº ,Oeiras e B [ Ana ….], residente na Rua Damião de Góis, n.º , Moçambique, intentam contra C [ MARIA …. ] e D [ ISABEL …..], ambas residentes na Avenida Helen Keller, n.º … Lisboa a presente acção declarativa constitutiva, com processo comum formulando o seguinte pedido:
a) Que seja proferida sentença que transmita para os autores, em comum e sem determinação de parte ou direito, a fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao segundo andar frente, com quatro arrecadações na cave do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua Eugénio dos Santos, nº , na Quinta das Palmeiras, em Oeiras, freguesia de União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, concelho de Oeiras, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º 193/19841213, da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias sob o artigo 5084º, pelo preço de € 120 000,00 (cento e vinte mil euros).
Alegam para tanto, muito em síntese, o seguinte:
Ø Os autores são os únicos herdeiros de Ida ….., falecida em 10 de Agosto de 2018, permanecendo indivisa a referida herança;
- As rés são as actuais proprietárias, em comum e sem determinação de parte ou direito, da fracção autónoma identificada, que pelo anterior proprietário foi dada de arrendamento para habitação, há mais de quarenta anos, à falecida Ida ….., contrato que se mantinha em vigor à data do óbito da arrendatária;
- Foi dirigida uma carta registada à entretanto falecida Ida ….. onde se comunicava a intenção das rés de vender a fracção autónoma em causa pelo preço de € 120 000,00, conferindo-lhe a faculdade de exercer o direito de preferência, tendo aquela comunicado à ré C, cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de Amadeu ….., que o pretendia exercer;
- No dia agendado para a venda, a falecida Ida …. compareceu na Conservatória do Registo Predial de Oeiras mas foi informada que não se encontrava agendado nenhum procedimento em seu nome, vindo depois a receber uma carta dando conta que as rés decidiram não proceder à venda da fracção, porque afinal o preço combinado seria superior;
- A aceitação da proposta pela falecida Ida …..formalizou um contrato-promessa de compra e venda e a posterior declaração de revogação da proposta contratual não tem qualquer efeito.
As rés contestaram suscitando as excepções de incompetência territorial e de caducidade do direito reclamado, referindo que a venda nunca chegou a ser efectivada, pelo que não havia nenhum direito de preferência e, a existir, teria caducado a 25 de Janeiro de 2018, caducidade que se verificava à data do óbito de IDA ….., verificado em 10 de Agosto de 2018 e, além disso, o depósito do preço não foi efectuado; mais alegam que a notificação dirigida às pessoas para exercerem o direito de preferência não equivale a qualquer proposta de contrato, nem a declaração de que pretende preferir corresponde à celebração de um contrato-promessa de compra e venda, não havendo direito à execução específica.
Concluem pela procedência das excepções invocadas e, quando assim se não entenda, pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
Foi concedida aos autores a oportunidade de se pronunciarem sobre as excepções deduzidas, o que estes fizeram por requerimento de 6 de Maio de 2019, reconhecendo a incompetência territorial do Juízo Central Cível de Lisboa onde a acção foi intentada e pugnando pela improcedência da excepção de caducidade. (cf. fls. 57 a 61).
Em 13 de Maio de 2019 foi proferida decisão que julgou procedente a excepção de incompetência territorial do Juízo Central Cível de Lisboa, sendo competente o Juízo Central Cível de Cascais, para onde a acção foi remetida.
Ouvidas as partes foi dispensada a realização de audiência prévia.
Em 16 de Outubro de 2019 foi proferido despacho saneador-sentença que julgou improcedente a excepção de caducidade e improcedente a acção e absolveu as rés do pedido.
É desta sentença que os autores/apelantes interpõem o presente recurso concluindo as suas alegações do seguinte modo:
I - No caso sub judice, a formação de um contrato-promessa decorre da própria substância da comunicação para preferência (e daí se exigir que a comunicação contenha uma concludente proposta contratual e não um mero convite para negociar, como sucedeu com a comunicação remetida pelas Rés à falecida preferente) e da sua aceitação.
II - As regras da declaração negocial, no que se refere à eficácia dessa declaração (art. 224º, nº 1, CC) e à sua irrevogabilidade (art. 230º, nº 1, CC) não é por analogia que se aplicam à comunicação para preferência e à respectiva aceitação, mas sim directamente, nada existindo no regime da preferência (seja legal ou convencional) que exclua essa aplicação, nem fazia qualquer sentido que existisse.
III - Estando em causa (como sucede no caso sub judice) uma promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão de direito real sobre uma fracção autónoma de edifício, o direito à execução específica do contrato não pode ser afastado pelas partes – art. 830º, nº 3, ex vi art. 410º, nº 3, CC.
IV - Num contrato-promessa como aquele que está em causa nos presentes autos não é possível sustentar que a execução específica tenha um carácter excepcional – ela é, muito pelo contrário, obrigatória.
V - Não sendo, no caso dos autos, a execução específica do contrato-promessa excepcional deixa de fazer qualquer sentido invocar, para a excluir, uma suposta aplicação analógica de uma norma excepcional.
VI - Estando o Tribunal impedido de apreciar a questão da suposta alteração das circunstâncias (por força dos limites da condenação fixados no art. 609º, nº 1, CPC), não faz também sentido que, sem o mínimo suporte factual, se utilize uma suposta possibilidade de resolução contratual por alteração das circunstâncias como fundamento para, em nome de um pretenso direito ao arrependimento (neste caso, sem quaisquer consequências!), estender a liberdade contratual a uma perversa liberdade de não cumprir.
VII - A rigorosíssima jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores em relação às condições de admissibilidade da resolução do contrato por alteração das circunstâncias só vinca a densidade do princípio da eficácia dos contratos contido no art. 406º, nº 1, CC, impondo que o contrato deva ser pontualmente cumprido, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei, o que conduz precisamente ou constitui um argumento a favor da procedência e não da improcedência da presente acção.
VIII - É evidente que, no caso sub judice, não está em causa uma sucessão no direito de preferência legal (que seria, aliás, possível, visto que a restrição contida no art. 420º, CC, se refere apenas à preferência convencional), mas sim no direito de execução específica do contrato-promessa de compra e venda, que radicou no património da falecida que dele era titular no momento em que as Rés, recusando-se a outorgar a compra e venda para que haviam convocado a preferente, se constituíram em mora quanto ao cumprimento da promessa.
IX - Existindo tal direito no património da falecida Ida ……, o mesmo transmitiu-se, por sucessão, para os Autores.
X - Assim sendo, com a execução específica do contrato, não há qualquer enriquecimento sem causa, visto que os Autores pagarão às Rés o preço constante da comunicação para preferência e a consequente aquisição a seu favor, por compra, da fracção tem, obviamente, uma causa.
XI - Não existe nenhum motivo para afastar a execução específica do contrato-promessa de compra e venda que se deve ter como celebrado e, por conseguinte, a acção deveria ter sido julgada inteiramente provada e procedente.
XII - Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal a quo violou designadamente o disposto no art. 224º, nº 1, art. 230º, nº 1, art. 406º, nº 1, art. 805º, nº 2, a), art. 830º, nº 1, e art. 830º, nº 3, CC.
Termos em que deve ser concedido pleno provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho saneador-sentença recorrido, julgando-se a acção provada e procedente e ordenando-se a transmissão para os autores, em comum e sem determinação de parte ou direito, da fracção autónoma devidamente identificada no artigo 2º da petição inicial, pelo preço de €120.000,00 (cento e vinte mil euros).
As rés/recorridas contra-alegaram pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
*
II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões das alegações dos autores/apelantes há que apreciar se estes têm o direito a obter a execução específica daquele que qualificam como contrato-promessa de compra e venda mediante declaração judicial que substitua a declaração das vendedoras.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou assentes os seguintes factos provados pro documentos e acordo das partes:
a) Os Autores são os únicos herdeiros de Ida ….., falecida em 10 de Agosto de 2018, permanecendo indivisa a referida
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